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CAPÍTULO QUINZE

Instruções para Seres Humanos Civilizados

O resumo do décimo quinto capítulo é o seguinte. No capítulo anterior, Śrī Nārada Muni demonstrou que o brāhmaṇa é importante para a sociedade. Agora, neste capítulo, ele mostrará as diferenças entre variadas classes de brāhmaṇas. Entre os brāhmaṇas, alguns são chefes de família e estão muito apegados às atividades fruitivas ou à melhora das condições sociais. Superiores a eles, entretanto, são os brāhmaṇas que sentem muita atração pelas austeridades e penitências e que se afastam da vida familiar. Eles são conhecidos como vānaprasthas. Outros brāhmaṇas estão muito interessados em estudar os Vedas e em explicar aos outros o significado dos Vedas. Semelhantes brāhmaṇas se chamam brahmacārīs. E ainda há os brāhmaṇas que estão interessados em diferentes espécies de yoga, especialmente bhakti-yoga e jñāna-yoga. A maioria desses brāhmaṇas são sannyāsīs, membros da ordem de vida renunciada.

Quanto aos chefes de família, ocupam-se em diferentes classes de atividades recomendadas nas escrituras, tais como apresentar oblações aos antepassados e fazer caridade aos brāhmaṇas, dando-lhes a parafernália utilizada nesses sacrifícios. De um modo geral, deve-se dar caridade aos sannyāsīs, os brāhmaṇas na ordem de vida renunciada. No caso de esses sannyāsīs não estarem disponíveis, a caridade é feita aos chefes de família bramânicos ocupados em atividades fruitivas.

Ninguém deve fazer arranjos muito elaborados para realizar a cerimônia śrāddha, na qual se apresentam oblações aos antepassados. O melhor processo para se executar a cerimônia śrāddha é distribuir bhāgavata-prasāda (restos do alimento que foi primeiramente oferecido a Kṛṣṇa) a todos os antepassados e parentes. Isso caracteriza uma primorosa cerimônia śrāddha. Na cerimônia śrāddha, não há necessidade de a pessoa oferecer carne ou comer carne. O abate desnecessário de animais deve ser evitado. Aqueles que estão nas camadas inferiores da sociedade preferem realizar sacrifícios matando animais, mas quem é avançado em conhecimento deve evitar essa violência desnecessária.

Compete aos brāhmaṇas executar seus deveres reguladores adorando o Senhor Viṣṇu. Aqueles que conhecem a fundo os princípios religiosos devem evitar cinco classes de irreligião, conhecidas como vidharma, para-dharma, dharmābhāsa, upadharma e chala-dharma. A pessoa deve agir de acordo com os princípios religiosos adequados à sua posição constitucional; não procede que todos devem aderir à mesma classe de religião. É princípio geral que um homem pobre não deve esforçar-se excessivamente para obter desenvolvimento econômico. Todo aquele que evita esses esforços e se ocupa em serviço devocional é muito venturoso.

Alguém que não esteja mentalmente satisfeito acabará degradando-se. Devem-se subjugar os desejos luxuriosos, a ira, a cobiça, o medo, a lamentação, a ilusão, o pânico, as conversas desnecessárias que versam em temas materiais, a violência, os quatro sofrimentos da existência material e as três qualidades materiais. Esse é o objetivo da vida humana. Alguém que não deposite fé no mestre espiritual, o qual é idêntico a Śrī Kṛṣṇa, não pode obter nenhum benefício ao ler os śāstras. Não se deve jamais considerar o mestre espiritual como um ser humano comum, muito embora os membros da família do mestre espiritual talvez pensem que ele o seja. A meditação e outros processos de austeridades só serão úteis se ajudarem no avanço rumo à consciência de Kṛṣṇa; caso contrário, isso será mera perda de tempo e trabalho. Aqueles que não são devotos cairão devido aos efeitos dessa meditação e austeridade.

Todo chefe de família deve tomar muito cuidado porque, muito embora tente dominar os sentidos, o chefe de família se enreda no convívio dos parentes e cai. Portanto, o gṛhastha deve tornar-se vānaprastha ou sannyāsī, viver em um lugar afastado e se satisfazer com o alimento obtido ao esmolar de porta em porta. Ele deve cantar o mantra oṁkāra ou o mantra Hare Kṛṣṇa e, dessa maneira, perceberá a bem-aventurança transcendental dentro de si mesmo. Entretanto, se alguém reingressar na vida de gṛhastha após tomar sannyāsa, ele é chamado de vāntāśī, ou seja, “aquele que come o seu próprio vômito”. Semelhante pessoa é um desavergonhado. O chefe de família não deve abandonar as cerimônias ritualísticas, e o sannyāsī não deve viver na sociedade. Se um sannyāsī for agitado pelos sentidos, ele é um enganador influenciado pelos modos da paixão e da ignorância. Quando alguém assume um papel em que impera a bondade e inicia atividades filantrópicas e altruístas, tais atividades se tornam um obstáculo no caminho do serviço devocional.

O melhor processo para alguém avançar em serviço devocional é acatar as ordens do mestre espiritual, pois é somente através dessa orientação que é possível controlar os sentidos. Quem não é inteiramente consciente de Kṛṣṇa sempre corre o risco de cair. Evidentemente, ao executar cerimônias ritualísticas e outras atividades fruitivas, também há muitos perigos a cada instante. As atividades fruitivas são divididas em doze partes. Devido ao fato de realizar atividades fruitivas, que são chamadas de caminho do dharma, a pessoa tem que aceitar o ciclo de nascimentos e mortes, mas, ao adotar o caminho de mokṣa, ou liberação, que é descrito na Bhagavad-gītā como arcanā-mārga, ela pode libertar-se do ciclo de nascimentos e mortes. Os Vedas descrevem esses dois caminhos como pitṛ-yāna e deva-yāna. Aqueles que seguem a senda de pitṛ-yāna e deva-yāna jamais se confundem, mesmo enquanto estão em corpos materiais. O filósofo monista que aos poucos desenvolve controle dos sentidos compreende que o objetivo de todos os diferentes āśramas, as situações de vida, é a salvação. Todos devem viver e agir de acordo com os śāstras.

Se alguém que está realizando as cerimônias ritualísticas védicas se torna um devoto, mesmo que essa pessoa seja um gṛhastha, pode receber a imotivada misericórdia de Kṛṣṇa. O devoto tem como objetivo retornar ao lar, retornar ao Supremo. Mesmo que não execute cerimônias ritualísticas, semelhante devoto avança em consciência espiritual pela vontade da Suprema Personalidade de Deus. Pode tornar-se realmente exitoso em consciência espiritual quem recebe a misericórdia dos devotos, mas pode cair da consciência espiritual quem desrespeita os devotos. No tocante a isso, Nārada Muni narrou a história de como ele caiu do reino dos Gandharvas, nasceu em família śūdra, e, servindo aos brāhmaṇas elevados, tornou-se filho do senhor Brahmā e reassumiu sua posição transcendental. Após narrar todas essas histórias, Nārada Muni louvou a misericórdia que o Senhor concedeu aos Pāṇḍavas. Após ouvir Nārada, Mahārāja Yudhiṣṭhira se extasiou em amor a Kṛṣṇa, momento no qual Nārada Muni deixou aquele lugar e retornou à sua própria morada. Nesse ponto, após ter descrito os vários descendentes das filhas de Dakṣa, Śukadeva Gosvāmī finaliza o sétimo canto do Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

śrī-nārada uvāca
karma-niṣṭhā dvijāḥ kecit
tapo-niṣṭhā nṛpāpare
svādhyāye ’nye pravacane
kecana jñāna-yogayoḥ

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Nārada Muni disse; karma-niṣṭhāḥ — apegado a cerimônias ritualísticas (de acordo com seu status social como brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya ou śūdra); dvi-jāḥ — os duas vezes nascidos (especialmente os brāhmaṇas); kecit — alguns; tapaḥ-niṣṭhāḥ — muito apegados a austeridades e penitências; nṛpa — ó rei; apare — outros; svādhyāye — em estudar a literatura védica; anye — outros; pravacane — dando palestras sobre a literatura védica; kecana — alguns; jñāna-yogayoḥ — em cultivar conhecimento e praticar bhakti-yoga.

Tradução

Nārada Muni prosseguiu: Meu querido rei, alguns brāhmaṇas são muito apegados às atividades fruitivas, alguns se dedicam às austeridades e penitências e há os que estudam a literatura védica, ao passo que outros, embora sejam muito poucos, cultivam o conhecimento e praticam diferentes yogas, especialmente o bhakti-yoga.

Texto

jñāna-niṣṭhāya deyāni
kavyāny ānantyam icchatā
daive ca tad-abhāve syād
itarebhyo yathārhataḥ

Sinônimos

jñāna-niṣṭhāya — ao impersonalista ou ao transcendentalista que deseja imergir no Supremo; deyāni — devem ser dados em caridade; kavyāni — ingredientes apresentados aos antepassados como oblações; ānantyam — libertar-se do cativeiro material; icchatā — por alguém que deseja; daive — os ingredientes a serem oferecidos aos semideuses; ca — também; tat-abhāve — na ausência desses transcendentalistas avançados; syāt — deve-se fazer isso; itarebhyaḥ — aos outros (a saber, àqueles que estão absortos em atividades fruitivas); yathā-arhataḥ — comparativamente ou com discriminação.

Tradução

Alguém que deseja a liberação para seus antepassados ou para si próprio deve dar caridade aos brāhmaṇas adeptos do monismo impessoal [jñāna-niṣṭhā]. Na ausência desses brāhmaṇas avançados, pode-se dar caridade aos brāhmaṇas absortos em atividades fruitivas [karma-kāṇḍa].

Comentário

SIGNIFICADOExistem dois processos através dos quais a pessoa pode livrar-se do cativeiro material. Um diz respeito a jñāna-kāṇḍa e karma-kāṇḍa, e o outro se refere a upāsanā-kāṇḍa. Os vaiṣṇavas jamais querem imergir na existência do Supremo; em vez disso, desejam ser servos eternos do Senhor e Lhe prestar serviço amoroso. Neste verso, as palavras ānantyam icchatā se aplicam àqueles que desejam libertar-se do cativeiro material e imergir na existência do Senhor. Os devotos, entretanto, cujo objetivo é associarem-se pessoalmente com o Senhor, não desejam realizar karma-kāṇḍa ou jñāna-kāṇḍa, pois o serviço devocional puro suplanta tanto karma-kāṇḍa quanto jñānakāṇḍa. Anyābhilāṣitā-śūnyaṁ jñāna-karmādy-anāvṛtam. No serviço devocional puro, não há nem mesmo um estigma de jñāna ou karma. Consequentemente, ao distribuírem caridade, os vaiṣṇavas não precisam procurar um brāhmaṇa que execute as atividades de jñāna-kāṇḍa ou karma-kāṇḍa. O melhor exemplo a esse respeito é dado por Advaita Gosvāmī, que, após realizar a cerimônia śrāddha consagrada a Seu pai, oferecia caridade a Haridāsa Ṭhākura, embora todos soubessem que Haridāsa Ṭhākura nascera em família muçulmana, e não em família de brāhmaṇas, e que ele não estava interessado nas atividades de jñāna-kāṇḍa ou karma-kāṇḍa.

A caridade, portanto, deve ser feita ao transcendentalista de primeira classe, o devoto, porque os śāstras recomendam:

muktānām api siddhānāṁ
nārāyaṇa-parāyaṇaḥ
sudurlabhaḥ praśāntātmā
koṭiṣv api mahā-mune

“Ó grande sábio, entre muitos milhões que são liberados e que conhecem perfeitamente a liberação, talvez surja um que se torne devoto do Senhor Nārāyaṇa, ou Kṛṣṇa. Semelhantes devotos, que são muito pacíficos, são muito raros.” (Śrīmad-Bhāgavatam 6.14.5) A posição do vaiṣṇava sobrepuja a posição do jñānī, e foi por isso que Advaita Ācārya escolheu Haridāsa Ṭhākura para ser quem receberia a Sua caridade. O Senhor Supremo também diz:

na me ’bhaktaś catur-vedī
mad-bhaktaḥ śva-pacaḥ priyaḥ
tasmai deyaṁ tato grāhyaṁ
sa ca pūjyo yathā hy aham

“Muito embora alguém seja um estudioso muito versado nos textos sânscritos védicos, ele só será aceito como Meu devoto se estiver em serviço devocional puro. Contudo, muito embora alguém tenha nascido em família de comedores de cães, ele Me é muito querido se for um devoto puro que não tem nenhum interesse de desfrutar de atividade fruitiva ou especulação mental. Na verdade, deve-se prestar todo respeito a ele, e tudo o que ele oferece deve ser aceito. Esses devotos são tão adoráveis quanto Eu.” (Hari-bhakti-vilāsa 10.127) Portanto, mesmo que não tenha nascido em família de brāhmaṇas, o devoto, graças à sua devoção pelo Senhor, supera todas as classes de brāhmaṇas, quer eles sejam karma-kāṇḍīs, quer sejam jñāna-kāndīs.

Com relação a isso, pode-se mencionar que, em Vṛndāvana, os brāhmaṇas karma-kāṇḍīs e jñāna-kāṇḍīs às vezes se recusam a visitar nosso templo porque nosso templo é conhecido como aṅgarejī, ou “templo anglicano”. Porém, de acordo com a evidência contida nos śāstras e o exemplo estabelecido por Advaita Ācārya, damos prasāda aos devotos, independentemente de serem procedentes da Índia, Europa ou Estados Unidos. Segundo a conclusão do śāstra, em vez de alimentar muitos brāhmaṇas karma-kāṇḍīs ou jñāna-kāṇḍīs, é melhor alimentar um vaiṣṇava puro, não importando seu lugar de origem. Também se confirma isso na Bhagavad-gītā (9.30):

api cet sudurācāro
bhajate mām ananya-bhāk
sādhur eva sa mantavyaḥ
samyag vyavasito hi saḥ

“Mesmo que alguém cometa ações das mais abomináveis, se estiver ocupado no serviço devocional, deve ser considerado santo, porque está devidamente situado em sua determinação.” Portanto, não é relevante se o devoto vem de família bramânica ou de família não-bramânica; se ele for inteiramente devotado a Kṛṣṇa, ele é um sādhu.

Texto

dvau daive pitṛ-kārye trīn
ekaikam ubhayatra vā
bhojayet susamṛddho ’pi
śrāddhe kuryān na vistaram

Sinônimos

dvau — dois; daive — durante o período em que as oblações são apresentadas aos semideuses; pitṛ-kārye — na cerimônia śrāddha, na qual são feitas oblações aos antepassados; trīn — três; eka — um; ekam — um; ubhayatra — para ambas as ocasiões; — ou; bhojayet — alguém deve alimentar; su-samṛddhaḥ api — muito embora seja muito rico; śrāddhe — ao apresentar oblações aos antepassados; kuryāt — ele deve fazer; na — não; vistaram — arranjos muito dispendiosos.

Tradução

Durante a ocasião em que se apresentam oblações aos semideuses, devem-se convidar apenas dois brāhmaṇas e, ao serem feitas oblações aos antepassados, podem-se convidar três brāhmaṇas. Ou, em qualquer um desses casos, um brāhmaṇa poderá ser suficiente. Mesmo que alguém seja muito rico, não deve convidar outros brāhmaṇas nem empregar vários recursos para tornar essas cerimônias muito pomposas.

Comentário

SIGNIFICADOComo já mencionamos, Śrīla Advaita Ācārya convidava apenas Haridāsa Ṭhākura para participar da cerimônia em que se costuma fazer oblações aos antepassados. Assim, Ele seguia o princípio segundo o qual na me ’bhaktaś catur-vedī mad-bhaktaḥ śva-pacaḥ priyaḥ. O Senhor diz: “Não é necessário que alguém se torne muito hábil em conhecimento védico para então poder ser Meu bhakta, ou devoto. Mesmo que alguém nasça em família de comedores de cães, ele pode tornar-se Meu devoto e ser muito querido a Mim, apesar de ter nascido em tal família. Portanto, as oferendas devem ser dadas ao Meu devoto, e tudo o que o Meu devoto Me oferecer deve ser aceito.” Seguindo esse princípio, todos devem convidar um brāhmaṇa ou vaiṣṇava conceituado – uma alma realizada – e alimentá-lo ao realizar a cerimônia śrāddha em que se fazem oblações aos antepassados.

Texto

deśa-kālocita-śraddhā-
dravya-pātrārhaṇāni ca
samyag bhavanti naitāni
vistarāt sva-janārpaṇāt

Sinônimos

deśa — lugar; kāla — tempo; ucita — devido; śraddhā — respeitosa; dravya — ingredientes; pātra — uma pessoa adequada; arhaṇāni — parafernália com a qual se realiza adoração; ca — e; samyak — próprios; bhavanti — são; na — não; etāni — todos eles; vistarāt — devido à expansão; sva-jana-arpaṇāt — ou devido ao fato de a pessoa convidar seus parentes.

Tradução

Se alguém decide alimentar muitos brāhmaṇas ou parentes durante a cerimônia śrāddha, haverá discrepâncias no que se refere a tempo, lugar, respeitabilidade e ingredientes, à pessoa a ser adorada e ao método de oferecer adoração.

Comentário

SIGNIFICADONārada Muni proibiu os desnecessários arranjos exuberantes através dos quais alguém procura alimentar os parentes ou os brāhmaṇas durante a cerimônia śrāddha. Aqueles que têm muita opulência material gastam prodigamente durante essa cerimônia. Em três ocasiões especiais, os indianos são esbanjadores: no nascimento de um filho, no casamento e na cerimônia śrāddha –, mas os śāstras proíbem os gastos excessivos em que alguém incorre ao convidar muitos brāhmaṇas e parentes a participarem de certas cerimônias, como, por exemplo, a cerimônia śrāddha.

Texto

deśe kāle ca samprāpte
muny-annaṁ hari-daivatam
śraddhayā vidhivat pātre
nyastaṁ kāmadhug akṣayam

Sinônimos

deśe — em um lugar adequado, a saber, em um lugar santo de peregrinação; kāle — em um momento auspicioso; ca — também; samprāpte — quando disponíveis; muni-annam — alimentos preparados com ghī e dignos de serem comidos por grandiosas pessoas santas; hari-daivatam — à Suprema Personalidade de Deus, Hari; śraddhayā — com amor e afeição; vidhi-vat — de acordo com as orientações do mestre espiritual e dos śāstras; pātre — à pessoa condigna; nyastam — se isso for assim oferecido; kāmadhuk — torna-se uma fonte de prosperidade; akṣayam — permanente.

Tradução

Quando alguém dispõe de um momento e lugar auspiciosos e adequados, deve amorosamente oferecer à Deidade da Suprema Personalidade de Deus o alimento preparado com ghī e, em seguida, oferecer a prasāda a uma pessoa apropriada – um vaiṣṇava ou brāhmaṇa. Isso será a causa de uma prosperidade permanente.

Texto

devarṣi-pitṛ-bhūtebhya
ātmane sva-janāya ca
annaṁ saṁvibhajan paśyet
sarvaṁ tat puruṣātmakam

Sinônimos

deva — aos semideuses; ṛṣi — às pessoas santas; pitṛ — aos antepassados; bhūtebhyaḥ — às entidades vivas em geral; ātmane — aos parentes; sva-janāya — aos membros familiares e amigos; ca — e; annam — alimento (prasāda); saṁvibhajan — oferecendo; paśyet — a pessoa deve ver; sarvam — todos; tat — eles; puruṣa-ātmakam — relacionados com a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Deve-se oferecer prasāda aos semideuses, às pessoas santas, aos antepassados, às pessoas em geral, aos membros familiares, aos parentes e amigos, vendo todos eles como devotos da Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADOComo se mencionou acima, recomenda-se que todos distribuam prasāda, considerando todo ser vivo como parte integrante do Senhor Supremo. Mesmo ao alimentar os pobres, a pessoa deve distribuir prasāda. Em Kali-yuga, durante quase todos os anos, existe escassez de alimentos, daí os filantropos gastarem amplamente para alimentar os pobres. É então que eles inventam o termo daridra-nārāyaṇa-sevā. Isso é proibido. A pessoa deve distribuir prasāda suntuosa, considerando todos como fazendo parte do Senhor Supremo, mas ninguém deve recorrer a malabarismo de palavras e transformar um homem pobre em Nārāyaṇa. Todos estão relacionados com o Senhor Supremo, mas ninguém deve cair no erro de pensar que, apenas porque alguém está relacionado com a Suprema Personalidade de Deus, ele se tornou Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Semelhante filosofia māyāvāda é muitíssimo perigosa, especialmente para o devoto. Por conseguinte, Śrī Caitanya Mahāprabhu nos proibiu terminantemente de nos associarmos com os filósofos māyāvādīs. Māyāvādi-bhāṣya śunile haya sarva-nāśa: se alguém se associa com a filosofia māyāvāda, arruína sua vida devocional.

Texto

na dadyād āmiṣaṁ śrāddhe
na cādyād dharma-tattvavit
muny-annaiḥ syāt parā prītir
yathā na paśu-hiṁsayā

Sinônimos

na — jamais; dadyāt — deve oferecer; āmiṣam — carne, peixe, ovos e assim por diante; śrāddhe — na realização da cerimônia śrāddha; na — nem; ca — também; adyāt — alguém deve pessoalmente comer; dharma-tattva-vit — alguém que é realmente entendido em atividades religiosas; muni-annaiḥ — com preparações feitas com ghī e destinadas às pessoas santas; syāt — devem ser; parā — primorosas; prītiḥ — satisfação; yathā — para os antepassados e para a Suprema Personalidade de Deus; na — não; paśu-hiṁsayā — matando animais desnecessariamente.

Tradução

A pessoa plenamente consciente dos princípios religiosos jamais deve oferecer, durante a cerimônia śrāddha, alimentos à base de carne, ovos ou peixe, e mesmo que alguém seja kṣatriya, não deve comer essas coisas. Quando o alimento apropriado é preparado com ghī e oferecido a pessoas santas, o ritual satisfaz os antepassados e o Senhor Supremo, que nunca ficam contentes quando animais são mortos em nome de sacrifício.

Texto

naitādṛśaḥ paro dharmo
nṛṇāṁ sad-dharmam icchatām
nyāso daṇḍasya bhūteṣu
mano-vāk-kāyajasya yaḥ

Sinônimos

na — nunca; etādṛśaḥ — como esta; paraḥ — suprema ou superior; dharmaḥ — uma religião; nṛṇām — das pessoas; sat-dharmam — religião superior; icchatām — estando desejosas de; nyāsaḥ — deixar de; daṇḍasya — causar problemas devido à inveja; bhūteṣu — às entidades vivas; manaḥ — em termos da mente; vāk — palavras; kāya-jasya — e corpo; yaḥ — os quais.

Tradução

As pessoas que querem avançar rumo à religião superior são aconselhadas a abandonarem toda inveja que sentem de outras entidades vivas, seja em relação ao corpo, às palavras ou à mente. Não existe religião superior a essa.

Texto

eke karmamayān yajñān
jñānino yajña-vittamāḥ
ātma-saṁyamane ’nīhā
juhvati jñāna-dīpite

Sinônimos

eke — alguns; karma-mayān — resultando em uma reação (tais como o abate de animais); yajñān — sacrifícios; jñāninaḥ — pessoas avançadas em conhecimento; yajña-vit-tamāḥ — que conhecem perfeitamente bem o propósito do sacrifício; ātma-saṁyamane — através do autocontrole; anīhāḥ — que não têm desejos materiais; juhvati — executam sacrifício; jñāna-dīpite — iluminados em conhecimento perfeito.

Tradução

Devido ao fato de despertarem o conhecimento espiritual, aqueles que são inteligentes no que diz respeito ao sacrifício, que estão realmente inteirados dos princípios religiosos e que são livres dos desejos materiais, controlam o eu no fogo do conhecimento espiritual, ou no conhecimento através do qual a Verdade Absoluta revela-Se. Eles conseguem abandonar o processo das cerimônias ritualísticas.

Comentário

SIGNIFICADODe uma maneira geral, as pessoas estão muito interessadas nas cerimônias ritualísticas karma-kāṇḍa, através das quais consigam se elevar aos sistemas planetários superiores, mas, quando alguém desperta seu conhecimento espiritual, deixa de se interessar por essa elevação e se ocupa plenamente em jñāna-yajña para poder encontrar o objetivo da vida. O objetivo da vida consiste em a pessoa se livrar por completo dos sofrimentos manifestos sob a forma de nascimento e morte e, então, retornar ao lar, retornar ao Supremo. Quem cultiva conhecimento tentando atingir esse propósito é considerado como estando em uma plataforma superior àquela em que está situado alguém ocupado em karma-yajña, ou atividades fruitivas.

Texto

dravya-yajñair yakṣyamāṇaṁ
dṛṣṭvā bhūtāni bibhyati
eṣa mākaruṇo hanyād
ataj-jño hy asu-tṛp dhruvam

Sinônimos

dravya-yajñaiḥ — de animais e outros comestíveis; yakṣyamānam — a pessoa ocupada nesses sacrifícios; dṛṣṭvā — ao verem; bhūtāni — as entidades vivas (animais); bibhyati — ficam com medo; eṣaḥ — essa pessoa (ó realizador do sacrifício); — a nós; akaruṇaḥ — que é desumana e ímpia; hanyāt — matará; a-tat-jñaḥ — muito ignorante; hi — na verdade; asu-tṛp — que fica muito satisfeita em matar os outros; dhruvam — com certeza.

Tradução

Ao verem a pessoa ocupada na realização do sacrifício, os animais destinados a serem sacrificados ficam extremamente temerosos, pensando: “Esse impiedoso realizador de sacrifícios, ignorando o propósito do sacrifício e ficando muito satisfeito em matar os outros, com certeza nos matará.”

Comentário

SIGNIFICADOO sacrifício de animais em nome da religião está em voga praticamente em todo o mundo e recebe a chancela de toda religião estabelecida. Afirma-se que o Senhor Jesus Cristo, quando tinha doze anos de idade, chocou-se ao ver os judeus sacrificando pássaros e animais nas sinagogas e, em virtude disso, rejeitou o sistema de religião judaico e deu início ao sistema religioso da cristandade, aderindo ao mandamento do Velho Testamento “Não matarás”. Nos dias modernos, entretanto, os animais são mortos não apenas em nome de sacrifício, mas o abate de animais aumentou enormemente devido à ampliação do número de matadouros. O abate de animais, seja em prol da religião, seja para fins alimentares, é muito abominável e é condenado nesta passagem. Apenas quem é cruel consegue sacrificar animais, seja em nome da religião, seja para fins de alimentação.

Texto

tasmād daivopapannena
muny-annenāpi dharmavit
santuṣṭo ’har ahaḥ kuryān
nitya-naimittikīḥ kriyāḥ

Sinônimos

tasmāt — portanto; daiva-upapannena — obtenível muito facilmente mediante a graça do Senhor; muni-annena — com alimento (preparado no ghī e oferecido ao Senhor Supremo); api — na verdade; dharma-vit — alguém que é realmente avançado em princípios religiosos; santuṣṭaḥ — com muita alegria; ahaḥ ahaḥ — dia após dia; kuryāt — ele deve realizar; nitya-naimittikīḥ — regulares e ocasionais; kriyāḥ — deveres.

Tradução

Portanto, dia após dia, alguém que está realmente inteirado dos princípios religiosos e não sente abjeta inveja dos pobres animais deve alegremente realizar os sacrifícios diários e aqueles designados para certas ocasiões, utilizando todo alimento que lhe esteja facilmente disponível mediante a graça do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADOA palavra dharmavit, que significa “aquele que conhece o verdadeiro propósito da religião”, é muito significativa. Como se explica na Bhagavad-gītā (18.66), sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: tornar-se consciente de Kṛṣṇa é a mais elevada fase atingida por alguém que compreende os princípios religiosos. Alguém que alcança essa etapa executa o processo de arcanā do serviço devocional. Toda pessoa, seja gṛhastha, seja sannyāsī, pode manter pequenas Deidades do Senhor adequadamente guardadas ou, se possível, instaladas, e então adorar as Deidades de Rādhā-Kṛṣṇa, Sītā-Rāma, Lakṣmī-Nārāyaṇa, Senhor Jagannātha ou Śrī Caitanya Mahāprabhu, oferecendo alimento preparado no ghī e, em seguida, como atividade rotineira diária, oferecendo aos antepassados, semideuses e outras entidades vivas a prasāda santificada. Todos os centros do nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa têm programas de adoração à Deidade muito bem organizados, nos quais o alimento é oferecido à Deidade e, depois, distribuído aos brāhmaṇas e vaiṣṇavas íntegros, bem como às pessoas em geral. Essa realização de sacrifício traz completa satisfação. Diariamente, os membros do movimento da consciência de Kṛṣṇa se ocupam nessas atividades transcendentais. Logo, em nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa, matar animais é algo completamente incogitável.

Texto

vidharmaḥ para-dharmaś ca
ābhāsa upamā chalaḥ
adharma-śākhāḥ pañcemā
dharma-jño ’dharmavat tyajet

Sinônimos

vidharmaḥ — irreligião; para-dharmaḥ — princípios religiosos praticados por outros; ca — e; ābhāsaḥ — pretensos princípios religiosos; upamā — princípios que parecem religiosos, mas não o são; chalaḥ — uma religião enganadora; adharma-śākhāḥ — que são diferentes ramos de irreligião; pañca — cinco; imāḥ — esses; dharma-jñaḥ — alguém que conhece os princípios religiosos; adharma-vat — aceitando-os como irreligiosos; tyajet — deve abandonar.

Tradução

Existem cinco ramos de irreligião, devidamente conhecidos como irreligião [vidharma], princípios religiosos em que alguém não se enquadra [para-dharma], pretensa religião [ābhāsa], religião analógica [upadharma] e religião enganadora [chala-dharma]. Quem conhece a verdadeira vida religiosa deve abandonar essas cinco atividades, considerando-as irreligiosas.

Comentário

SIGNIFICADOQuaisquer princípios religiosos que se opõem à rendição aos pés de lótus de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, devem ser considerados princípios religiosos irregulares ou enganadores, e alguém realmente interessado em religião deve abandoná-los. Todos devem simplesmente seguir as instruções de Kṛṣṇa e se render a Ele. Para tomar essa atitude, a pessoa decerto precisa de uma ótima inteligência, a qual pode ser despertada após muitos e muitos nascimentos em que ela teve a boa associação dos devotos e praticou a consciência de Kṛṣṇa. Tudo deve ser abandonado como irreligião, restando a todos seguirem o princípio religioso recomendado por Kṛṣṇa – sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja.

Texto

dharma-bādho vidharmaḥ syāt
para-dharmo ’nya-coditaḥ
upadharmas tu pākhaṇḍo
dambho vā śabda-bhic chalaḥ

Sinônimos

dharma-bādhaḥ — impede alguém de executar seus próprios princípios religiosos; vidharmaḥ — que vai de encontro aos princípios da religião; syāt — deve ser; para-dharmaḥ — imitando os sistemas religiosos nos quais alguém não se enquadra; anya-coditaḥ — que são apresentados por outrem; upadharmaḥ — princípios religiosos inventados; tu — na verdade; pākhaṇḍaḥ — por alguém que se opõe aos princípios dos Vedas, as escrituras modelares; dambhaḥ — que é falsamente orgulhosa; — ou; śabda-bhit — através do jogo de palavra; chalaḥ — um sistema religioso enganador.

Tradução

Os princípios religiosos que impedem alguém de seguir sua própria religião se chamam vidharma. Os princípios religiosos introduzidos pelos outros se chamam para-dharma. Uma nova categoria de religião criada por alguém que é falsamente orgulhoso e que se opõe aos princípios dos Vedas se chama upadharma. E a interpretação que alguém faz através de um jogo de palavras se chama chala-dharma.

Comentário

SIGNIFICADOCriar uma nova categoria de dharma se tornou moda nesta era. Falsos svāmīs e pretensos yogīs defendem a ideia de que a pessoa, de acordo com sua própria escolha, pode seguir qualquer espécie de sistema religioso, porque, em última análise, todos os sistemas são iguais. Entretanto, no Śrīmad-Bhāgavatam, essas propostas modernas são chamadas de vidharma porque contrariam o sistema religioso da pessoa. O verdadeiro sistema religioso é descrito pela Suprema Personalidade de Deus: sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja. O verdadeiro sistema religioso consiste em a pessoa se render aos pés de lótus do Senhor. No sexto canto do Śrīmad-Bhāgavatam, no ensejo da liberação de Ajāmila, Yamarāja diz que dharmaṁ tu sākṣād bhagavat-praṇītam: a verdadeira religião é aquela dada pela Suprema Personalidade de Deus, assim como a verdadeira lei é aquela dada pelo governo. Em sua casa, ninguém pode fabricar a verdadeira lei, tampouco alguém pode inventar a verdadeira religião. Em outra passagem, afirma-se que sa vai puṁsāṁ paro dharmo yato bhaktir adhokṣaje: o verdadeiro sistema religioso é aquele que conduz o indivíduo a se tornar devoto do Senhor Supremo. Portanto, tudo aquilo que se contrapõe a esse sistema religioso da consciência de Kṛṣṇa progressiva se chama vidharma, para-dharma, upadharma ou chala-dharma. Deturpar a Bhagavad-gītā é chala-dharma. Quando Kṛṣṇa diz diretamente algo e algum patife confere a essa afirmação uma interpretação diferente, isso é chala-dharma – um sistema religioso enganador –, ou śabda-bhit, um jogo de palavras. Todos devem ter muito cuidado para evitar essas várias classes de sistemas religiosos enganadores.

Texto

yas tv icchayā kṛtaḥ pumbhir
ābhāso hy āśramāt pṛthak
sva-bhāva-vihito dharmaḥ
kasya neṣṭaḥ praśāntaye

Sinônimos

yaḥ — aquilo que; tu — na verdade; icchayā — caprichosamente; kṛtaḥ — conduzido; pumbhiḥ — por pessoas; ābhāsaḥ — tênue reflexo; hi — na verdade; āśramāt — da própria ordem de vida de alguém; pṛthak — diferente; sva-bhāva — de acordo com a sua própria natureza; vihitaḥ — regular; dharmaḥ — princípio religioso; kasya — em que sentido; na — não; iṣṭaḥ — capaz; praśāntaye — de aliviar todas as espécies de aflição.

Tradução

Um pretenso sistema religioso, inventado por alguém que deliberadamente rejeita os deveres prescritos de sua ordem de vida, chama-se ābhāsa [um tênue reflexo ou falsa semelhança]. Mas se alguém executa os deveres prescritos de seu āśrama ou varṇa específicos, por que isso não seria suficiente para mitigar todas as aflições materiais?

Comentário

SIGNIFICADOAqui se indica que todos devem seguir à risca os princípios de varṇa e āśrama conforme são enunciados nos śāstras. No Viṣṇu Purāṇa (3.8.9), afirma-se:

varṇāśramācāravatā
puruṣeṇa paraḥ pumān
viṣṇur ārādhyate panthā
nānyat tat-toṣa-kāraṇam

Para progredir, todos devem focalizar o destino, o qual consiste em a pessoa se tornar consciente de Kṛṣṇa. Essa é a meta e o fim de todos os varṇas e āśramas. Entretanto, se Viṣṇu não é adorado, os seguidores da instituição varṇāśrama inventam algum Deus imaginário. Assim, tornou-se moda qualquer patife ou tolo ser eleito como Deus, e existem muitos missionários que inventam seus próprios deuses, abandonando sua relação com o Deus verdadeiro. Na Bhagavad-gītā, afirma-se claramente que todos que adoram os semideuses perderam a inteligência. No entanto, observamos que mesmo uma pessoa iletrada que perdeu toda a inteligência é eleita Deus, e, embora tenha um templo, nele existem sannyāsīs comedores de carne e ocorrem muitas atividades sujas. Essa espécie de sistema religioso, que desorienta seus desventurados seguidores, é estritamente proibida. Essas falsas religiões devem ser coibidas por completo.

O sistema original é que um brāhmaṇa deve realmente se tornar um brāhmaṇa; ele deve não apenas nascer em família de brāhmaṇas, mas também deve ser qualificado. Por outro lado, mesmo que alguém não nasça em família de brāhmaṇas, mas tenha qualificações bramânicas, deve ser considerado brāhmaṇa. Seguindo estritamente esse sistema, todos podem ser felizes sem precisarem recorrer a algum outro expediente. Sva-bhāva-vihito dharmaḥ kasya neṣṭaḥ praśāntaye. A verdadeira meta da vida consiste em a pessoa mitigar a infelicidade, e ela pode conseguir isso muito facilmente seguindo os princípios dos śāstras.

Texto

dharmārtham api neheta
yātrārthaṁ vādhano dhanam
anīhānīhamānasya
mahāher iva vṛttidā

Sinônimos

dharma-artham — em religião ou desenvolvimento econômico; api — na verdade; na — não; īheta — deve tentar obter; yātrā-artham — apenas para se manter vivo; — ou; adhanaḥ — alguém que não tenha riqueza; dhanam — dinheiro; anīhā — a ausência de desejos; anīhamānasya — de alguém que não se esforça nem mesmo para sobreviver; mahā-aheḥ — a grande serpente conhecida como píton; iva — como; vṛtti- — que obtém seus meios de subsistência sem empreender esforços.

Tradução

Mesmo que um homem seja pobre, ele não deve se esforçar por melhorar sua condição econômica apenas para se manter vivo ou para se tornar um religioso famoso. Assim como um grande píton que, embora viva em um lugar e não se esforce para subsistir, obtém o alimento necessário para se manter vivo, alguém que não tem desejos também consegue seus meios de subsistência mesmo sem empreender esforços.

Comentário

SIGNIFICADOA vida humana simplesmente se destina a que desenvolvamos consciência de Kṛṣṇa. Ninguém sequer precisa sair em busca dos meios de subsistência. Isso é ilustrado aqui através do exemplo do grande píton, que fica em um só lugar e, nunca saindo por aí para ganhar os meios de subsistência com os quais possa manter-se, mesmo assim, ele subsiste pela graça do Senhor. Como aconselha Nārada Muni (Śrīmad-Bhāgavatam 1.5.18), tasyaiva hetoḥ prayateta kovidaḥ: todos devem simplesmente se esforçar por aumentar sua consciência de Kṛṣṇa. Ninguém deve desejar fazer alguma outra coisa, nem mesmo lutar para conseguir seus meios de subsistência. Existem muitos e muitos exemplos de pessoas que tomaram essa atitude. Mādhavendra Purī, por exemplo, jamais ia ter com alguém para lhe pedir comida. Śukadeva Gosvāmī também disse que kasmād bhajanti kavayo dhana-durmadāndhān. Por que alguém deveria aproximar-se de uma pessoa que se cegou com a riqueza? Em vez disso, todos devem depender de Kṛṣṇa, e Ele dará tudo. Todos os membros do nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa, sejam eles gṛhasthas, sejam eles sannyāsīs, devem tentar espalhar o movimento da consciência de Kṛṣṇa com determinação, e Kṛṣṇa suprirá todas as necessidades. O processo de ājagara-vṛtti, o meio de subsistência do píton, é muito apreciado a esse respeito. Muito embora alguém seja muito pobre, tudo o que ele deve fazer é tentar avançar em consciência de Kṛṣṇa e não ficar se esforçando por ganhar seus meios de subsistência.

Texto

santuṣṭasya nirīhasya
svātmārāmasya yat sukham
kutas tat kāma-lobhena
dhāvato ’rthehayā diśaḥ

Sinônimos

santuṣṭasya — de alguém que está plenamente satisfeito em consciência de Kṛṣṇa; nirīhasya — que não se esforça por sua subsistência; sva — própria; ātma-ārāmasya — que é autossatisfeito; yat — esta; sukham — felicidade; kutaḥ — onde; tat — tal felicidade; kāma-lobhena — impelido pela luxúria e cobiça; dhāvataḥ — de alguém que vagueia de um lugar a outro; artha-īhayā — com o desejo de acumular riquezas; diśaḥ — em todas as direções.

Tradução

Alguém que está contente e satisfeito e que estabelece um elo entre as suas atividades e a Suprema Personalidade de Deus presente no coração de todos desfruta de felicidade transcendental sem se esforçar por sua subsistência. Como encontrar essa felicidade em um materialista que é impelido pela luxúria e cobiça e que, portanto, divaga por todas as direções com o desejo de acumular riquezas?

Texto

sadā santuṣṭa-manasaḥ
sarvāḥ śivamayā diśaḥ
śarkarā-kaṇṭakādibhyo
yathopānat-padaḥ śivam

Sinônimos

sadā — sempre; santuṣṭa-manasaḥ — para alguém que é autossatisfeito; sarvāḥ — tudo; śiva-mayāḥ — auspicioso; diśaḥ — em todas as direções; śarkarā — dos seixos; kaṇṭaka-ādibhyaḥ — e dos espinhos etc.; yathā — como; upānat-padaḥ — para alguém que calça sapatos adequados; śivam — não há perigo (auspicioso).

Tradução

Para alguém que usa sapatos adequados em seus pés, não há perigo mesmo que ele caminhe sobre seixos e espinhos. Para ele, tudo é auspicioso. Igualmente, para alguém que é sempre autossatisfeito, não há infelicidade; de fato, ele se sente feliz em todo lugar.

Texto

santuṣṭaḥ kena vā rājan
na vartetāpi vāriṇā
aupasthya-jaihvya-kārpaṇyād
gṛha-pālāyate janaḥ

Sinônimos

santuṣṭaḥ — uma pessoa que sempre é autossatisfeita; kena — por que; — ou; rājan — ó rei; na — não; varteta — deve viver (feliz); api — mesmo; vāriṇā — bebendo água; aupasthya — devido aos órgãos genitais; jaihvya — e à língua; kārpaṇyāt — devido a uma condição dolorosa ou infeliz; gṛha-pālāyate — ela se torna exatamente como um cão doméstico; janaḥ — tal pessoa.

Tradução

Meu querido rei, a pessoa autossatisfeita pode ser feliz mesmo bebendo apenas água. Entretanto, alguém que é arrastado pelos sentidos, especialmente pela língua e pelos órgãos genitais, deve assumir a posição de um cão doméstico para satisfazer os seus sentidos.

Comentário

SIGNIFICADODe acordo com os śāstras, um brāhmaṇa, ou uma pessoa culta que está em consciência de Kṛṣṇa, não se ocupa a serviço de ninguém para se manter vivo, e muito menos para satisfazer os sentidos. O verdadeiro brāhmaṇa sempre está satisfeito. Mesmo que ele não tenha nada para comer, pode beber um pouco de água e ficar satisfeito. É apenas uma questão de prática. Infelizmente, entretanto, ninguém é educado em como se satisfazer na autorrealização. Como se explicou acima, o devoto sempre está satisfeito porque sente a presença da Superalma em seu coração e pensa na Superalma vinte e quatro horas por dia. Isso é verdadeira satisfação. O devoto jamais se deixa arrastar pelos ditames da língua e dos órgãos genitais, daí ele nunca ser vitimado pelas leis da natureza material.

Texto

asantuṣṭasya viprasya
tejo vidyā tapo yaśaḥ
sravantīndriya-laulyena
jñānaṁ caivāvakīryate

Sinônimos

asantuṣṭasya — de alguém que não é autossatisfeito; viprasya — desse brāhmaṇa; tejaḥ — força; vidyā — educação; tapaḥ — austeridade; yaśaḥ — fama; sravanti — minguam; indriya — dos sentidos; laulyena — devido à ganância; jñānam — conhecimento; ca — e; eva — decerto; avakīryate — aos poucos se esvai.

Tradução

Devido à avidez por satisfazer os sentidos, a força espiritual, a educação, a austeridade e a reputação do devoto ou do brāhmaṇa que não é autossatisfeito minguam, e seu conhecimento aos poucos se esvai.

Texto

kāmasyāntaṁ hi kṣut-tṛḍbhyāṁ
krodhasyaitat phalodayāt
jano yāti na lobhasya
jitvā bhuktvā diśo bhuvaḥ

Sinônimos

kāmasya — do desejo de gozo dos sentidos ou das demandas prementes do corpo; antam — fim; hi — na verdade; kṣut-tṛḍbhyām — por alguém que está muito faminto ou sedento; krodhasya — da ira; etat — isso; phala-udayāt — desabafada através do castigo e sua reação; janaḥ — uma pessoa; yāti — ultrapassa; na — não; lobhasya — cobiça jitvā – conquistando; bhuktvā — desfrutando; diśaḥ — todas as direções; bhuvaḥ — do globo.

Tradução

Os fortes desejos e demandas corpóreos de alguém perturbado pela fome e pela sede decerto são satisfeitos quando ele come. Do mesmo modo, se alguém se torna muito irado, essa ira é satisfeita com o castigo e sua reação. Contudo, no que diz respeito à cobiça, mesmo que uma pessoa cobiçosa tenha conquistado todas as direções do mundo ou tenha desfrutado de todas as coisas do mundo, ainda assim, ela não ficará satisfeita.

Comentário

SIGNIFICADOA Bhagavad-gītā (3.37) afirma que a luxúria, a ira e a cobiça são as causas pelas quais a alma condicionada permanece cativa deste mundo material. Kāma eṣa krodha eṣa rajo-guṇa-samudbhavaḥ. Quando os fortes desejos luxuriosos de gozo dos sentidos não são satisfeitos, a pessoa fica irada. Essa ira pode ser satisfeita quando se castiga o inimigo, mas, quando há um aumento de lobha, ou cobiça, que é o maior inimigo causado por rajo-guṇa, o modo da paixão, como alguém pode avançar em consciência de Kṛṣṇa?

Se alguém cobiça intensificar fortemente sua consciência de Kṛṣṇa, isso é uma grande dádiva. Tatra laulyam ekalaṁ mūlam. Esse é o melhor caminho disponível.

Texto

paṇḍitā bahavo rājan
bahu-jñāḥ saṁśaya-cchidaḥ
sadasas patayo ’py eke
asantoṣāt patanty adhaḥ

Sinônimos

paṇḍitāḥ — intelectuais muito eruditos; bahavaḥ — muitos; rājan — ó rei (Yudhiṣṭhira); bahu-jñāḥ — pessoas com diversas experiências; saṁśaya-cchidaḥ — peritas em ministrar conselhos legais; sadasaḥ patayaḥ — pessoas aptas a se tornarem presidentes de assembleias eruditas; api — mesmo; eke — por uma desqualificação; asantoṣāt — devido à simples insatisfação ou cobiça; patanti — caem; adhaḥ — nas condições de vida infernal.

Tradução

Ó rei Yudhiṣṭhira, muitas pessoas com diversas experiências, muitos conselheiros legais, muitos intelectuais eruditos e muitas pessoas aptas a se tornarem presidentes de assembleias cultas caem na vida infernal porque não se satisfazem com as suas posições.

Comentário

SIGNIFICADOPara realizar avanço espiritual, a pessoa deve estar materialmente satisfeita, pois, se ela não estiver materialmente satisfeita, sua cobiça por desenvolvimento material redundará na frustração do seu avanço espiritual. Existem dois senões que anulam todas as boas qualidades. Um deles é a pobreza. Daridra-doṣo guṇa-rāśi-nāśī. Se alguém é muito pobre, todas as suas boas qualidades se perdem e se anulam. Igualmente, se uma pessoa se torna muito cobiçosa, suas boas qualificações se esvaem. Portanto, o ponto de equilíbrio é que a pessoa não deve ser muito pobre, mas deve tentar satisfazer-se plenamente com as necessidades básicas da vida e não ser cobiçosa. Para o devoto, ficar inteiramente satisfeito com as necessidades básicas da vida é, portanto, o melhor conselho que ele pode seguir para o seu avanço espiritual. As autoridades eruditas na vida devocional, consequentemente, aconselham que ninguém procure esforçar-se por aumentar o número de templos e maṭhas. Essas atividades só podem ser realizadas por devotos experientes em propagar o movimento da consciência de Kṛṣṇa. Todos os ācāryas no sul da Índia, em especial Śrī Rāmānujācārya, construíram muitos templos grandes, e, no norte da Índia, todos os Gosvāmīs de Vṛndāvana construíram templos enormes. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura também construiu grandes centros, conhecidos como Gauḍīya Maṭhas. Portanto, a construção de templos não é censurável, desde que se tenha o devido cuidado de propagar a consciência de Kṛṣṇa. Mesmo que esses empreendimentos sejam considerados cobiçosos, a cobiça é para satisfazer Kṛṣṇa, de modo que essas atividades são espirituais.

Texto

asaṅkalpāj jayet kāmaṁ
krodhaṁ kāma-vivarjanāt
arthānarthekṣayā lobhaṁ
bhayaṁ tattvāvamarśanāt

Sinônimos

asaṅkalpāt — com determinação; jayet — a pessoa deve dominar; kāmam — desejo luxurioso; krodham — ira; kāma-vivarjanāt — abandonando aquilo a que o desejo sensual a impele; artha — acúmulo de riqueza; anartha — uma causa de problemas; īkṣayā — considerando; lobham — cobiça; bhayam — medo; tattva — a verdade; avamarśanāt — considerando.

Tradução

Fazendo planos com determinação, a pessoa deve abandonar os desejos luxuriosos de gozo dos sentidos. Igualmente, abandonando a inveja, ela deve dominar a ira; discutindo as desvantagens a que se submete todo aquele que acumula riquezas, ela deve abandonar a cobiça, e discutindo a verdade, ela deve abandonar o medo.

Comentário

SIGNIFICADOŚrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura demonstra como é que alguém pode dominar os desejos luxuriosos que o impelem ao gozo dos sentidos. Não se pode deixar de pensar em mulheres, pois esse tipo de pensamento é natural; basta alguém caminhar na rua para que veja muitas mulheres. Entretanto, se ele estiver determinado a não conviver com mulheres, ele não se agitará com a luxúria mesmo ao vê-las. Se uma pessoa estiver determinada a não manter relações sexuais, poderá dominar os desejos luxuriosos automaticamente. O exemplo dado a esse respeito é que, mesmo que alguém esteja com fome, se decidir que fará jejum em um dia específico, naturalmente poderá dominar as perturbações decorrentes da fome e da sede. Se alguém estiver determinado a não sentir inveja de ninguém, naturalmente poderá controlar a ira. De igual modo, uma pessoa pode abandonar o desejo de acumular riquezas simplesmente ponderando quão difícil é proteger o dinheiro que está em sua posse. Se ela mantém uma grande quantidade de dinheiro consigo, sempre ficará ansiosa por guardá-lo apropriadamente. Portanto, se alguém conversa sobre as desvantagens que sobrevêm à pessoa que acumula riquezas, não encontrará a menor dificuldade em abandonar suas atividades rentáveis.

Texto

ānvīkṣikyā śoka-mohau
dambhaṁ mahad-upāsayā
yogāntarāyān maunena
hiṁsāṁ kāmādy-anīhayā

Sinônimos

ānvīkṣikyā — deliberando sobre assuntos espirituais e materiais; śoka — lamentação; mohau — e ilusão; dambham — falso orgulho; mahat — a um vaiṣṇava; upāsayā — servindo; yoga-antarāyān — obstáculos no caminho do yoga; maunena — mediante o silêncio; hiṁsām — inveja; kāma-ādi — por gozo dos sentidos; anīhayā — sem esforço.

Tradução

Comentando acerca do conhecimento espiritual, a pessoa pode superar a lamentação e a ilusão; servindo a um grande devoto, ela pode perder todo o orgulho; mantendo-se silenciosa, pode evitar os obstáculos no caminho do yoga místico, e pelo simples fato de cessar o gozo dos sentidos, ela pode dominar a inveja.

Comentário

SIGNIFICADOSe o filho de alguém morre, ele decerto se deixará dominar pela lamentação e ilusão e pranteará pelo filho morto, mas essa pessoa poderá dominar a lamentação e a ilusão se ponderar os versos da Bhagavad-gītā.

jātasya hi dhruvo mṛtyur
dhruvaṁ janma mṛtasya ca

À medida que a alma transmigra, alguém que nasceu tem que abandonar o corpo atual, e depois fatalmente aceitará outro corpo. Isso não deve ser motivo para alguém se lamentar. Portanto, o Senhor Kṛṣṇa diz que dhīras tatra na muhyati, alguém que é dhīra, ou sóbrio, que é erudito em filosofia e está estabelecido em conhecimento, não pode ser infeliz por causa da transmigração da alma.

Texto

kṛpayā bhūtajaṁ duḥkhaṁ
daivaṁ jahyāt samādhinā
ātmajaṁ yoga-vīryeṇa
nidrāṁ sattva-niṣevayā

Sinônimos

kṛpayā — sendo misericordiosa com todas as outras entidades vivas; bhūta-jam — causado por outras entidades vivas; duḥkham — sofrimento; daivam — sofrimentos impostos pela providência; jahyāt — a pessoa deve abandonar; samādhinā — mediante o transe ou a meditação; ātma-jam — sofrimentos produzidos pelo corpo e pela mente; yoga-vīryeṇa — praticando haṭha-yoga, prāṇāyāma e assim por diante; nidrām — sono; sattva-niṣevayā — desenvolvendo qualificações bramânicas ou o modo da bondade.

Tradução

Através do bom comportamento e se livrando da inveja, a pessoa deve anular os sofrimentos causados por outras entidades vivas; através da meditação em transe, ela deve anular os sofrimentos acarretados pela providência, e, através da prática de haṭha-yoga, prāṇāyāma e assim por diante, ela deve extinguir os sofrimentos produzidos pelo corpo e pela mente. De maneira semelhante, desenvolvendo o modo da bondade, especialmente no que diz respeito aos hábitos alimentares, ela deve vencer o sono.

Comentário

SIGNIFICADOAtravés da prática, devem-se evitar os hábitos alimentares através dos quais as outras entidades vivas se sujeitem a serem perturbadas e sofram. Uma vez que sofro quando alguém me oprime ou mata, não devo tentar oprimir ou matar nenhuma outra entidade viva. As pessoas não sabem que, devido ao fato de matarem animais inocentes, elas próprias terão que sofrer severas reações impostas pela natureza material. Todo país em que as pessoas pratiquem desnecessariamente o abate de animais terá que sofrer guerras e pestilências infligidas pela natureza material. Portanto, comparando seu próprio sofrimento ao sofrimento alheio, a pessoa deve ser bondosa com todas as entidades vivas. Ninguém pode evitar os sofrimentos enviados pela providência, de maneira que, quando o sofrimento vem, todos devem absorver-se plenamente em cantar o mantra Hare Kṛṣṇa. Podem-se evitar os sofrimentos causados pelo corpo e pela mente através da prática do haṭha-yoga místico.

Texto

rajas tamaś ca sattvena
sattvaṁ copaśamena ca
etat sarvaṁ gurau bhaktyā
puruṣo hy añjasā jayet

Sinônimos

rajaḥ tamaḥ — os modos da paixão e ignorância; ca — e; sattvena — desenvolvendo o modo da bondade; sattvam — o modo da bondade; ca — também; upaśamena — abandonando o apego; ca — e; etat — estes; sarvam — todos; gurau — ao mestre espiritual; bhaktyā — prestando serviço com devoção; puruṣaḥ — uma pessoa; hi — na verdade; añjasā — facilmente; jayet — pode superar.

Tradução

A pessoa deve vencer os modos da paixão e ignorância, desenvolvendo o modo da bondade, após o que deve desapegar-se do modo da bondade, promovendo-se à plataforma de śuddha-sattva. Caso ela se ocupe a serviço do mestre espiritual com fé e devoção, poderá conseguir isso automaticamente. Dessa maneira, poderá superar a influência dos modos da natureza.

Comentário

SIGNIFICADOSimplesmente tratando a causa fundamental de uma doença, a pessoa pode superar todas as dores dos sofrimentos corpóreos. Do mesmo modo, se alguém é devotado e fiel ao mestre espiritual, pode suprimir muito facilmente a influência de sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa. Os yogīs e jñānīs praticam vários métodos através dos quais podem dominar os sentidos, mas o bhakta alcança imediatamente a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, a qual lhe é outorgada através da misericórdia do mestre espiritual. Yasya prasādād bhagavat-prasādo. Se o mestre espiritual o favorece, é natural que a pessoa receba a misericórdia do Senhor Supremo e, pela misericórdia do Senhor Supremo, ela logo se torna transcendental, vencendo todas as influências que sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa exercem dentro deste mundo material. Confirma isso a Bhagavad-gītā (sa guṇān samatītyaitān brahma-bhūyāya kalpate). Se alguém é um devoto puro que age sob a orientação do guru, facilmente ele obtém a misericórdia do Senhor Supremo e, dessa maneira, situa-se de imediato na plataforma transcendental. Isso é explicado no próximo verso.

Texto

yasya sākṣād bhagavati
jñāna-dīpa-prade gurau
martyāsad-dhīḥ śrutaṁ tasya
sarvaṁ kuñjara-śaucavat

Sinônimos

yasya — aquele que; sākṣāt — diretamente; bhagavati — a Suprema Personalidade de Deus; jñāna-dīpa-prade — que ilumina com o archote do conhecimento; gurau — ao mestre espiritual; martya-asat-dhīḥ — considera o mestre espiritual como um ser humano comum e mantém esta atitude desfavorável; śrutam — conhecimento védico; tasya — para ele; sarvam — tudo; kuñjara-śauca-vat — como o banho que o elefante toma em um lago.

Tradução

O mestre espiritual deve ser considerado como sendo diretamente o Senhor Supremo porque ele outorga o conhecimento transcendental que ilumina. Consequentemente, para todo aquele que defende o conceito material de que o mestre espiritual é um ser humano comum, tudo fracassa. Sua iluminação e seus estudos e conhecimento védicos são como o banho do elefante.

Comentário

SIGNIFICADORecomenda-se que todos honrem o mestre espiritual como gozando do mesmo status da Suprema Personalidade de Deus. Sākṣād dharitvena samasta-śāstraiḥ. Isso é prescrito em todas as escrituras. Ācāryaṁ māṁ vijānīyāt. Deve-se considerar o ācārya como estando no mesmo nível da Suprema Personalidade de Deus. Se, apesar de todas essas instruções, alguém insiste em considerar o mestre espiritual como sendo um ser humano comum, ele está arruinado. Como o banho do elefante, seus estudos védicos e suas austeridades e penitências na tentativa de conseguir iluminação são todos inúteis. O elefante vai ao lago, onde se banha completamente, mas, logo que chega à margem, ele apanha a areia do chão e a esparrama por todo o seu corpo. Portanto, não há significado para o banho do elefante. Alguém poderia argumentar dizendo que, como os parentes do mestre espiritual e os homens de sua vizinhança consideram-no um ser humano comum, em que erro incorre o discípulo que considera o mestre espiritual como sendo um ser humano comum? Isso será respondido no verso seguinte, mas o preceito é que o mestre espiritual jamais deve ser considerado um homem comum. Todos devem acatar estritamente as instruções do mestre espiritual, pois, se ele estiver satisfeito, com certeza a Suprema Personalidade de Deus ficará satisfeita. Yasya prasādād bhagavat-prasādo yasyāprasādān na gatiḥ kuto ’pi.

Texto

eṣa vai bhagavān sākṣāt
pradhāna-puruṣeśvaraḥ
yogeśvarair vimṛgyāṅghrir
loko yaṁ manyate naram

Sinônimos

eṣaḥ — esta; vai — na verdade; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; sākṣāt — diretamente; pradhāna — a causa principal da natureza material; puruṣa — de todas as entidades vivas ou do puruṣāvatāra, o Senhor Viṣṇu; īśvaraḥ — o controlador supremo; yoga-īśvaraiḥ — por grandes pessoas santas, yogīs; vimṛgya-aṅghriḥ — os pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa, que são buscados; lokaḥ — as pessoas em geral; yam — a Ele; manyate — consideram; naram — um ser humano.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa, é o mestre de todas as outras entidades vivas e da natureza material. Seus pés de lótus são buscados e adorados por grandes pessoas santas, tais como Vyāsa. Entretanto, existem tolos que consideram o Senhor Kṛṣṇa um ser humano comum.

Comentário

SIGNIFICADOO exemplo através do qual se evidencia que o Senhor Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus serve muito bem para entendermos o que é o mestre espiritual. O mestre espiritual é chamado de sevaka-bhagavān, a Personalidade de Deus que age como servo, e Kṛṣṇa é chamado de sevya-bhagavān, a Suprema Personalidade de Deus que deve ser o objeto da adoração. O mestre espiritual é o Deus que presta adoração, ao passo que a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é o Deus adorado. Essa é a diferença entre o mestre espiritual e a Suprema Personalidade de Deus.

Outro ponto: a Bhagavad-gītā, que contém as instruções da Suprema Personalidade de Deus, é apresentada como ela é pelo mestre espiritual, sem distorções. Portanto, a Verdade Absoluta está presente no mestre espiritual. Como afirma claramente o verso 26, jñāna-dīpa-prade. A Suprema Personalidade de Deus confere verdadeiro conhecimento ao mundo inteiro, e o mestre espiritual, como representante da Divindade Suprema, leva a mensagem mundo afora. Portanto, na plataforma absoluta, não há diferença entre o mestre espiritual e a Suprema Personalidade de Deus. Se alguém considera a Personalidade Suprema – Kṛṣṇa ou o Senhor Rāmacandra – como um ser humano comum, isso não significa que o Senhor torna-Se um ser humano comum. Igualmente, se os membros familiares do mestre espiritual, que é o representante genuíno da Suprema Personalidade de Deus, consideram o mestre espiritual como um ser humano comum, isso não significa que ele se torna um ser humano comum. O mestre espiritual está no mesmo nível da Suprema Personalidade de Deus, de maneira que todo aquele que leva muito a sério o seu avanço espiritual deve adotar esse procedimento perante o mestre espiritual. Mesmo um pequeno desvio dessa compreensão pode provocar um desastre nas austeridades e estudos védicos do discípulo.

Texto

ṣaḍ-varga-saṁyamaikāntāḥ
sarvā niyama-codanāḥ
tad-antā yadi no yogān
āvaheyuḥ śramāvahāḥ

Sinônimos

ṣaṭ-varga — os seis elementos, a saber, os cinco sentidos funcionais e a mente; saṁyama-ekāntāḥ — a meta última de subjugar; sarvāḥ — todas essas atividades; niyama-codanāḥ — os princípios reguladores que também se destinam a controlar os sentidos e a mente; tat-antāḥ — a meta última dessas atividades; yadi — se; no — não; yogān — elo positivo com o Supremo; āvaheyuḥ — levaram ao; śrama-āvahāḥ — um desperdício de tempo e esforço.

Tradução

As cerimônias ritualísticas, os princípios reguladores, as austeridades e a prática de yoga se prestam todos ao controle dos sentidos e da mente, mas, mesmo que alguém seja capaz de controlar os sentidos e a mente, se ele não chega ao ponto de meditar no Senhor Supremo, todas essas atividades são simplesmente um esforço fadado à frustração.

Comentário

SIGNIFICADOTalvez se argumente que alguém consegue alcançar a meta última da vida – compreender a Superalma – praticando o sistema de yoga e as atividades ritualísticas de acordo com os princípios védicos, sem que ele precise ter firme devoção pelo mestre espiritual. No entanto, o que acontece de fato é que, através da prática de yoga, a pessoa deve chegar à plataforma em que medita na Suprema Personalidade de Deus. Como se afirma nas escrituras, dhyānāvasthita-tad-gatena manasā paśyanti yaṁ yoginaḥ: uma pessoa em meditação atinge a perfeição da prática de yoga quando consegue ver a Suprema Personalidade de Deus. Através de várias práticas, pode-se chegar ao ponto de controlar os sentidos, mas o simples controle dos sentidos não fornece a ninguém uma conclusão substancial. Entretanto, através de firme fé no mestre espiritual e na Suprema Personalidade de Deus, a pessoa não apenas controla os sentidos, como também compreende o Senhor Supremo.

yasya deve parā bhaktir
yathā deve tathā gurau
tasyaite kathitā hy arthāḥ
prakāśante mahātmanaḥ

“Somente àquelas grandes almas que têm fé inabalável no Senhor e no mestre espiritual é que todos os significados do conhecimento védico são automaticamente revelados.” (Śvetāśvatara Upaniṣad 6.23) Segundo outras duas afirmações, tuṣyeyaṁ sarva-bhūtātmā guru-śuśrūṣayā e taranty añjo bhavārṇavam. Pelo simples fato de prestar serviço ao mestre espiritual, a pessoa cruza o oceano de ignorância e retorna ao lar, retorna ao Supremo. Pouco a pouco, então, ela vê o Senhor Supremo face a face e goza da vida em associação com o Senhor. A meta última do yoga consiste em o yogī entrar em contato com a Suprema Personalidade de Deus. Enquanto ele não atingir esse ponto, sua suposta prática de yoga não passará de um esforço infrutífero.

Texto

yathā vārtādayo hy arthā
yogasyārthaṁ na bibhrati
anarthāya bhaveyuḥ sma
pūrtam iṣṭaṁ tathāsataḥ

Sinônimos

yathā — como; vārtā-ādayaḥ — atividades, tais como deveres ocupacionais ou profissionais; hi — decerto; arthāḥ — renda (desses deveres ocupacionais); yogasya — do poder místico para a autorrealização; artham — benefício; na — não; bibhrati — ajudam; anarthāya — sem valor (atando a pessoa a repetidos nascimentos e mortes); bhaveyuḥ — elas são; sma — em todos os tempos; pūrtam iṣṭam — cerimônias ritualísticas védicas; tathā — igualmente; asataḥ — de um não-devoto materialista.

Tradução

Assim como as atividades profissionais ou os negócios lucrativos não podem ajudar ninguém a obter avanço espiritual, senão que são uma fonte de enredamento material, as cerimônias ritualísticas védicas não podem beneficiar alguém que não é devoto da Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADOSe alguém se torna muito rico através de suas atividades profissionais, através do comércio ou da agricultura, isso não significa que ele seja avançado espiritualmente. Ter avanço espiritual é algo muito diferente de ser rico materialmente. Embora o propósito da vida consista em a pessoa se tornar espiritualmente rica, os homens desventurosos, estando totalmente desencaminhados, estão sempre ocupados em tentar tornarem-se ricos materialmente. Entretanto, essas ocupações materiais não ajudam ninguém a concretizar o verdadeiro propósito da missão humana. Ao contrário disso, as ocupações materiais levam a pessoa a se atrair por muitas coisas superficiais, que são acompanhadas pelo risco de se nascer em uma situação degradada. Como se confirma na Bhagavad-gītā (14.18):

ūrdhvaṁ gacchanti sattva-sthā
madhye tiṣṭhanti rājasāḥ
jaghanya-guṇa-vṛtti-sthā
adho gacchanti tāmasāḥ

“Aqueles situados no modo da bondade gradualmente elevam-se aos planetas superiores; aqueles no modo da paixão vivem nos planetas terrestres; e aqueles no abominável modo da ignorância descem para os mundos infernais.” Especialmente nesta Kali-yuga, o avanço material significa degradação e atração por muitas imposições indesejáveis que criam uma mentalidade baixa. Portanto, jaghanya-guṇa-vṛtti-sthā: como estão contaminadas pelas qualidades inferiores, a vida seguinte das pessoas será em formas animais ou em outras formas de vida degradada. O fato de alguém fazer um espetáculo de religião e preterir a consciência de Kṛṣṇa talvez o torne popular aos olhos das pessoas sem inteligência, mas, na verdade, essa exibição materialista de avanço espiritual não ajuda de modo algum; isso não impedirá que a pessoa deixe passar a meta da vida.

Texto

yaś citta-vijaye yattaḥ
syān niḥsaṅgo ’parigrahaḥ
eko vivikta-śaraṇo
bhikṣur bhaikṣya-mitāśanaḥ

Sinônimos

yaḥ — aquele que; citta-vijaye — subjugar a mente; yattaḥ — está ocupado em; syāt — deve ficar; niḥsaṅgaḥ — sem associação contaminada; aparigrahaḥ — sem depender (da família); ekaḥ — sozinho; vivikta-śaraṇaḥ — refugiando-se em um lugar solitário; bhikṣuḥ — uma pessoa renunciada; bhaikṣya — pedindo esmolas simplesmente para manter o corpo; mita-aśanaḥ — frugal no comer.

Tradução

Todo aquele que deseje dominar a mente deve deixar a companhia de sua família e viver em um lugar solitário, livre da associação contaminada. Para se manter vivo, ele deve esmolar apenas o que precisar para satisfazer as necessidades básicas da vida.

Comentário

SIGNIFICADOÉ esse o processo através do qual se controla a agitação da mente. Recomenda-se que a pessoa deixe a sua família e viva sozinha, subsistindo de esmolas e comendo apenas o que for suficiente para se manter viva. Sem esse processo, ninguém pode subjugar os desejos luxuriosos. Sannyāsa significa aceitar uma vida de mendicância, e isso torna a pessoa automaticamente muito humilde e mansa e livre dos desejos luxuriosos. A esse respeito, existe o seguinte verso da literatura smṛti:

dvandvāhatasya gārhasthyaṁ
dhyāna-bhaṅgādi-kāraṇam
lakṣayitvā gṛhī spaṣṭaṁ
sannyased avicārayan

Neste mundo de dualidades, a vida familiar é o fator que deteriora a vida espiritual ou meditação de alguém. Entendendo esse fato específico, ninguém deve hesitar em aceitar a ordem de sannyāsa.

Texto

deśe śucau same rājan
saṁsthāpyāsanam ātmanaḥ
sthiraṁ sukhaṁ samaṁ tasminn
āsītarjv-aṅga om iti

Sinônimos

deśe — em um lugar; śucau — muito sagrado; same — plano; rājan — ó rei; saṁsthāpya — pondo; āsanam — no assento; ātmanaḥ — ela própria; sthiram — muito estável; sukham — confortavelmente; samam — equilibrada; tasmin — naquele assento; āsīta — a pessoa deve sentar-se; ṛju-aṅgaḥ — o corpo bem ereto; oṁ — o mantra védico praṇava; iti — dessa maneira.

Tradução

Meu querido rei, em um lugar santo e sagrado de peregrinação, a pessoa deve escolher um local onde possa praticar yoga. O local deve ser plano e nem muito alto nem muito baixo. Então, a pessoa deve sentar-se muito confortavelmente, permanecendo estável e equilibrada, mantendo seu corpo ereto, e, nesse contexto, ela começa a cantar o praṇava védico.

Comentário

SIGNIFICADODe um modo geral, o canto do oṁ é recomendado porque, no começo, não se pode entender a Personalidade de Deus. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.11):

vadanti tat tattva-vidas
tattvaṁ yaj jñānam advayam
brahmeti paramātmeti
bhagavān iti śabdyate

“Os transcendentalistas eruditos que conhecem a Verdade Absoluta chamam essa substância não-dual de Brahman, Paramātmā ou Bhagavān.” Quem não é inteiramente convicto da realidade que cerca a Suprema Personalidade de Deus tem a tendência a se tornar um yogī impersonalista que busca o Senhor Supremo no âmago do seu coração (dhyānāvasthita-tad-gatena manasā paśyanti yaṁ yoginaḥ). Aqui, recomenda-se o canto do oṁkāra porque, no começo da compreensão transcendental, em vez de cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, a pessoa pode cantar o oṁkāra (praṇava). Não há diferença entre o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa e o oṁkāra porque ambos são representações sonoras da Suprema Personalidade de Deus. Praṇavaḥ sarva-vedeṣu. Em todos os textos védicos, a vibração sonora oṁkāra está logo no começo. Oṁ namo bhagavate vāsudevāya. A diferença entre cantar o oṁkāra e cantar o mantra Hare Kṛṣṇa é que todos podem cantar o mantra Hare Kṛṣṇa sem precisar levar em consideração o lugar ou as medidas que devem ser tomadas para se sentar conforme recomenda a Bhagavad-gītā (6.11):

śucau deśe pratiṣṭhāpya
sthiram āsanam ātmanaḥ
nāty-ucchritaṁ nātinīcaṁ
cailājina-kuśottaram

“Para praticar yoga, é necessário dirigir-se a um lugar isolado e forrar o chão com grama kuśa e, depois, cobri-la com a pele de um veado e um pano macio. O assento não deve ser nem muito alto nem muito baixo e deve estar situado num lugar sagrado.” O mantra Hare Kṛṣṇa pode ser cantado por todos, sem que alguém precise levar em consideração o lugar ou a maneira de se sentar. Śrī Caitanya Mahāprabhu declarou explicitamente que niyamitaḥ smaraṇe na kālaḥ. No canto do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, não há preceitos específicos no que diz respeito ao lugar onde alguém deve sentar-se. O preceito niyamitaḥ smaraṇe na kālaḥ inclui deśa, kāla e pātra – lugar, tempo e indivíduo. Portanto, todos podem cantar o mantra Hare Kṛṣṇa sem precisar levar em consideração o tempo ou o lugar. Especialmente nesta era, Kali-yuga, é dificílimo encontrar um lugar adequado que satisfaça as recomendações apresentadas na Bhagavad-gītā. O mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, entretanto, pode ser cantado em todo lugar e a toda hora, com resultados que são produzidos muito rapidamente. No entanto, mesmo enquanto canta o mantra Hare Kṛṣṇa, a pessoa pode seguir os princípios reguladores. Assim, enquanto se senta e canta, ela pode manter o corpo ereto, e isso a ajudará no processo de cantar; de outro modo, poderá sentir-se sonolenta.

Texto

prāṇāpānau sannirundhyāt
pūra-kumbhaka-recakaiḥ
yāvan manas tyajet kāmān
sva-nāsāgra-nirīkṣaṇaḥ
yato yato niḥsarati
manaḥ kāma-hataṁ bhramat
tatas tata upāhṛtya
hṛdi rundhyāc chanair budhaḥ

Sinônimos

prāṇa — inalação; apānau — exalação; sannirundhyāt — deve interromper; pūra-kumbhaka-recakaiḥ — inalando, exalando e prendendo a respiração, fenômenos tecnicamente conhecidos como pūraka, kumbhaka e recaka; yāvat — por esse período; manaḥ — a mente; tyajet — deve abandonar; kāmān — todos os desejos materiais; sva —  seu próprio; nāsa-agra — a ponta do nariz; nirīkṣanaḥ — olhando para; yataḥ yataḥ — do que quer que seja e de onde quer que seja; niḥsarati — retira; manaḥ — a mente; kāma-hatam — estando derrotada pelos desejos luxuriosos; bhramat — vagando; tataḥ tataḥ — de um a outro lugar; upāhṛtya — após trazê-la de volta; hṛdi — no âmago do coração; rundhyāt — deve prender (a mente); śanaiḥ — aos poucos, com a prática; budhaḥ — um yogī erudito.

Tradução

Enquanto fixa continuamente a visão na ponta do nariz, o yogī erudito pratica exercícios respiratórios através de técnicas conhecidas como pūraka, kumbhaka e recaka – controlando a inalação e exalação e, em seguida, cessando-as. Dessa maneira, o yogī afasta de sua mente os apegos materiais e abandona todos os desejos mentais. Logo que a mente é derrotada pelos desejos luxuriosos e se deixa arrastar pelo gozo dos sentidos, o yogī deve trazê-la imediatamente de volta e prendê-la no âmago do seu coração.

Comentário

SIGNIFICADONesta passagem, apresenta-se uma explicação sumária da prática de yoga. Quando essa prática de yoga é perfeita, a pessoa vê a Superalma, o aspecto Paramātmā da Suprema Personalidade de Deus, no âmago de seu coração. Contudo, na Bhagavad-gītā (6.47), o Senhor Supremo diz:

yoginām api sarveṣām
mad-gatenāntarātmanā
śraddhāvān bhajate yo māṁ
sa me yuktatamo mataḥ

“De todos os yogīs, aquele que se refugia em Mim com muita fé, adorando-Me com transcendental serviço amoroso, está muito intimamente unido a Mim através do yoga e é o mais elevado de todos.” O devoto pode imediatamente se tornar um yogī perfeito porque, em suas práticas, ele procura manter Kṛṣṇa constantemente no âmago de seu coração. Esse é outro método de a pessoa praticar yoga muito facilmente. O Senhor diz:

man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru

“Pensa sempre em Mim e torna-te Meu devoto. Adora-Me e oferece-Me tuas homenagens.” (Bhagavad-gītā 18.65) Se alguém pratica serviço devocional procurando sempre manter Kṛṣṇa no âmago de seu coração (man-manāḥ), ele se torna imediatamente um yogī consumado. Ademais, manter Kṛṣṇa dentro da mente não é uma tarefa difícil para o devoto. Para um homem comum que está imerso no conceito de vida corporal, a prática de yoga pode ser providencial, mas alguém que não perde tempo e logo adota o serviço devocional não terá nenhuma dificuldade em rapidamente se tornar um yogī perfeito.

Texto

evam abhyasyataś cittaṁ
kālenālpīyasā yateḥ
aniśaṁ tasya nirvāṇaṁ
yāty anindhana-vahnivat

Sinônimos

evam — dessa maneira; abhyasyataḥ — da pessoa que pratica esse sistema de yoga; cittam — o coração; kālena — no decorrer do tempo; alpīyasā — muito brevemente; yateḥ — da pessoa que pratica yoga; aniśam — sem cessar; tasya — dela; nirvāṇam — etapa em que ela se purifica de toda a contaminação material; yāti — alcança; anindhana — sem chama ou fumaça; vahnivat — como um fogo.

Tradução

Quando o yogī realiza regularmente essa prática, em pouco tempo seu coração se torna fixo e livre de perturbações, como um fogo sem labaredas ou fumaça.

Comentário

SIGNIFICADO—Nirvāṇa significa interrupção de todos os desejos materiais. Às vezes, entende-se que a falta de desejos pressupõe a extinção das funções da mente, mas semelhante estado não é possível. A entidade viva tem sentidos, e se esses parassem de funcionar, a entidade viva deixaria de ser uma entidade viva; ela seria exatamente como pedra ou madeira. Isso não é possível. Porque ela é viva, ela é nitya e cetana – eternamente senciente. Para aqueles que não são muito avançados, recomenda-se a prática de yoga de modo que a mente pare de se agitar com desejos materiais, mas, se alguém fixa sua mente nos pés de lótus de Kṛṣṇa, ela se torna pacífica naturalmente e sem demora. Essa paz é descrita na Bhagavad-gītā (5.29):

bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ
sarva-loka-maheśvaram
suhṛdaṁ sarva-bhūtānāṁ
jñātvā māṁ śāntim ṛcchati

Se alguém puder entender que Kṛṣṇa é o desfrutador supremo, o proprietário supremo de tudo e o amigo supremo de todos, ele ficará estabelecido na paz e estará livre da agitação material. Entretanto, para alguém que não pode entender a Suprema Personalidade de Deus, recomenda-se a prática de yoga.

Texto

kāmādibhir anāviddhaṁ
praśāntākhila-vṛtti yat
cittaṁ brahma-sukha-spṛṣṭaṁ
naivottiṣṭheta karhicit

Sinônimos

kāma-ādibhiḥ — por vários desejos luxuriosos; anāviddham — não afetada; praśānta — calma e pacífica; akhila-vṛtti — sob todos os aspectos, ou em todas as atividades; yat — aquilo que; cittam — consciência; brahma-sukha-spṛṣṭam — estando situada na plataforma transcendental em eterna bem-aventurança; na — não; eva — na verdade; uttiṣṭheta — pode surgir; karhicit — em tempo algum.

Tradução

Quando a consciência de alguém não está contaminada pelos desejos luxuriosos materiais, ela se torna calma e pacífica em todas as atividades, pois se situa em uma vida eterna e bem-aventurada. Uma vez situado nessa plataforma, ele não retorna às atividades materiais.

Comentário

SIGNIFICADOTambém se descreve Brahma-sukha-spṛṣṭam na Bhagavad-gītā (18.54):

brahma-bhūtaḥ prasannātmā
na śocati na kāṅkṣati
samaḥ sarveṣu bhūteṣu
mad-bhaktiṁ labhate parām

“Aquele que está situado nessa posição transcendental compreende de imediato o Brahman Supremo e torna-se completamente feliz. Ele nunca se lamenta nem deseja ter nada, e é equânime para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele passa a Me prestar serviço devocional puro.” De um modo geral, quem se eleva à plataforma transcendental de brahma-sukha, bem-aventurança transcendental, jamais desce. Contudo, se a pessoa não se ocupa em serviço devocional, existe a possibilidade de ela regressar à plataforma material. Āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ: pode ser que alguém se eleve à plataforma de brahma-sukha, bem-aventurança transcendental, mas, mesmo nesta plataforma, ele pode cair para a plataforma material se não se ocupar em serviço devocional.

Texto

yaḥ pravrajya gṛhāt pūrvaṁ
tri-vargāvapanāt punaḥ
yadi seveta tān bhikṣuḥ
sa vai vāntāśy apatrapaḥ

Sinônimos

yaḥ — aquele que; pravrajya — rompendo definitivamente todos os compromissos e partindo para a floresta (estando situado em bem-aventurança transcendental); gṛhāt — do lar; pūrvam — em primeiro lugar; tri-varga — os três princípios formulados sob a forma de religião, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos; āvapanāt — do campo no qual são plantados; punaḥ — de novo; yadi — se; seveta — acaso vier a adotar; tān — atividades materialistas; bhikṣuḥ — alguém que aceitou a ordem de sannyāsa; saḥ — essa pessoa; vai — na verdade; vānta-āśī — alguém que come o seu próprio vômito; apatrapaḥ — descarado.

Tradução

Alguém que aceita a ordem de sannyāsa abandona os três princípios de atividades materiais em que a pessoa se envolve enquanto está na esfera da vida familiar – a saber, religião, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos. Todo aquele que aceita sannyāsa, mas depois retorna a essas atividades materialistas, deve ser chamado de vāntāśī, ou alguém que come o seu próprio vômito. Na verdade, essa é uma pessoa descarada.

Comentário

SIGNIFICADOAs atividades materialistas são reguladas pela instituição do varṇāśrama-dharma. Sem varṇāśrama-dharma, as atividades materiais constituem uma vida animal. Entretanto, mesmo na forma humana e à medida que segue os princípios de varṇa e āśrama – brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya, śūdra, brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa –, a pessoa deve enfim aceitar sannyāsa, a ordem renunciada, pois é somente através da ordem renunciada que ela pode situar-se em brahma-sukha, ou bem-aventurança transcendental. Em brahma-sukha, a pessoa perde toda e qualquer atração aos desejos luxuriosos. Na verdade, quando deixa de se perturbar, especialmente pelos desejos luxuriosos que a impelem às atividades sexuais, ela está em condições de se tornar sannyāsī. Caso contrário, não se deve aceitar a ordem de sannyāsa. Se alguém aceita sannyāsa enquanto ainda é imaturo, há toda a possibilidade de se deixar atrair por mulheres e desejos luxuriosos e, então, tornar-se mais uma vez um falso gṛhastha, ou uma vítima de mulheres. Semelhante pessoa é muito descarada, e se chama vāntāśī, ou aquele que come aquilo que já vomitou. Ela decerto leva uma vida condenada. Portanto, em nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa, aconselha-se que os sannyāsīs e brahmacārīs se mantenham estritamente afastados da companhia de mulheres para que não haja possibilidade de que recaiam vítimas dos desejos luxuriosos.

Texto

yaiḥ sva-dehaḥ smṛto ’nātmā
martyo viṭ-kṛmi-bhasmavat
ta enam ātmasāt kṛtvā
ślāghayanti hy asattamāḥ

Sinônimos

yaiḥ — pelos sannyāsīs que; sva-dehaḥ — o próprio corpo; smṛtaḥ — consideram; anātmā — diferente da alma; martyaḥ — sujeito à morte; viṭ — tornando-se excremento; kṛmi — vermes; bhasma-vat — ou cinzas; te — semelhantes pessoas; enam — esse corpo; ātmasāt kṛtvā — voltando a se identificar com o eu; ślāghayanti — glorificam como muito importante; hi — na verdade; asat-tamāḥ — os maiores patifes.

Tradução

Os sannyāsīs que inicialmente consideram que o corpo está sujeito à morte, após a qual ele se transformará em excremento, vermes ou cinzas, mas que voltam a dar importância ao corpo e glorificam-no como se este fosse o eu, devem ser considerados os piores patifes.

Comentário

SIGNIFICADO—Sannyāsī é aquele que, através do avanço em conhecimento, entendeu claramente que o Brahman – ele, a própria pessoa – é a alma, e não o corpo. Quem possui essa compreensão pode aceitar sannyāsa, pois está situado na posição “ahaṁ brahmāsmi”. Brahma-bhūtaḥ prasannātmā na śocati na kāṅkṣati. Semelhante pessoa, que não mais se lamenta nem anseia manter seu corpo e pode aceitar todas as entidades vivas como almas espirituais, consegue, então, ingressar no serviço devocional ao Senhor. Se alguém não se adentra no serviço devocional ao Senhor, mas artificialmente se considera Brahman ou Nārāyaṇa, pois não compreende na íntegra que a alma e o corpo são diferentes, decerto cairá (patanty adhaḥ). Essa pessoa novamente dá importância ao corpo. Na Índia, existem muitos sannyāsīs que sublinham a importância do corpo. Alguns deles conferem especial valor ao corpo do homem pobre, aceitando-o como daridra-nārāyaṇa, como se Nārāyaṇa tivesse um corpo material. Muitos outros sannyāsīs enfatizam a posição social do corpo, dando muita atenção ao fato de ele pertencer a um brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya ou śūdra. Esses sannyāsīs são considerados como os maiores patifes (asattamāḥ). Eles são sujeitos desavergonhados porque ainda não compreenderam a diferença entre o corpo e a alma e, em vez disso, aceitam o corpo de um brāhmaṇa como sendo um brāhmaṇa. O bramanismo (brāhmaṇya) consiste em a pessoa conhecer o Brahman. Mas, na verdade, o corpo de um brāhmaṇa não é Brahman. Igualmente, o corpo não é rico nem pobre. Se o corpo de um homem pobre fosse daridra-nārāyaṇa, por outro lado, isso insinuaria que o corpo de um homem rico deveria ser dhanī-nārāyaṇa. Portanto, os sannyāsīs que não sabem o que vem a ser Nārāyaṇa, aqueles que tratam o corpo por Brahman ou Nārāyaṇa, são aqui descritos como asattamāḥ, patifes dos mais abomináveis. Seguindo o conceito de vida corpórea, esses sannyāsīs empreendem vários programas para servir ao corpo. Eles realizam missões farsantes que consistem em aparentes atividades religiosas destinadas a desencaminhar toda a sociedade humana. Nesta passagem, esses sannyāsīs são descritos como apatrapaḥ e asattamāḥ – descarados e caídos da vida espiritual.

Texto

gṛhasthasya kriyā-tyāgo
vrata-tyāgo vaṭor api
tapasvino grāma-sevā
bhikṣor indriya-lolatā
āśramāpasadā hy ete
khalv āśrama-viḍambanāḥ
deva-māyā-vimūḍhāṁs tān
upekṣetānukampayā

Sinônimos

gṛhasthasya — para alguém situado na vida familiar; kriyā-tyāgaḥ — abandonar seu dever de chefe de família; vrata-tyāgaḥ — abandonar os votos e a austeridade; vaṭoḥ — para um brahmacārī; api — também; tapasvinaḥ — para um vānaprastha, aquele que adotou uma vida de austeridades; grāma-seva — viver em uma vila e servir à população local; bhikṣoḥ — para um sannyāsī que vivia de esmolas; indriya-lolatā — apegado ao gozo dos sentidos; āśrama — das ordens de vida espiritual; apasadāḥ — os mais abomináveis; hi — na verdade; ete — todos esses; khalu — na verdade; āśrama-viḍambanāḥ — imitando e, portanto, enganando as diferentes ordens espirituais; deva-māyā-vimūḍhān — que são postos em confusão pela energia externa do Senhor; tān — a eles; upekṣeta — a pessoa deve rejeitar e não deve aceitar como genuínos; anukampayā — ou por compaixão (ensinar-lhes a verdadeira vida).

Tradução

É abominável que alguém que viva no gṛhastha-āśrama abandone os princípios reguladores, que o brahmacārī não siga os votos de brahmacārī a que se submete todo aquele que vive aos cuidados do guru, que o vānaprastha viva na cidade e se ocupe em ditas atividades sociais, ou que o sannyāsī se apegue ao gozo dos sentidos. Todo aquele que adota semelhante procedimento deve ser considerado o mais baixo dos renegados. A energia externa da Suprema Personalidade de Deus deixa confuso tal farsante, e nos cabe ou rejeitarmos todo status que ele assuma ou, apiedando-nos dele, mostrarmos-lhe, se possível, como ele pode reassumir sua posição original.

Comentário

SIGNIFICADOEnfatizamos repetidamente que a cultura humana só começa caso adotemos os princípios do varṇāśrama-dharma. Embora, na vida de gṛhastha, permita-se o gozo sexual, ninguém está autorizado a gozar de sexo sem seguir as regras e regulações da vida familiar. Além disso, como já ficou bem claro, o brahmacārī deve viver sob os cuidados do guru: brahmacārī gurukule vasan dānto guror hitam. Se o brahmacārī não vive sob os cuidados do guru, se o vānaprastha se ocupa em atividades corriqueiras, ou se o sannyāsī é ganancioso e, para a satisfação de sua língua, come carne, ovos e todas as espécies de refugo, eles são enganadores e devem ser imediatamente rejeitados como pessoas sem importância. Contudo, deve-se ter compaixão deles e, se alguém tiver a devida capacidade, deve instruí-los de modo que deixem de seguir o caminho de uma vida errada. Caso contrário, deve-se rejeitá-los e não lhes conceder nenhuma atenção.

Texto

ātmānaṁ ced vijānīyāt
paraṁ jñāna-dhutāśayaḥ
kim icchan kasya vā hetor
dehaṁ puṣṇāti lampaṭaḥ

Sinônimos

ātmānam — a alma e a Superalma; cet — se; vijānīyāt — pode entender; param — que são transcendentais, situadas além deste mundo material; jñāna — por intermédio do conhecimento; dhuta-āśayaḥ — alguém que limpou sua consciência; kim — que; icchan — desejando confortos materiais; kasya — em prol de quem; — ou; hetoḥ — por que razão; deham — o corpo material; puṣṇāti — ele mantém; lampaṭaḥ — sendo ilegalmente apegado ao gozo dos sentidos.

Tradução

A forma de corpo humano se presta a que, com ele, compreenda-se o eu e o Eu Supremo, a Suprema Personalidade de Deus, ambos os quais se situam transcendentalmente. Se ambos podem ser entendidos por alguém que se purifica por intermédio do conhecimento avançado, por que razão ou em prol de quem uma pessoa tola e cobiçosa mantém o corpo para o empregar no gozo dos sentidos?

Comentário

SIGNIFICADOEvidentemente, todas as pessoas neste mundo material estão interessadas em manter o corpo para empregá-lo no gozo dos sentidos, mas, através do cultivo de conhecimento, deve-se entender, aos poucos, que o corpo não é o eu. Tanto a alma quanto a Superalma são transcendentais ao mundo material. Isso é possível de se entender na forma de vida humana, em especial quando se aceita sannyāsa. Um sannyāsī, ou aquele que entende o eu, deve ocupar-se em enaltecer o eu e em se associar com o Supereu. Nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa se propõe a fazer com que o ser vivo seja promovido de volta ao lar, de volta ao Supremo. Buscar tal elevação é o dever de todos aqueles que têm a forma de vida humana. A menos que alguém execute esse dever, de que adianta ele manter o corpo? Notadamente, se um sannyāsī que, além de manter o corpo por meios comuns, faz tudo para mantê-lo, chegando a comer carne e outras coisas asquerosas, ele decerto é um lampaṭaḥ, uma pessoa gananciosa simplesmente ocupada em gozo dos sentidos. Todo sannyāsī deve afastar-se especificamente dos impulsos da língua, do estômago e dos órgãos genitais, que perturbam a pessoa enquanto ela não se conscientizar por completo de que o corpo é diferente da alma.

Texto

āhuḥ śarīraṁ ratham indriyāṇi
hayān abhīṣūn mana indriyeśam
vartmāni mātrā dhiṣaṇāṁ ca sūtaṁ
sattvaṁ bṛhad bandhuram īśa-sṛṣṭam

Sinônimos

āhuḥ — afirma-se; śarīram — o corpo; ratham — a quadriga; indriyāṇi — os sentidos; hayān — os cavalos; abhīṣūn — as rédeas; manaḥ — a mente; indriya — dos sentidos; īśam — o amo; vartmāni — os destinos; mātrāḥ — os objetos dos sentidos; dhiṣaṇām — a inteligência; ca — e; sūtam — o quadrigário; sattvam — consciência; bṛhat — grande; bandhuram — cativeiro; īśa — pela Suprema Personalidade de Deus; sṛṣṭam — criado.

Tradução

Os transcendentalistas que são avançados em conhecimento comparam o corpo, que é feito por ordem da Suprema Personalidade de Deus, a uma quadriga. Os sentidos são como os cavalos; a mente, o amo dos sentidos, é como as rédeas; os objetos dos sentidos são os destinos; a inteligência é o quadrigário; e a consciência, que se espalha pelo corpo, é a causa do condicionamento neste mundo material.

Comentário

SIGNIFICADOO corpo, a mente e os sentidos de uma pessoa confusa e no modo de vida materialista, estando ocupados no gozo dos sentidos, causam seu cativeiro a repetidos nascimentos, mortes, velhice e doença. Contudo, se alguém é avançado em conhecimento espiritual, o mesmo corpo, sentidos e mente causam sua liberação. Confirma isso a seguinte passagem da Kaṭha Upaniṣad (1.3.3-4,9):

ātmānaṁ rathinaṁ viddhi
śarīraṁ ratham eva ca
buddhiṁ tu sārathiṁ viddhi
manaḥ pragraham eva ca
indriyāṇi hayān āhur
viṣayāṁs teṣu gocarān
so ’dhvanaḥ pāram āpnoti
tad viṣṇoḥ paramaṁ padam

A alma está alojada na quadriga do corpo, cujo condutor é a inteligência. A mente é a determinação de se alcançar o destino, os sentidos são os cavalos, e os objetos dos sentidos também estão incluídos nessa atividade. Então, pode-se alcançar o destino, Viṣṇu, que é paramaṁ padam, a meta suprema da vida. Na vida condicionada, a consciência no corpo é a causa do cativeiro, mas a mesma consciência, quando transformada em consciência de Kṛṣṇa, torna-se a causa pela qual a pessoa regressa ao lar, regressa ao Supremo.

Portanto, o corpo humano pode ser usado de duas maneiras – para alguém ir às mais escuras regiões da ignorância ou para voltar ao lar, voltar ao Supremo. Para voltar ao Supremo, o caminho é mahat-sevā, aceitar o mestre espiritual autorrealizado. Mahat-sevāṁ dvāram āhur vimukteḥ. Para obter a liberação, a pessoa deve aceitar a orientação dos devotos autorizados que podem realmente dotá-la de conhecimento perfeito. Por outro lado, tamo-dvāraṁ yoṣitāṁ saṅgi-saṅgam: se alguém quiser ir às mais tenebrosas regiões da existência material, pode continuar associando-se com pessoas que são apegadas a mulheres (yoṣitāṁ saṅgi-saṅgam). A palavra yoṣit significa “mulher”. As pessoas muito materialistas são apegadas a mulheres.

Portanto, afirma-se que ātmānaṁ rathinaṁ viddhi śarīraṁ ratham eva ca. O corpo é exatamente como uma quadriga ou carro no qual se pode ir a qualquer parte. Talvez alguém dirija bem, mas, por outro lado, há quem dirija caprichosamente, e, nesse caso, há toda a possibilidade de que sofra um acidente e caia em um buraco. Em outras palavras, se alguém recebe instruções do mestre espiritual experiente, ele pode voltar ao lar, voltar ao Supremo; caso contrário, talvez retorne ao ciclo de nascimentos e mortes. Portanto, Kṛṣṇa aconselha pessoalmente:

aśraddadhānāḥ puruṣā
dharmasyāsya parantapa
aprāpya māṁ nivartante
mṛtyu-saṁsāra-vartmani

“Aqueles que não são fiéis neste serviço devocional não podem Me alcançar, ó subjugador dos inimigos. Por isso, eles voltam a trilhar o caminho de nascimentos e mortes neste mundo material.” (Bhagavad-gītā 9.3) O próprio Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, instrui como alguém deve proceder para retornar ao lar, retornar ao Supremo, mas, se a pessoa não se interessa em ouvir Suas instruções, o resultado será que jamais voltará ao Supremo, senão que continuará vivendo nesta dolorosa existência material, passando por repetidos nascimentos e mortes (mṛtyu-saṁsāra-vartmani).

O conselho dos transcendentalistas experientes, portanto, é que o corpo se ocupe plenamente em buscar a meta última da vida (svārtha-gatim). O verdadeiro interesse ou meta da vida consiste em a pessoa retornar ao lar, retornar ao Supremo. Para capacitar as pessoas a atingirem esse propósito, existem muitos textos védicos, entre os quais se pode mencionar o Vedānta-sūtra, as Upaniṣads, a Bhagavad-gītā, o Mahābhārata e o Rāmāyaṇa. Todos devem tirar lições dessas escrituras védicas e aprender como praticar nivṛtti-mārga. Então, suas vidas serão perfeitas. O corpo é importante enquanto a consciência estiver nele. Sem consciência, o corpo é um simples monte de matéria. Portanto, para regressar ao lar, para regressar ao Supremo, a pessoa deve mudar de consciência, abjurando da consciência material e adotando a consciência de Kṛṣṇa. Nossa consciência é a causa do nosso cativeiro material, mas, se essa consciência for purificada através do bhakti-yoga, a pessoa conseguirá entender que é falso o seu upādhi, as designações mediante as quais alguém é tratado como indiano, americano, hindu, muçulmano, cristão e assim por diante. Sarvopādhi-vinirmuktaṁ tat-paratvena nirmalam. Todos devem esquecer-se dessas designações e usar a consciência apenas a serviço de Kṛṣṇa. Portanto, se alguém tira proveito do movimento da consciência de Kṛṣṇa, sua vida com certeza será exitosa.

Texto

akṣaṁ daśa-prāṇam adharma-dharmau
cakre ’bhimānaṁ rathinaṁ ca jīvam
dhanur hi tasya praṇavaṁ paṭhanti
śaraṁ tu jīvaṁ param eva lakṣyam

Sinônimos

akṣam — os raios (na roda da quadriga); daśa — dez; prāṇam — as dez classes de ar que fluem dentro do corpo; adharma — irreligião; dharmau — religião (dois lados da roda, superior e inferior); cakre — na roda; abhimānam — falsa identificação; rathinam — o quadrigário ou o proprietário do corpo; ca — também; jīvam — a entidade viva; dhanuḥ — o arco; hi — na verdade; tasya — seu; praṇavam — o mantra védico oṁkāra; paṭhanti — afirma-se; śaram — uma flecha; tu — mas; jīvam — a entidade viva; param — o Senhor Supremo; eva — na verdade; lakṣyam — o alvo.

Tradução

As dez classes de ar que agem dentro do corpo são comparadas aos raios das rodas da quadriga, e o topo e a base da própria roda são chamados de religião e irreligião. A entidade viva no conceito de vida corpórea é o proprietário da quadriga. O mantra védico praṇava é o arco, a própria entidade viva pura é a flecha, e o alvo é o Ser Supremo.

Comentário

SIGNIFICADODez classes de ares vitais sempre fluem dentro do corpo material. Eles são chamados prāṇaapāna, samāna, vyāna, udāna, nāga, kūrma, kṛkala, devadatta e dhanañjaya. Aqui, são comparados aos raios das rodas da quadriga. O ar vital é a energia de todas as atividades do ser vivo, as quais são ora religiosas, ora irreligiosas. Portanto, afirma-se que a religião e a irreligião são as porções superior e inferior das rodas da quadriga. Quando a entidade viva decide voltar ao lar, voltar ao Supremo, seu alvo é o Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus. No estado de vida condicionada, ninguém entende que a meta da vida é o Senhor Supremo. Na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇuṁ durāśayā ye bahir-artha-māninaḥ. Como não compreende a meta de sua vida, a entidade viva tenta ser feliz neste mundo material. Contudo, ao se purificar, ela abandona seu conceito de vida corporal e sua falsa identidade que a leva a agir como se ela pertencesse a certa comunidade, nação, sociedade, família e assim por diante (sarvopādhi-vinirmuktaṁ tat-paratvena nirmalam). Então, ela empunha a flecha de sua vida purificada e, com a ajuda do arco – o transcendental canto do praṇava, ou do mantra Hare Kṛṣṇa –, ela se arremessa em direção à Suprema Personalidade de Deus.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta que, visto que as palavras “arco” e “flecha” são usadas neste verso, alguém poderia argumentar que a Suprema Personalidade de Deus e a entidade viva se tornaram inimigos. Entretanto, embora a Suprema Personalidade de Deus possa tornar-se um aparente inimigo do ser vivo, isso é para Lhe dar prazer em Suas aventuras. Por exemplo, o Senhor lutou contra Bhīṣma, e a ação mediante a qual Bhīṣma trespassou o corpo do Senhor no campo de batalha de Kurukṣetra caracterizou um tipo de atitude ou relacionamento, os quais existem em total de doze. Quando a alma condicionada tenta atingir o Senhor disparando uma flecha contra Ele, o Senhor sente prazer, e a entidade viva recebe o privilégio de voltar ao lar, voltar ao Supremo. Outro exemplo dado a esse respeito é que Arjuna, como resultado de trespassar o ādhāra-mīna, ou o peixe dentro do cakra, obteve Draupadī como o valioso prêmio. Do mesmo modo, se alguém consegue varar os pés de lótus do Senhor Viṣṇu com a flecha do canto do santo nome do Senhor, em virtude de ter realizado essa atividade heroica no seu serviço devocional, ele recebe como prerrogativa sua volta ao lar, sua volta ao Supremo.

Texto

rāgo dveṣaś ca lobhaś ca
śoka-mohau bhayaṁ madaḥ
māno ’vamāno ’sūyā ca
māyā hiṁsā ca matsaraḥ
rajaḥ pramādaḥ kṣun-nidrā
śatravas tv evam ādayaḥ
rajas-tamaḥ-prakṛtayaḥ
sattva-prakṛtayaḥ kvacit

Sinônimos

rāgaḥ — apego; dveṣaḥ — hostilidade; ca — também; lobhaḥ — cobiça; ca — também; śoka — lamentação; mohau — ilusão; bhayam — medo; madaḥ — loucura; mānaḥ — falso prestígio; avamānaḥ — ultraje; asūyā — achar defeitos nos outros; ca — também; māyā — decepção; hiṁsā — inveja; ca — também; matsaraḥ — impaciência; rajaḥ — frenesi; pramādaḥ — confusão; kṣut — fome; nidrā — sono; śatravaḥ — inimigos; tu — na verdade; evam ādayaḥ — mesmo outras dessas concepções de vida; rajaḥ-tamaḥ — vinculadas ao conceito de paixão e ignorância; prakṛtayaḥ — causas; sattva — vinculadas ao conceito de bondade; prakṛtayaḥ — causas; kvacit — às vezes.

Tradução

No estado condicionado, a pessoa tem concepções de vida que às vezes são contaminadas com a paixão e a ignorância, que se manifestam através de apego, hostilidade, cobiça, lamentação, ilusão, medo, loucura, falso prestígio, ultrajes, repreensão, fraude, inveja, intolerância, paixão, desorientação, fome e sono. Todos esses são inimigos. Às vezes, os conceitos que a pessoa retém consigo também são contaminados pela bondade.

Comentário

SIGNIFICADOA verdadeira meta da vida consiste em voltarmos ao lar, voltarmos ao Supremo, mas existem muitos obstáculos criados pelos três modos da natureza material – algumas vezes, existe a interposição de uma combinação de rajo-guṇa e tamo-guṇa, os modos da paixão e da ignorância, e, outras vezes, o modo da bondade se interpõe. No mundo material, mesmo que alguém seja um filantropo, um nacionalista e um bom homem de acordo com os cálculos materialistas, essas concepções de vida constituem um empecilho ao avanço espiritual. Logo, serão obstáculos ainda maiores a hostilidade, a cobiça, a ilusão, a lamentação e o excessivo apego ao gozo material. Para progredir rumo à meta Viṣṇu, o que é nosso verdadeiro interesse pessoal, a pessoa deve tornar-se muito poderosa para subjugar esses vários obstáculos ou inimigos. Em outras palavras, ninguém deve traçar como seu ideal ser um homem bom ou um homem mau neste mundo material.

Neste mundo material, a suposta bondade e suposta maldade são a mesma coisa, visto que estão incluídas nos três modos da natureza material. Todos devem transcender essa natureza material. Mesmo as cerimônias ritualísticas védicas são influenciadas pelos três modos da natureza material. Portanto, Kṛṣṇa aconselhou a Arjuna:

traiguṇya-viṣayā vedā
nistraiguṇyo bhavārjuna
nirdvandvo nitya-sattva-stho
niryoga-kṣema ātmavān

“Os Vedas tratam principalmente do tema dos três modos da natureza material. Ó Arjuna, torna-te transcendental a esses três modos. Liberta-te de todas as dualidades e de todos os anseios advindos da busca de lucro e segurança e estabelece-te no eu.” (Bhagavad-gītā 2.45) Em outra passagem da Bhagavad-gītā, o Senhor diz que ūrdhvaṁ gacchanti sattva-sthā: se alguém se torna uma pessoa excelente – em outras palavras, se está no modo da bondade –, ele pode elevar-se aos sistemas planetários superiores. Igualmente, se alguém está corroído por rajo-guṇa e tamo-guṇa, ele pode permanecer neste mundo ou descer até o reino animal. Todavia, todas essas situações são obstáculos no caminho da salvação espiritual. Śrī Caitanya Mahāprabhu, portanto, diz:

brahmāṇḍa bhramite kona bhāgyavān jīva
guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja

Se alguém é bastante afortunado para transcender toda essa dita bondade e dita maldade e chegar à plataforma do serviço devocional pela misericórdia de Kṛṣṇa e do guru, sua vida se torna exitosa. Nesse contexto, deve determinar-se muito fortemente a derrotar esses inimigos da consciência de Kṛṣṇa. Sem se preocupar com o bem e o mal que reinam neste mundo material, deve propagar a consciência de Kṛṣṇa com determinação imparável.

Texto

yāvan nṛ-kāya-ratham ātma-vaśopakalpaṁ
dhatte gariṣṭha-caraṇārcanayā niśātam
jñānāsim acyuta-balo dadhad asta-śatruḥ
svānanda-tuṣṭa upaśānta idaṁ vijahyāt

Sinônimos

yāvat — enquanto; nṛ-kāya — esta forma de corpo humano; ratham — considerado como uma quadriga; ātma-vaśa — dependente do próprio controle exercido pela pessoa; upakalpam — no qual existem muitas outras partes subordinadas; dhatte — ela possui; gariṣṭha-carana — os pés de lótus dos superiores (a saber, o mestre espiritual e seus antecessores); arcanayā — servindo; niśātam — afiada; jñāna-asim — a espada ou arma do conhecimento; acyuta-balaḥ — mediante a força transcendental de Kṛṣṇa; dadhat — empunhando; asta-śatruḥ — até que o inimigo seja derrotado; sva-ānanda-tuṣṭaḥ — sendo plenamente autossatisfeita através da bem-aventurança transcendental; upaśāntaḥ — a consciência estando limpa de toda a contaminação material; idam — este corpo; vijahyāt — ela deve abandonar.

Tradução

Enquanto alguém tiver de aceitar corpos materiais, com suas diferentes partes e parafernálias, que não estão sob seu pleno controle, ele precisa contar com os pés de lótus de seus superiores, a saber, seu mestre espiritual e os antecessores do mestre espiritual, através de cuja misericórdia ele poderá afiar a espada do conhecimento. Com o poder da misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, ele deverá, então, derrotar os inimigos acima mencionados. Dessa maneira, o devoto conseguirá imergir em sua própria bem-aventurança transcendental, podendo, consequentemente, abandonar seu corpo e reassumir sua identidade espiritual.

Comentário

SIGNIFICADONa Bhagavad-gītā (4.9), o Senhor diz:

janma karma ca me divyam
evaṁ yo vetti tattvataḥ
tyaktvā dehaṁ punar janma
naiti mām eti so ’rjuna

“Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, senão que alcança Minha morada eterna, ó Arjuna.” Essa é a perfeição máxima da vida, e o corpo humano se presta a esse propósito. Afirma-se no Śrīmad-Bhāgavatam (11.20.17):

nṛ-deham ādyaṁ sulabhaṁ sudurlabhaṁ
plavaṁ sukalpaṁ guru-karṇadhāram
mayānukūlena nabhasvateritaṁ
pumān bhavābdhiṁ na taret sa ātma-hā

Esta forma de corpo humano é um barco valiosíssimo, e o mestre espiritual é o capitão, guru-karṇadhāram, que guia o barco na travessia do oceano de ignorância. A instrução de Kṛṣṇa é uma brisa favorável. Todos devem utilizar todas essas boas condições para singrar o oceano de ignorância. Como o mestre espiritual é o capitão, a pessoa deve servi-lo muito sinceramente para que, por sua misericórdia, consiga obter a misericórdia do Senhor Supremo.

Uma palavra significativa empregada neste verso é acyuta-balaḥ. O mestre espiritual decerto é misericordioso com seus discípulos, em consequência do que o devoto é fortalecido pela Suprema Personalidade de Deus ao satisfazer o mestre espiritual. Śrī Caitanya Mahāprabhu, portanto, diz que guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja: a pessoa deve primeiramente satisfazer o mestre espiritual, pois, dessa maneira, ela automaticamente satisfaz Kṛṣṇa e obtém a força com a qual pode cruzar o oceano de ignorância. Se alguém deseja seriamente retornar ao lar, retornar ao Supremo, deve tornar-se bastante forte, satisfazendo o mestre espiritual, pois assim recebe a arma com a qual pode derrotar o inimigo, e também consegue a graça de Kṛṣṇa. Simplesmente receber a arma de jñāna é insuficiente. A pessoa deve afiar a arma, servindo ao mestre espiritual e acatando suas instruções. Então, o candidato terá a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Na guerra habitual, o combatente recorre à sua quadriga e cavalos para triunfar sobre seu inimigo e, após derrotar seus inimigos, ele pode abandonar a quadriga e sua parafernália. Igualmente, enquanto tiver um corpo humano, a pessoa deverá usá-lo plenamente para obter a perfeição máxima da vida, a saber, voltar ao lar, voltar ao Supremo.

A perfeição do conhecimento decerto consiste em nos tornarmos transcendentalmente situados (brahma-bhūta). Como o Senhor diz na Bhagavad-gītā (18.54):

brahma-bhūtaḥ prasannātmā
na śocati na kāṅkṣati
samaḥ sarveṣu bhūteṣu
mad-bhaktiṁ labhate parām

“Aquele que está situado nessa posição transcendental compreende de imediato o Brahman Supremo e torna-se completamente feliz. Ele nunca se lamenta nem deseja ter nada, e é equânime para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele passa a Me prestar serviço devocional puro.” Através do simples cultivo de conhecimento, como acontece, por exemplo, com os impersonalistas, ninguém consegue escapar das garras de māyā. Deve-se alcançar a plataforma de bhakti.

bhaktyā mām abhijānāti
yāvān yaś cāsmi tattvataḥ
tato māṁ tattvato jñātvā
viśate tad-anantaram

“É unicamente através do serviço devocional que alguém pode compreender-Me como sou, como a Suprema Personalidade de Deus. E quando, mediante tal devoção, ele se absorve em plena consciência de Mim, ele pode entrar no reino de Deus.” (Bhagavad-gītā 18.55) Enquanto alguém não tiver alcançado a fase do serviço devocional e a misericórdia do mestre espiritual e de Kṛṣṇa, existe a possibilidade de recair e aceitar corpos materiais. Portanto, Kṛṣṇa enfatiza na Bhagavad-gītā (4.9):

janma karma ca me divyam
evaṁ yo vetti tattvataḥ
tyaktvā dehaṁ punar janma
naiti mām eti so ’rjuna

“Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, senão que alcança Minha morada eterna, ó Arjuna.”

A palavra tattvataḥ, que significa “na realidade”, é muito importante. Tato māṁ tattvato jñātvā. Enquanto não receber a misericórdia do mestre espiritual que a capacite a compreender Kṛṣṇa em verdade, pessoa alguma estará em condições de abandonar o seu corpo material. Como se afirma, āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ: se alguém negligencia servir aos pés de lótus de Kṛṣṇa, não poderá livrar-se das garras materiais através do mero conhecimento. Mesmo que alguém alcance a fase de brahma-padam, imersão no Brahman, sem bhakti, arrisca-se a cair. A pessoa deve tomar muito cuidado em relação ao perigo de recair no cativeiro material. A única segurança é chegar à etapa de bhakti, pois, estabelecendo-se nela, ninguém cai. É então que a pessoa se livra das atividades do mundo material. Em suma, como afirma Śrī Caitanya Mahāprabhu, todos devem entrar em contato com um mestre espiritual genuíno, que esteja no paramparā da consciência de Kṛṣṇa, pois, através de sua misericórdia e de suas instruções, recebe-se a força concedida por Kṛṣṇa. Então, a pessoa se ocupa em serviço devocional e alcança a meta última da vida, os pés de lótus de Viṣṇu.

Neste verso, as palavras ānāsim acyuta-balaḥ são bastante expressivas. Jñānāsim, a espada do conhecimento, é dada por Kṛṣṇa, e quando alguém serve ao guru e Kṛṣṇa para empunhar a espada das instruções de Kṛṣṇa, Balarāma o fortalece. Balarāma é Nityānanda. Vrajendra-nandana yei, śacī-suta haila sei, balarāma ha-ila nitāi. Esse bala – Balarāma – vem com Śrī Caitanya Mahāprabhu, e ambos são tão misericordiosos que, nesta era de Kali, todos podem refugiar-se muito facilmente em Seus pés de lótus. Eles vêm especialmente para libertar todas as almas caídas desta era. Pāpī tāpī yata chila, hari-nāme uddhārila. A arma dEles é saṅkīrtana, hari-nāma. Então, todos devem aceitar a espada do conhecimento que lhes é dada por Kṛṣṇa e se tornarem fortes graças à misericórdia de Balarāma. Nós, portanto, estamos adorando Kṛṣṇa-Balarāma em Vṛndāvana. A Muṇḍaka Upaniṣad (3.2.4) diz:

nāyam ātmā bala-hīnena labhyo
na ca pramādāt tapaso vāpy aliṅgāt
etair upāyair yatate yas tu vidvāṁs
tasyaiṣa ātmā viśate brahma-dhāma

Sem a misericórdia de Balarāma, ninguém pode alcançar a meta da vida. Por conseguinte, Śrī Narottama Dāsa Ṭhākura diz que nitāiyera karunā habe, vraje rādhā-kṛṣṇa pābe: quando alguém recebe a misericórdia de Balarāma, Nityānanda, ele pode alcançar os pés de lótus de Rādhā e Kṛṣṇa muito facilmente.

se sambandha nāhi yāra, bṛthā janma gela tāra,
vidyā-kule hi karibe tāra

Se alguém não possui nada que o vincule a Nitāi, Balarāma, então, muito embora ele seja um intelectual muito erudito, ou jñānī, ou tenha nascido em família muito respeitável, esses dons não o ajudarão. Portanto, é com a força recebida de Balarāma que devemos vencer os inimigos da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

nocet pramattam asad-indriya-vāji-sūtā
nītvotpathaṁ viṣaya-dasyuṣu nikṣipanti
te dasyavaḥ sahaya-sūtam amuṁ tamo ’ndhe
saṁsāra-kūpa uru-mṛtyu-bhaye kṣipanti

Sinônimos

nocet — se não seguimos as instruções de Acyuta, Kṛṣṇa, e não nos refugiamos em Balarāma; pramattam — distraídos, desatentos; asat — que sempre estão inclinados à consciência material; indriya — os sentidos; vāji — agindo como os cavalos; sūtāḥ — o quadrigário (inteligência); nītvā — trazendo; utpatham — para a estrada do desejo material; viṣaya — os objetos dos sentidos; dasyuṣu — nas mãos dos saqueadores; nikṣipanti — arrojam; te — esses; dasyavaḥ — saqueadores; sa — com; haya-sūtam — os cavalos e o quadrigário; amum — todos eles; tamaḥ — escuro; andhe — camuflado; saṁsāra-kūpe — ao poço da existência material; uru — grande; mṛtyu-bhaye — medo da morte; kṣipanti — arrojam.

Tradução

Caso contrário, se a pessoa não se refugia em Acyuta e Baladeva, os sentidos, agindo como os cavalos, e a inteligência, agindo como o condutor, estando eles inclinados à contaminação material, distraidamente levam o corpo, que age como a quadriga, para o caminho do gozo dos sentidos. Quando alguém volta, então, a se atrair pelos assaltantes que o assediam sob a forma de viṣaya – comer, dormir e se acasalar –, os cavalos e o quadrigário são atirados no poço escuro da existência material, e ele recai em uma situação perigosa e extremamente aterradora: os repetidos nascimentos e mortes.

Comentário

SIGNIFICADOSem a proteção de Gaura-Nitāi – Kṛṣṇa e Balarāma –, ninguém pode sair do escuro poço da ignorância, a existência material. Isso é aqui indicado pela palavra nocet, que significa que a pessoa sempre permanecerá no poço escuro da existência material. É de Nitāi-Gaura, ou Kṛṣṇa-Balarāma, que a entidade viva deve receber força. Sem a misericórdia de Nitāi-Gaura, não há maneira de alguém escapar deste escuro poço de ignorância. Como se afirma no Caitanya-caritāmṛta (Ādi 1.2):

vande śrī-kṛṣṇa-caitanya-
nityānandau sahoditau
gauḍodaye puṣpavantau
citrau śandau tamo-nudau

“Ofereço minhas respeitosas reverências a Śrī Kṛṣṇa Caitanya e ao Senhor Nityānanda, que são como o Sol e a Lua. Eles surgiram simultaneamente no horizonte de Gauḍa para dissipar a escuridão e a ignorância e, então, maravilhosamente outorgar bênçãos a todos.” Este mundo material é um escuro poço de ignorância. A alma caída neste poço escuro deve refugiar-se nos pés de lótus de Gaura-Nitāi, pois assim ela pode facilmente sair da existência material. Sem a força dEles, simplesmente tentar escapar das garras da matéria através do conhecimento especulativo será insuficiente.

Texto

pravṛttaṁ ca nivṛttaṁ ca
dvi-vidhaṁ karma vaidikam
āvartate pravṛttena
nivṛttenāśnute ’mṛtam

Sinônimos

pravṛttam — propensão ao gozo material; ca — e; nivṛttam — cessação do gozo material; ca — e; dvi-vidham — essas duas variedades; karma — de atividades; vaidikam — recomendadas nos Vedas; āvartate — a pessoa viaja para cima e para baixo através do ciclo de saṁsāra; pravṛttena — mediante a tendência a desfrutar das atividades materiais; nivṛttena — mas findando essas atividades; aśnute — ela desfruta de; amṛtam — vida eterna.

Tradução

De acordo com os Vedas, existem duas classes de atividades – pravṛtti e nivṛtti. As atividades pravṛtti dizem respeito aos processos através dos quais alguém que está em uma condição inferior se eleva a uma condição superior de vida materialista, ao passo que nivṛtti significa a cessação do desejo material. Através das atividades pravṛtti, a pessoa sofre com o cativeiro material, ao passo que, através das atividades nivṛtti, ela se purifica e se capacita a desfrutar da vida eterna e bem-aventurada.

Comentário

SIGNIFICADOComo se confirma na Bhagavad-gītā (16.7), pravṛttiṁ ca nivṛttiṁ ca janā na vidur āsurā: os asuras, os não-devotos, não conseguem distinguir entre pravṛtti e nivṛtti. Eles fazem tudo o que querem. Essas pessoas se julgam independentes da forte natureza material e, portanto, são irresponsáveis e não se importam em agir piedosamente. Na verdade, elas não distinguem entre atividade piedosa e ímpia. Bhakti, evidentemente, não depende de atividade piedosa ou ímpia. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.6):

sa vai puṁsāṁ paro dharmo
yato bhaktir adhokṣaje
ahaituky apratihatā
yayātmā suprasīdati

“A suprema ocupação [dharma] para toda a humanidade é aquela pela qual os homens possam atingir o serviço devocional amoroso ao Senhor transcendental. Esse serviço devocional tem que ser desinteressado e ininterrupto para satisfazer o eu completamente.” Entretanto, todo aquele que age piedosamente tem mais oportunidade de se tornar devoto. Como Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (7.16), catur-vidhā bhajante māṁ janāḥ sukṛtino ’rjuna: “Ó Arjuna, quatro classes de homens piedosos Me prestam serviço devocional.” Aquele que, mesmo com alguma motivação material, adota o serviço devocional, é considerado piedoso, e porque buscou Kṛṣṇa, aos poucos chegará à fase de bhakti. Então, como Dhruva Mahārāja, ele não quererá alguma bênção material do Senhor (svāmin kṛtārtho ’smi varaṁ na yāce). Portanto, mesmo que alguém tenha propensões materiais, ele pode refugiar-se nos pés de lótus de Kṛṣṇa e Balarāma, ou Gaura e Nitāi, de modo que, muito em breve, ele se purifique de todos os desejos materiais (kṣipraṁ bhavati dharmātmā śaśvac chāntiṁ nigacchati). Assim que alguém se livra das tendências a executar atividades piedosas ou ímpias, torna-se um candidato perfeito a retornar ao lar, a retornar ao Supremo.

Texto

hiṁsraṁ dravyamayaṁ kāmyam
agni-hotrādy-aśāntidam
darśaś ca pūrṇamāsaś ca
cāturmāsyaṁ paśuḥ sutaḥ
etad iṣṭaṁ pravṛttākhyaṁ
hutaṁ prahutam eva ca
pūrtaṁ surālayārāma-
kūpājīvyādi-lakṣaṇam

Sinônimos

hiṁsram — um sistema de matar e sacrificar animais; dravya-mayam — requerendo muita parafernália; kāmyam — cheias de ilimitados desejos materiais; agni-hotra-ādi — cerimônias ritualísticas, tais como o agni-hotra-yajña; aśānti-dam — causando ansiedades; darśaḥ — a cerimônia ritualística darśa; ca — e; pūrṇamāsaḥ — a cerimônia ritualística pūrṇamāsa; ca — também; cāturmāsyam — observar quatro meses de princípios reguladores; paśuḥ — a cerimônia de sacrifício de animais ou paśu-yajña; sutaḥ — o soma-yajña; etat — de tudo isso; iṣṭam — a meta; pravṛtta-ākhyam — conhecida como apego material; hutam — Vaiśvadeva, uma encarnação da Suprema Personalidade de Deus; prahutam — uma cerimônia chamada Baliharaṇa; eva — na verdade; ca — também; pūrtam — para o benefício público; sura-ālaya — construir templos para os semideuses; ārāma — albergues e jardins; kūpa — escavar poços; ājīvya-ādi — atividades tais como distribuir alimento e água; lakṣaṇam — sintomas.

Tradução

As cerimônias ritualísticas e os sacrifícios conhecidos como agni-hotra-yajña, darśa-yajña, pūrṇamāsa-yajña, cāturmāsya-yajña, paśu-yajña e soma-yajña são todos eles caracterizados pelo abate de animais e pela queima de muitos artigos valiosos, especialmente grãos alimentícios, tudo isso apenas para satisfazer desejos materiais e criar ansiedade. Executar esses sacrifícios, adorar Vaiśvadeva e realizar a cerimônia de Baliharaṇa, todos os quais aparentemente constituem a meta da vida, bem como construir templos para os semideuses, edificar albergues e jardins, escavar poços para a distribuição de água, estabelecer barracas para a distribuição de alimentos e realizar atividades para o bem-estar público – tudo isso é sintoma de apego aos desejos materiais.

Texto

dravya-sūkṣma-vipākaś ca
dhūmo rātrir apakṣayaḥ
ayanaṁ dakṣiṇaṁ somo
darśa oṣadhi-vīrudhaḥ
annaṁ reta iti kṣmeśa
pitṛ-yānaṁ punar-bhavaḥ
ekaikaśyenānupūrvaṁ
bhūtvā bhūtveha jāyate

Sinônimos

dravya-sūkṣma-vipākaḥ — a parafernália apresentada como oblações no fogo, tal como grãos alimentícios misturados com ghī; ca — e; dhūmaḥ — transformados em fumaça, ou no semideus encarregado da fumaça; rātriḥ — o semideus encarregado da noite; apakṣayaḥ — na quinzena da lua nova; ayanam — o semideus encarregado da passagem do Sol; dakṣiṇam — na zona meridional; somaḥ — a Lua; darśaḥ — retornando; oṣadhi — vida vegetal (na superfície da Terra); vīrudhaḥ — vegetação em geral (o nascimento da lamentação); annam — grãos alimentícios; retaḥ — sêmen; iti — dessa maneira; kṣma-īśa — ó rei Yudhiṣṭhira, senhor da Terra; pitṛ-yānam — o processo de nascer do sêmen do pai; punaḥ-bhavaḥ — repetidas vezes; eka-ekaśyena — consecutivas; anupūrvam — sucessivamente, de acordo com a gradação; bhūtvā — nascendo; bhūtvā — voltando a nascer; iha — neste mundo material; jāyate — a pessoa existe no modo de vida materialista.

Tradução

Meu querido rei Yudhiṣṭhira, quando se apresentam em sacrifício oblações de ghī e grãos alimentícios, tais como cevada e gergelim, elas se transformam em fumaça celestial, que transporta a pessoa a sistemas planetários sucessivamente superiores, tais como os reinos de Dhumā, Rātri, Kṛṣṇapakṣa, Dakṣiṇam e, por fim, a Lua. Depois, entretanto, os realizadores de sacrifício descem novamente à Terra para se tornarem ervas, trepadeiras, legumes e grãos alimentícios, que são ingeridos por diferentes entidades vivas e se transformam em sêmen, o qual é injetado em corpos femininos. Assim, a pessoa nasce repetidas vezes.

Comentário

SIGNIFICADOIsso é explicado na Bhagavad-gītā (9.21):

te taṁ bhuktvā svarga-lokaṁ viśālaṁ
kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti
evaṁ trayī-dharmam anuprapannā
gatāgataṁ kāma-kāmā labhante

“Após desfrutarem do prazer sensual celestial, aqueles que seguem o pravṛtti-mārga regressam a este planeta mortal. Logo, através dos princípios védicos, eles alcançam apenas uma felicidade efêmera.” Seguindo o pravṛtti-marga, a entidade viva que deseja promover-se aos sistemas planetários superiores executa sacrifícios regulares, e, nesta passagem do Śrīmad-Bhāgavatam, bem como na Bhagavad-gītā, descreve-se como ela sobe e volta a descer. Também se afirma que traiguṇya-viṣayā vedā: “Os Vedas tratam principalmente dos três modos da natureza material.” Os Vedas, especialmente três deles, a saber, o Sāma, o Yajur e o Ṛk, descrevem vividamente este processo de ascensão aos planetas superiores e o consequente retorno. Mas Kṛṣṇa aconselha a Arjuna que traiguṇya-viṣayā vedā nistraiguṇyo bhavārjuna: a pessoa deve transcender esses três modos da natureza material e, então, ela se libertará do ciclo de nascimentos e mortes. Caso contrário, mesmo que alguém seja promovido a um sistema planetário superior, tal como Candraloka, terá que descer novamente (kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti). Depois que expira o desfrute a que alguém teve direito porque executou atividades piedosas, ele terá de retornar a este planeta durante a chuva e, primeiramente, nascer como planta ou trepadeira, que são comidas por vários animais, inclusive pelos seres humanos, e transformadas em sêmen. Esse sêmen é injetado no corpo feminino, e, dessa maneira, a entidade viva nasce. Aqueles que retornam à Terra através desse processo nascem em especial em famílias superiores, tais como as famílias dos brāhmaṇas.

Pode-se comentar a este respeito que mesmo os ditos cientistas modernos que estão indo à Lua não conseguem permanecer lá, senão que voltam a seus laboratórios. Portanto, quer alguém vá à Lua através de modernos aparelhos mecânicos ou realizando atividades piedosas, terá de regressar à Terra. Isso é claramente afirmado neste verso e explicado na Bhagavad-gītā. Mesmo que alguém vá aos sistemas planetários superiores (yānti deva-vratā devān), ele não conseguirá uma posição segura; ele acabará retornando a martya-loka. Ābrahma-bhuvanāl lokāḥ punar āvartino ’rjuna: assim como acontece com quem vai à Lua, mesmo que alguém chegue a Brahmaloka, terá de retornar. Yaṁ prāpya na nivartante tad dhāma paramaṁ mama: mas se a pessoa volta ao lar, volta ao Supremo, ela não precisa retornar a este mundo material.

Texto

niṣekādi-śmaśānāntaiḥ
saṁskāraiḥ saṁskṛto dvijaḥ
indriyeṣu kriyā-yajñān
jñāna-dīpeṣu juhvati

Sinônimos

niṣeka-ādi — o começo da vida (o processo purificatório de garbhādhāna, realizado quando o pai gera um filho, injetando sêmen no ventre da mulher); śmaśāna-antaiḥ — e na hora da morte, quando o corpo é posto em um crematório e reduzido a cinzas; saṁskāraiḥ — mediante esses processos purificatórios; saṁskṛtaḥ — purificado; dvijaḥ — um brāhmaṇa duas vezes nascido; indriyeṣu — nos sentidos; kriyā-yajñān — atividades e sacrifícios (que elevam alguém aos sistemas planetários superiores); jñāna-dīpeṣu — através da iluminação em verdadeiro conhecimento; juhvati — oferece.

Tradução

O brāhmaṇa duas vezes nascido [dvija] é agraciado com vida graças à participação de seus pais que se submetem ao processo purificatório conhecido como garbhādhāna. Também existem outros processos de purificação que agem até no fim da vida, quando se realiza a cerimônia fúnebre [antyeṣṭi-kriyā]. Assim, no decorrer do tempo, o brāhmaṇa qualificado perde o interesse pelas atividades e sacrifícios materiais e, com pleno discernimento, oferece os sacrifícios sensoriais através dos sentidos funcionais, que são iluminados pelo fogo do conhecimento.

Comentário

SIGNIFICADOAqueles que estão interessados em atividades materialistas permanecem no ciclo de nascimentos e mortes. Pravṛtti-mārga, ou a propensão a permanecer no mundo material para desfrutar de muitas variedades de gozo dos sentidos, foi explicado no verso anterior. Agora, neste verso, explica-se que alguém que tenha perfeito conhecimento bramânico rejeita o processo através do qual a pessoa se eleva aos planetas superiores; ele prefere aceitar nivṛtti-marga – em outras palavras, ele se prepara para voltar ao lar, para voltar ao Supremo. Aqueles que não são brāhmaṇas, mas ateístas, não sabem o que é pravṛtti-mārga ou nivṛtti-mārga; tudo o que querem é obter prazer a qualquer custo. Portanto, o nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa está treinando os devotos para abandonarem pravṛtti-mārga e aceitarem nivṛtti-marga a fim de voltarem ao lar, voltarem ao Supremo. Isso é um pouco difícil de ser entendido, mas se torna muito fácil se alguém adota seriamente a consciência de Kṛṣṇa e tenta entender Kṛṣṇa. A pessoa consciente de Kṛṣṇa pode entender que realizar yajña de acordo com o sistema karma-kāṇḍa é um desperdício de tempo e que o simples fato de alguém abandonar karma-kāṇḍa para aceitar o processo de especulação também é algo infrutífero. Portanto, Narottama Dāsa Ṭhākura canta em seu Prema-bhakti-candrikā:

karma-kāṇḍa, jñāna-kāṇḍa, kevala viṣera bhāṇḍa
‘amṛta’ baliyā yebā khāya
nānā yoni sadā phire, kadarya bhakṣaṇa kare,
tāra janma adhaḥ-pāte yāya

Uma vida de karma-kāṇḍa ou jñāna-kāṇḍa é como uma taça de veneno, e todo aquele que adota semelhante vida está condenado. No sistema karma-kāṇḍa, a pessoa se destina a aceitar repetidos nascimentos e mortes. Igualmente, através de jñāna-kāṇḍa, volta-se a cair neste mundo material. Somente a adoração à Pessoa Suprema oferece a segurança de voltarmos ao lar, voltarmos ao Supremo.

Texto

indriyāṇi manasy ūrmau
vāci vaikārikaṁ manaḥ
vācaṁ varṇa-samāmnāye
tam oṁkāre svare nyaset
oṁkāraṁ bindau nāde taṁ
taṁ tu prāṇe mahaty amum

Sinônimos

indriyāni — os sentidos (funcionais e aqueles com os quais se adquire conhecimento); manasi — na mente; ūrmau — nas ondas da aceitação e rejeição; vāci — nas palavras; vaikārikam — contaminadas pelas mudanças; manaḥ — a mente; vācam — as palavras; varṇa-samāmnāye — em todos os alfabetos aglutinados; tam — este (agregado de todos os alfabetos); oṁkāre — na forma concisa, oṁkāra; svare — na vibração; nyaset — deve-se abandonar; oṁkāram — a vibração sonora concisa; bindau — no ponto do oṁkāra; nāde — na vibração sonora; tam — isto; tam — esta (vibração sonora); tu — na verdade; prāṇe — no ar vital; mahati — no Supremo; amum — a entidade viva.

Tradução

A mente sempre é agitada pelas ondas da aceitação e rejeição. Portanto, todas as atividades dos sentidos devem ser oferecidas na mente, que, por sua vez, deve ser oferecida nas palavras que a pessoa profere. Então, as palavras devem ser oferecidas em todos os alfabetos aglutinados, que devem ser oferecidos na forma concisa, o oṁkāra. O oṁkāra deve ser oferecido através do ponto bindu; o bindu, através da vibração sonora; essa vibração, através do ar vital. Então, a entidade viva, que é tudo o que resta, deve ser posta no Brahman, o Supremo. Esse é o processo de execução de sacrifício.

Comentário

SIGNIFICADOA mente sempre é agitada pela aceitação e rejeição, que são comparadas a ondas mentais tempestuosas. Devido ao seu esquecimento, a entidade viva está flutuando nas ondas da existência material. Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura, portanto, canta em seu Gītāvalī, miche māyāra vaśe, yāccha bhese’, khāccha hābuḍubu, bhāi: “Minha querida mente, sob a influência de māyā, estás sendo arrastada pelas ondas da aceitação e rejeição. Então, por que não te refugias em Kṛṣṇa?” Jīva kṛṣṇa-dāsa, ei viśvāsa, karle ta’ āra duḥkha nāi: caso simplesmente consideremos os pés de lótus de Kṛṣṇa como o nosso refúgio definitivo, nós nos salvaremos de todas essas ondas de māyā, que se manifestam variadamente como atividades mentais e sensuais e como a agitação provocada pela rejeição e aceitação. Na Bhagavad-gītā (18.66), Kṛṣṇa instrui:

sarva-dharmān parityajya
mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja
ahaṁ tvāṁ sarva-pāpebhyo
mokṣayiṣyāmi mā śucaḥ

“Abandona todas as variedades de religião e simplesmente rende-te a Mim. Eu te libertarei de toda reação pecaminosa. Não temas.” Portanto, se nos colocarmos aos pés de lótus de Kṛṣṇa, adotando a consciência de Kṛṣṇa e sempre nos mantendo em contato com Ele através do canto do mantra Hare Kṛṣṇa, não precisaremos nos dar ao trabalho de procurar algum meio para retornarmos ao mundo espiritual. Pela misericórdia de Śrī Caitanya Mahāprabhu, essa meta se torna muito fácil de ser alcançada.

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

Texto

agniḥ sūryo divā prāhṇaḥ
śuklo rākottaraṁ sva-rāṭ
viśvo ’tha taijasaḥ prājñas
turya ātmā samanvayāt

Sinônimos

agniḥ — fogo; sūryaḥ — Sol; divā — dia; prāhṇaḥ — o final do dia; śuklaḥ — a quinzena da lua cheia; rāka — a lua cheia no final de śukla-pakṣa; uttaram — o período em que o Sol passa para o norte; sva-rāṭ — o Brahman Supremo ou o senhor Brahmā; viśvaḥ — designação grosseira; atha — Brahmaloka, a última etapa do gozo material; taijasaḥ — designação sutil; prājñaḥ — a testemunha na designação causal; turyaḥ — transcendental; ātmā — a alma; samanvayāt — como consequência natural.

Tradução

Em seu caminho de ascensão, a entidade viva progressivamente ingressa nos diferentes mundos ígneos – o Sol, o dia, o final do dia, a quinzena da Lua cheia, a Lua cheia e a passagem do Sol pelo norte, juntamente com seus semideuses dirigentes. Ao entrar em Brahmaloka, ela goza da vida por muitos milhões de anos, e, por fim, sua designação material se acaba. Então, ela chega a uma designação sutil, da qual alcança a designação causal, testemunhando todos os estados anteriores. Com a aniquilação desse estado causal, ela alcança seu estado puro, no qual se identifica com a Superalma. Dessa maneira, a entidade viva se torna transcendental.

Texto

deva-yānam idaṁ prāhur
bhūtvā bhūtvānupūrvaśaḥ
ātma-yājy upaśāntātmā
hy ātma-stho na nivartate

Sinônimos

devayānam – o processo de elevação conhecido como deva-yāna; idam — neste caminho; prāhuḥ — está dito; bhūtvā bhūtvā — tendo repetidos nascimentos; anupūrvaśaḥ — consequentemente; ātma-yājī — alguém que está ansioso pela autorrealização; upaśānta-ātmā — completamente livre de todos os desejos materiais; hi — na verdade; ātma-sthaḥ — situado em seu próprio eu; na — não; nivartate — retorna.

Tradução

Este processo de elevação gradual rumo à autorrealização se reserva àqueles que estão verdadeiramente conscientes da Verdade Absoluta. Após repetidos nascimentos neste caminho, que é conhecido como deva-yāna, a pessoa alcança essas etapas consecutivas. Alguém que, completamente livre de todos os desejos materiais, está situado no eu, não precisa atravessar o caminho de repetidos nascimentos e mortes.

Texto

ya ete pitṛ-devānām
ayane veda-nirmite
śāstreṇa cakṣuṣā veda
jana-stho ’pi na muhyati

Sinônimos

yaḥ — aquele que; ete — neste caminho (como recomendado acima); pitṛ-devānām — conhecido como pitṛ-yāna e deva-yāna; ayane — neste caminho; veda-nirmite — recomendado nos Vedas; śāstreṇa — mediante o estudo regular das escrituras; cakṣuṣā — com olhos iluminados; veda — é plenamente cônscia; jana-sthaḥ — uma pessoa situada em um corpo material; api — muito embora; na — jamais; muhyati — se confunde.

Tradução

Muito embora situado em um corpo material, alguém que está plenamente inteirado dos caminhos conhecidos como pitṛ-yāna e deva-yāna, e que assim abre seus olhos para o conhecimento védico, jamais se confunde neste mundo material.

Comentário

SIGNIFICADOĀcāryavān puruṣo veda: se alguém é guiado pelo mestre espiritual genuíno, tudo o que ele conhece está de acordo com a interpretação dos Vedas, que estabelecem o padrão do conhecimento infalível. Como se recomenda na Bhagavad-gītā, ācāryopāsanam: quem deseja o conhecimento verdadeiro deve aproximar-se do ācārya. Tad-vijñānārthaṁ sa gurum evābhigacchet: ele deve aproximar-se do ācārya, pois, dessa maneira, receberá conhecimento perfeito. Guiado pelo mestre espiritual, ele alcança a meta última da vida.

Texto

ādāv ante janānāṁ sad
bahir antaḥ parāvaram
jñānaṁ jñeyaṁ vaco vācyaṁ
tamo jyotis tv ayaṁ svayam

Sinônimos

ādau — no começo; ante — no fim; janānām — de todas as entidades vivas; sat — sempre existindo; bahiḥ — externamente; antaḥ — internamente; para — transcendental; avaram — material; jñānam — conhecimento; jñeyam — o objetivo; vacaḥ — expressão; vācyam — o objeto definitivo; tamaḥ — escuridão; jyotiḥ — luz; tu — na verdade; ayam — este (o Senhor Supremo); svayam — Ele próprio.

Tradução

A Verdade Suprema é aquele que existe interna e externamente, no começo e no fim de tudo e de todos os seres vivos, e é aquele que é desfrutável e o desfrutador de tudo, superior e inferior. Ele sempre existe como o conhecimento e o objeto do conhecimento, como a expressão e o objeto da compreensão, como a escuridão e a luz. Deste modo, Ele, o Senhor Supremo, é tudo.

Comentário

SIGNIFICADOAqui, explica-se o aforismo védico sarvaṁ khalv idaṁ brahma, o qual também é explicado no catuḥ-ślokī do Bhāgavatam. Aham evāsam evāgre. O Senhor Supremo existia no começo, existe após a criação e mantém tudo, e, após a destruição, tudo imerge nEle, como se afirma na Bhagavad-gītā (prakṛtiṁ yānti māmikām). Assim, o Senhor Supremo, de fato, é tudo. No estado condicionado, nossa compreensão é confusa, mas, na fase de perfeita liberação, podemos entender que Kṛṣṇa é a causa de tudo.

īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ
sac-cid-ānanda-vigrahaḥ
anādir ādir govindaḥ
sarva-kāraṇa-kāraṇam

“Kṛṣṇa, conhecido como Govinda, é o controlador Supremo. Ele tem um corpo espiritual eterno e bem-aventurado. Ele é a origem de tudo. Ele não tem alguma origem extrínseca, pois Ele é a causa primordial de todas as causas.” (Brahma-saṁhitā 5.1) Essa é a perfeição do conhecimento.

Texto

ābādhito ’pi hy ābhāso
yathā vastutayā smṛtaḥ
durghaṭatvād aindriyakaṁ
tadvad artha-vikalpitam

Sinônimos

ābādhitaḥ — rejeitado; api — embora; hi — decerto; ābhāsaḥ — um reflexo; yathā — como; vastutayā — uma forma de realidade; smṛtaḥ — aceito; durghaṭatvāt — porque é dificílimo provar a realidade; aindriyakam — conhecimento obtido através dos sentidos; tadvat — igualmente; artha — realidade; vikalpitam — especulada ou duvidosa.

Tradução

Embora talvez se considere falso o reflexo que é produzido quando o Sol incide em um espelho, tal reflexo tem existência real. Assim, provar através do conhecimento especulativo que não há realidade seria algo extremamente difícil.

Comentário

SIGNIFICADOOs impersonalistas tentam provar que as muitas variedades vistas pelo filósofo empírico são falsas. Para exemplificar esse fato, a filosofia impersonalista, vivarta-vāda, geralmente cita o erro em que alguém incorre ao aceitar uma corda como sendo uma serpente. De acordo com este exemplo, as muitas variedades presentes no nosso campo visual são falsas, assim como uma corda tomada como sendo uma serpente é falsa. Entretanto, os vaiṣṇavas dizem que, embora seja falsa a ideia de que a corda é uma serpente, a serpente não é falsa; todos têm conhecimento de que a serpente existe e, portanto, sabe-se que, embora a representação da corda como uma serpente seja falsa ou ilusória, existe a serpente verdadeira. Igualmente, este mundo, que é cheio de variedades, não é falso; ele é um reflexo da realidade vivida no mundo Vaikuṇṭha, o mundo espiritual.

O reflexo produzido quando o sol incide em um espelho é simplesmente uma luz dentro da escuridão. Logo, embora ele não seja exatamente a luz do Sol, ele não existiria sem a luz do Sol. Do mesmo modo, as variedades deste mundo seriam impossíveis de existir a menos que houvesse um verdadeiro protótipo no mundo espiritual. O filósofo māyāvādī não pode entender isso, mas o verdadeiro filósofo deve estar convicto de que, sem ter como base a luz solar, a luz não é de maneira alguma possível. Portanto, o jogo de palavras usado pelo filósofo māyāvādī para provar que este mundo material é falso talvez impressione garotos inexperientes, mas um homem que tem conhecimento pleno sabe perfeitamente bem que, sem Kṛṣṇa, não pode haver existência alguma. Portanto, o vaiṣṇava não se afasta da plataforma na qual há sempre um meio de a pessoa aceitar Kṛṣṇa (tasmāt kenāpy upāyena manaḥ kṛṣṇe niveśayet).

Quando elevamos nossa fé imaculada aos pés de lótus de Kṛṣṇa, tudo é revelado. Na Bhagavad-gītā (7.1), Kṛṣṇa também diz:

mayy āsakta-manāḥ pārtha
yogaṁ yuñjan mad-āśrayaḥ
asaṁśayaṁ samagraṁ māṁ
yathā jñāsyasi tac chṛṇu

“Agora presta atenção, ó filho de Pṛthā, enquanto te explico como é que, praticando yoga com plena consciência de Mim, e com a mente apegada a Mim, poderás livrar-te das dúvidas e conhecer-Me por completo.” Pelo simples fato de despertar sua firme fé em Kṛṣṇa e em Suas instruções, a pessoa pode compreender a realidade sem qualquer dúvida (asaṁśayaṁ samagraṁ mām). Pode-se entender como as energias material e espiritual de Kṛṣṇa estão funcionando e como Ele está presente em toda parte, embora nem tudo seja Ele. Esta filosofia de acintya-bhedābheda, igualdade e diferença inconcebíveis, é a filosofia perfeita enunciada pelos vaiṣṇavas. Tudo emana de Kṛṣṇa, mas não é por isso que se deve pensar que tudo deve ser adorado. O conhecimento especulativo não pode dar-nos a realidade como ela é, senão que continuará sendo nefastamente imperfeito. Os assim chamados cientistas tentam provar que Deus não existe e que tudo acontece por causa das leis da natureza, mas esse conhecimento é imperfeito porque nada pode funcionar a menos que seja estipulado pela Suprema Personalidade de Deus. O próprio Senhor explica isso na Bhagavad-gītā (9.10):

mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ
sūyate sacarācaram
hetunānena kaunteya
jagad viparivartate

“Ó filho de Kuntī, esta natureza material funciona sob Minha direção e produz todos os seres móveis e inertes. Obedecendo-lhe ao comando, esta manifestação é criada e aniquilada repetidas vezes.” Com relação a isso, Śrīla Madhvācārya faz a seguinte observação: durghaṭatvād arthatvena parameśvareṇaiva kalpitam. O sustentáculo de tudo é a Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva. Vāsudevaḥ sarvam iti sa mahātmā sudurlabhaḥ. Pode entender isso o mahātmā cujo conhecimento é perfeito. Raramente se vê semelhante mahātmā.

Texto

kṣity-ādīnām ihārthānāṁ
chāyā na katamāpi hi
na saṅghāto vikāro ’pi
na pṛthaṅ nānvito mṛṣā

Sinônimos

kṣiti-ādīnām — dos cinco elementos, começando com a terra; iha — neste mundo; arthānām — desses cinco elementos; chāyā — sombra; na — nem; katamā — os quais; api — na verdade; hi — decerto; na — nem; saṅghātaḥ — combinação; vikāraḥ — transformação; api — embora; na pṛthak — não separados; na anvitaḥ — nem inerentes a; mṛṣā — nenhuma dessas teorias tem substância.

Tradução

Neste mundo, existem cinco elementos – a saber, terra, água, fogo, ar e éter –, mas o corpo não é um reflexo deles, nem uma combinação ou transformação deles. Porque o corpo e seus componentes não são nem distintos nem amalgamados, todas essas teorias são insubstanciais.

Comentário

SIGNIFICADOUma floresta decerto é uma transformação da terra, mas uma árvore não depende de outra; se uma delas é cortada, isso não significa que as outras são cortadas. Portanto, a floresta não é nem uma combinação nem uma transformação das árvores. A melhor explicação é dada pelo próprio Kṛṣṇa:

mayā tatam idaṁ sarvaṁ
jagad avyakta-mūrtinā
mat-sthāni sarva-bhūtāni
na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ

“Sob Minha forma imanifesta, Eu penetro este universo inteiro. Todos os seres estão em Mim, mas Eu não estou neles.” (Bhagavad-gītā 9.4) Tudo é uma expansão da energia de Kṛṣṇa. Como se diz, parāsya śaktir vividhaiva śrūyate: o Senhor tem energias múltiplas. As energias existem, e a Suprema Personalidade de Deus também existe simultaneamente; porque tudo é uma energia Sua, Ele é, ao mesmo tempo, igual a tudo e diferente de tudo. Portanto, nossas teorias especulativas segundo as quais o ātmā, a força vital, é uma combinação de matéria, a matéria é uma transformação da alma ou o corpo é uma parte da alma são todas insubstanciais.

Uma vez que todas as energias do Senhor existem concomitantemente, compete a todos entender a Suprema Personalidade de Deus. Porém, embora Ele seja tudo, Ele não está presente em tudo. Deve-se adorar o Senhor sob Sua forma original, Sua forma de Kṛṣṇa. Ele também pode apresentar-Se sob qualquer uma de Suas várias expansões de energia. Quando adoramos a Deidade do Senhor que foi instalada no templo, talvez alguém pense que a Deidade é pedra ou madeira. Acontece que, como não tem um corpo material, o Senhor Supremo não é pedra nem madeira; contudo, a pedra e a madeira não são diferentes dEle. Então, adorando pedra ou madeira, não obtemos resultado algum, mas, quando a pedra ou a madeira são apresentadas tal qual a forma original do Senhor, obteremos o resultado desejado ao adorarmos a Deidade. Substancia isso a filosofia de Śrī Caitanya Mahāprabhu, acintya-bhedābheda, que explica como o Senhor pode empregar uma de Suas formas de energia e Se apresentar em toda e qualquer parte para aceitar o serviço do Seu devoto.

Texto

dhātavo ’vayavitvāc ca
tan-mātrāvayavair vinā
na syur hy asaty avayaviny
asann avayavo ’ntataḥ

Sinônimos

dhātavaḥ — os cinco elementos; avayavitvāt — sendo a causa da concepção corpórea; ca — e; tat-mātra — os objetos dos sentidos (som, paladar, tato etc.); avayavaiḥ — as partes sutis; vinā — sem; na — não; syuḥ — podem existir; hi — na verdade; asati — irreais; avayavini — na formação do corpo; asan — não existindo; avayavaḥ — a parte do corpo; antataḥ — no final.

Tradução

Porque é formado de cinco elementos, o corpo não pode existir sem os objetos sensoriais sutis. Portanto, como o corpo é falso, os objetos dos sentidos naturalmente também são falsos ou temporários.

Texto

syāt sādṛśya-bhramas tāvad
vikalpe sati vastunaḥ
jāgrat-svāpau yathā svapne
tathā vidhi-niṣedhatā

Sinônimos

syāt — isto então se torna; sādṛśya — semelhança; bhramaḥ — engano; tāvat — enquanto; vikalpe — separada; sati — a parte; vastunaḥ — da substância; jāgrat — vigília; svāpau — sono; yathā — como; svapne — em um sonho; tathā — igualmente; vidhi-niṣedhatā — os princípios reguladores, que consistem em preceitos e proibições.

Tradução

Quando uma substância e suas partes são separadas, a aceitação de que há semelhança entre uma e outra se chama ilusão. Enquanto sonha, a pessoa cria uma separação entre as existências chamadas vigília e sono. É nesse estado mental que os princípios reguladores contidos nas escrituras e que consistem em preceitos e proibições são recomendados.

Comentário

SIGNIFICADONa existência material, existem muitos princípios reguladores e diversas formalidades. Se a existência material é temporária ou falsa, isso não significa que o mundo espiritual, embora semelhante, também seja falso. O fato de o corpo material de alguém ser falso ou temporário não significa que o corpo do Senhor Supremo também é falso ou temporário. O mundo espiritual realmente existe, e o mundo material se assemelha a ele. Por exemplo, em um deserto, às vezes vemos uma miragem, apesar do que, embora a água na miragem seja falsa, isso não significa que não exista água de verdade; a água existe, mas não no deserto. De modo análogo, neste mundo material, nada tem existência verdadeira, pois a realidade está no mundo espiritual. A forma do Senhor e Sua morada – Goloka Vṛndāvana nos planetas Vaikuṇṭha – são realidades eternas.

Através da Bhagavad-gītā, compreendemos que existe outra prakṛti, ou natureza, que é real. Isso é explicado pelo próprio Senhor no oitavo capítulo da Bhagavad-gītā (8.19-21):

bhūta-grāmaḥ sa evāyaṁ
bhūtvā bhūtvā pralīyate
rātry-āgame ’vaśaḥ pārtha
prabhavaty ahar-āgame
paras tasmāt tu bhāvo ’nyo
’vyakto ’vyaktāt sanātanaḥ
yaḥ sa sarveṣu bhūteṣu
naśyatsu na vinaśyati
avyakto ’kṣara ity uktas
tam āhuḥ paramāṁ gatim
yaṁ prāpya na nivartante
tad dhāma paramaṁ mama

“Repetidas vezes, quando chega o dia de Brahmā, todos os seres vivos passam a existir, e com a chegada de sua noite, eles são irremediavelmente aniquilados. Entretanto, há uma outra natureza imanifesta, que é eterna e transcendental a esta matéria manifesta e imanifesta. Ela é suprema e jamais é aniquilada. Quando todo este mundo é aniquilado, aquela região permanece inalterada. Essa morada suprema, chamada de imanifesta e infalível, é o destino supremo. Quando alguém vai até lá, jamais retorna. Essa é Minha morada suprema.” O mundo material é um reflexo do mundo espiritual. O mundo material é temporário ou falso, mas o mundo espiritual é uma realidade eterna.

Texto

bhāvādvaitaṁ kriyādvaitaṁ
dravyādvaitaṁ tathātmanaḥ
vartayan svānubhūtyeha
trīn svapnān dhunute muniḥ

Sinônimos

bhāva-advaitam — unidade na maneira de alguém considerar a vida; kriyā-advaitam — unidade em atividades; dravya-advaitam — unidade em diversas parafernálias; tathā — bem como; ātmanaḥ — da alma; vartayan — considerando; sva — sua própria; anubhūtyā — de acordo com a compreensão; iha — neste mundo material; trīn — as três; svapnān — condições de vida (vigília, sonho e sono); dhunute — abandona; muniḥ — o filósofo ou especulador.

Tradução

Após ponderar acerca da unidade que envolve a existência, a atividade e a parafernália e após compreender que o eu é diferente de todas as ações e reações, o especulador mental [muni], de acordo com a própria percepção que ele alcança, abandona os três estados de vigília, sonho e sono.

Comentário

SIGNIFICADOAs três palavras bhāvādvaita, kriyādvaita e dravyādvaita são explicadas nos versos seguintes. Contudo, para alcançar a perfeição, a pessoa deve abandonar toda a não-dualidade que existe na vida filosófica no mundo material e chegar à verdadeira vida de realidade que caracteriza o mundo espiritual.

Texto

kārya-kāraṇa-vastv-aikya-
darśanaṁ paṭa-tantuvat
avastutvād vikalpasya
bhāvādvaitaṁ tad ucyate

Sinônimos

kārya — o resultado ou o efeito; kāraṇa — a causa; vastu — substância; aikya — unidade; darśanam — observação; paṭa — o tecido; tantu — o fio; vat — como; avastutvāt — porque, em última análise, é irrealidade; vikalpasya — da distinção; bhāva-advaitam — o conceito de unidade; tat ucyate — isso é chamado.

Tradução

Ao compreender que o resultado e a causa são unos e que, assim como a ideia de que os fios de um tecido são diferentes do próprio tecido, a dualidade, em última análise, é irreal, a pessoa alcança o conceito de unidade chamado bhāvādvaita.

Texto

yad brahmaṇi pare sākṣāt
sarva-karma-samarpaṇam
mano-vāk-tanubhiḥ pārtha
kriyādvaitaṁ tad ucyate

Sinônimos

yat — aquilo que; brahmaṇi — ao Brahman Supremo; pare — transcendental; sākṣāt — diretamente; sarva — de todas; karma — as atividades; samarpaṇam — dedicação; manaḥ — com a mente; vāk — com as palavras; tanubhiḥ — e com o corpo; pārtha — ó Mahārāja Yudhiṣṭhira; kriyā-advaitam — unidade em atividades; tat ucyate — chama-se.

Tradução

Meu querido Yudhiṣṭhira [Pārtha], quando todas as atividades que alguém realiza com sua mente, palavras e corpo são diretamente dedicadas ao serviço à Suprema Personalidade de Deus, ele alcança unidade de atividades, chamada kriyādvaita.

Comentário

SIGNIFICADOO movimento da consciência de Kṛṣṇa está ensinando as pessoas como chegar à fase em que se dedica tudo ao serviço à Suprema Personalidade de Deus. Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (9.27):

yat karoṣi yad aśnāsi
yaj juhoṣi dadāsi yat
yat tapasyasi kaunteya
tat kuruṣva mad-arpaṇam

“Tudo o que fizeres, tudo o que comeres, tudo o que ofereceres ou deres para os outros, e quaisquer austeridades que executares – faze isso, ó filho de Kuntī, como uma oferenda a Mim.” Se tudo o que fizermos, tudo o que comermos, tudo o que pensarmos e planejarmos for em prol do avanço do movimento da consciência de Kṛṣṇa, isso será unidade. Não há diferença entre cantar em favor da consciência de Kṛṣṇa e trabalhar em favor da consciência de Kṛṣṇa. Na plataforma transcendental, essas atividades são unas. Porém, no que diz respeito a essa unidade, devemos ser guiados pelo mestre espiritual; não devemos inventar nossa própria unidade.

Texto

ātma-jāyā-sutādīnām
anyeṣāṁ sarva-dehinām
yat svārtha-kāmayor aikyaṁ
dravyādvaitaṁ tad ucyate

Sinônimos

ātma — de alguém; jāyā — esposa; suta-ādīnām — e filhos; anyeṣām — dos seus parentes etc.; sarva-dehinām — e de todos os outros seres vivos; yat — qualquer; sva-artha-kāmayoḥ — de sua meta e benefício últimos; aikyam — unidade; dravya-advaitam — unidade de interesse; tat ucyate — chama-se.

Tradução

Quando a meta e o interesse últimos de alguém, de sua esposa, de seus filhos, de seus parentes e de todos os outros seres vivos corporificados são unos, isso se chama dravyādvaita, ou unidade de interesse.

Comentário

SIGNIFICADOO verdadeiro interesse de todas as entidades vivas – na verdade, a meta da vida – é retornar ao lar, retornar ao Supremo. Esse é o interesse que deve governar a vida de um homem, de sua esposa, de seus filhos, de seus discípulos e de seus amigos, parentes, conterrâneos e de toda a humanidade. O movimento da consciência de Kṛṣṇa pode fornecer orientações normativas através das quais todos podem partilhar as atividades conscientes de Kṛṣṇa e alcançar a meta última, que é conhecida como svārtha-gatim. Esse objetivo para o qual deve convergir o interesse acalentado por todos é Viṣṇu, mas, como não sabem disso (na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇum), as pessoas fazem vários planos com os quais tentam satisfazer tantos interesses inventados ao longo da vida. O movimento da consciência de Kṛṣṇa está tentando incutir em todos o interesse máximo. Talvez o processo receba diferentes designações, mas, se a meta for uma, as pessoas devem segui-lo para alcançar a meta última da vida. Infelizmente, as pessoas estão voltadas a diferentes interesses, e os líderes cegos estão desorientando-as. Todos estão tentando alcançar a meta da felicidade material plena; porque não conhecem o que é felicidade plena, as pessoas se desviam para diferentes interesses materiais.

Texto

yad yasya vāniṣiddhaṁ syād
yena yatra yato nṛpa
sa teneheta kāryāṇi
naro nānyair anāpadi

Sinônimos

yat — tudo o que; yasya — de um homem; — ou; aniṣiddham — não proibido; syāt — é assim; yena — por esses meios; yatra — no lugar e no tempo; yataḥ — dos quais; nṛpa — ó rei; saḥ — tal pessoa; tena — mediante esse processo; īheta — deve realizar; kāryāṇi — atividades prescritas; naraḥ — uma pessoa; na — não; anyaiḥ — através de outros recursos; anāpadi — na ausência de perigo.

Tradução

Em condições normais, na ausência de perigo, ó rei Yudhiṣṭhira, todo homem, de acordo com seu status de vida, deve realizar suas atividades prescritas, utilizando os artigos, empenho, processos e residência que lhe não sejam proibidos, evitando terminantemente qualquer outro recurso.

Comentário

SIGNIFICADOEsta instrução é dada para os homens em todos os status de vida. De um modo geral, a sociedade se divide em brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas, śūdras, brahmacārīs, vānaprasthas, sannyāsīs e gṛhasthas. Todos devem agir de acordo com a sua posição e tentar satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, pois isso trará sucesso à vida de cada um. Isso foi instruído em Naimiṣāraṇya:

ataḥ pumbhir dvija-śreṣṭhā
varṇāśrama-vibhāgaśaḥ
svanuṣṭhitasya dharmasya
saṁsiddhir hari-toṣaṇam

“Ó melhor entre os duas vezes nascidos, conclui-se, portanto, que a perfeição máxima que alguém pode alcançar mediante o desempenho de seus deveres prescritos [dharma] de acordo com as divisões de casta e ordens de vida é satisfazer o Senhor Hari.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.2.13) Todos devem agir de acordo com seus deveres ocupacionais simplesmente para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Então, todos serão felizes.

Texto

etair anyaiś ca vedoktair
vartamānaḥ sva-karmabhiḥ
gṛhe ’py asya gatiṁ yāyād
rājaṁs tad-bhakti-bhāṅ naraḥ

Sinônimos

etaiḥ — através desses processos; anyaiḥ — através de outros processos; ca — e; veda-uktaiḥ — conforme constam nos textos védicos; vartamānaḥ — acatando; sva-karmabhiḥ — mediante seus deveres ocupacionais; gṛhe api — mesmo no lar; asya — do Senhor Kṛṣṇa; gatim — destino; yāyāt — pode alcançar; rājan — ó rei; tat-bhakti-bhāk — que presta serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus; naraḥ — toda pessoa.

Tradução

Ó rei, simplesmente para permanecer um devoto do Senhor Kṛṣṇa, a pessoa deve executar seus deveres ocupacionais de acordo com essas e outras instruções contidas na literatura védica. Assim, mesmo enquanto vive no aconchego do lar, ela será capaz de alcançar o destino.

Comentário

SIGNIFICADOA meta última da vida é Viṣṇu, Kṛṣṇa. Portanto, seja através dos princípios reguladores védicos, seja através de atividades materialistas, se alguém tenta alcançar como destino Kṛṣṇa, essa é a perfeição da vida. Kṛṣṇa deve ser a meta; em qualquer posição de vida, todos devem tentar alcançar Kṛṣṇa.

Kṛṣṇa aceita o serviço de toda e qualquer pessoa. Na Bhagavad-gītā (9.32), o Senhor diz:

māṁ hi pārtha vyapāśritya
ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ
striyo vaiśyās tathā śūdrās
te ’pi yānti parāṁ gatim

“Ó filho de Pṛthā, mesmo que sejam de nascimento inferior – as mulheres, os vaiśyas [comerciantes], bem como os śūdras [trabalhadores braçais] –, todos aqueles que se refugiam em Mim podem aproximar-se do destino supremo.” Não importa qual é a posição de alguém; se ele tiver como objetivo alcançar Kṛṣṇa através do cumprimento de seu serviço devocional executado com a orientação do mestre espiritual, sua vida será exitosa. Não se deve pensar que apenas os sannyāsīs, vānaprasthas e brahmacārīs podem alcançar Kṛṣṇa. O gṛhastha, o chefe de família, também pode alcançar Kṛṣṇa, contanto que ele se torne um devoto puro, livre de desejos materiais. Um exemplo disso é citado no verso seguinte.

Texto

yathā hi yūyaṁ nṛpa-deva dustyajād
āpad-gaṇād uttaratātmanaḥ prabhoḥ
yat-pāda-paṅkeruha-sevayā bhavān
ahāraṣīn nirjita-dig-gajaḥ kratūn

Sinônimos

yathā — como; hi — na verdade; yūyam — todos vós (Pāṇḍavas); nṛpa-deva — ó senhor dos reis, dos seres humanos e dos semideuses; dustyajāt — intransponíveis; āpat — condições perigosas; gaṇāt — de todas; uttarata — escapastes; ātmanaḥ — próprio; prabhoḥ — do Senhor; yat-pāda-paṅkeruha — cujos pés de lótus; sevayā — servindo; bhavān — vós mesmos; ahāraṣīt — executastes; nirjita — derrotando; dik-gajaḥ — os poderosíssimos inimigos, que eram como elefantes; kratūn — cerimônias ritualísticas.

Tradução

Ó rei Yudhiṣṭhira, devido ao serviço que prestastes à Suprema Personalidade de Deus, todos vós, os Pāṇḍavas, superastes os maiores perigos apresentados por numerosos reis e semideuses. Servindo aos pés de lótus de Kṛṣṇa, desbaratastes grandes inimigos, que eram como elefantes, e com isso coletastes ingredientes para o sacrifício. É meu desejo que, através da graça dEle, vós vos liberteis do envolvimento material.

Comentário

SIGNIFICADOApresentando-se como um chefe de família comum, Mahārāja Yudhiṣṭhira perguntou a Nārada Muni como é que um gṛha-mūḍha-dhī, uma pessoa que está enredada na vida familiar e que, então, permanece sendo um tolo, pode libertar-se. Nārada Muni dirigiu a Mahārāja Yudhiṣṭhira as seguintes palavras encorajadoras: “Já estás a salvo porque tu, juntamente com toda a tua família, tornastes-vos devotos puros de Kṛṣṇa.” Pela graça de Kṛṣṇa, os Pāṇḍavas triunfaram na Guerra de Kurukṣetra e se salvaram de muitos perigos apresentados não apenas por reis, mas, às vezes, até mesmo pelos semideuses. Portanto, eles são um exemplo prático de como viver em segurança e a salvo pela graça de Kṛṣṇa. Todos devem seguir o exemplo dos Pāṇḍavas, que mostraram como ficar a salvo pela graça de Kṛṣṇa. Nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa objetiva ensinar como todos podem viver pacificamente neste mundo material e, no fim da vida, regressar ao lar, regressar ao Supremo. No mundo material, sempre há perigos a cada passo (padaṁ padaṁ yad vipadāṁ na teṣām). Entretanto, caso alguém não hesite em se refugiar em Kṛṣṇa e caso se mantenha sob o refúgio de Kṛṣṇa, não terá dificuldade alguma de cruzar o oceano de ignorância. Samāśritā ye pada-pallava-plavaṁ mahat-padaṁ puṇya-yaśo murāreḥ. Para o devoto, este grande oceano de ignorância se torna como uma poça d’água que se forma na pegada de uma vaca. O devoto puro, sem se deixar embaraçar tentando descobrir várias maneiras de se elevar, permanece na mais segura posição de servo de Kṛṣṇa e, dessa maneira, não resta dúvida de que sua vida está eternamente a salvo.

Texto

ahaṁ purābhavaṁ kaścid
gandharva upabarhaṇaḥ
nāmnātīte mahā-kalpe
gandharvāṇāṁ susammataḥ

Sinônimos

aham — eu próprio; purā — outrora; abhavam — existia como; kaścit gandharvaḥ — um dos cidadãos de Gandharvaloka; upabarhaṇaḥ — Upabarhaṇa; nāmnā — chamado; atīte — há uma época muitíssimo remota; mahā-kalpe — em uma vida de Brahmā, que é conhecida como um mahā-kalpa; gandharvāṇām — entre os Gandharvas; su-sammataḥ — uma pessoa muito respeitável.

Tradução

Muitíssimo tempo atrás, em outro mahā-kalpa [milênio de Brahmā], eu existia como o Gandharva conhecido como Upabarhaṇa. Eu era muito respeitado pelos outros Gandharvas.

Comentário

SIGNIFICADOŚrīla Nārada Muni está descrevendo sua vida passada para que dela todos possam extrair um exemplo prático. Outrora, durante a vida anterior do senhor Brahmā, Nārada Muni foi um dos cidadãos de Gandharvaloka, mas, infelizmente, como será explicado, ele caiu da excelsa posição que detinha em Gandharvaloka, onde os habitantes são extremamente belos e hábeis em cantar, e se tornou um śūdra. Entretanto, devido à sua associação com os devotos, ele acabou sendo mais afortunado do que o era em Gandharvaloka. Muito embora os prajāpatis o houvessem amaldiçoado a tornar-se um śūdra, logo depois ele nasceu como filho do senhor Brahmā.

A palavra mahā-kalpe é descrita por Śrīla Madhvācārya como atīta-brahma-kalpe. Brahmā morre após uma vida de muitos milhões de anos. O dia de Brahmā é descrito na Bhagavad-gītā (8.17):

sahasra-yuga-paryantam
ahar yad brahmaṇo viduḥ
rātriṁ yuga-sahasrāntāṁ
te ’ho-rātra-vido janāḥ

“Pelo cálculo humano, quando se soma um total de mil eras, obtém-se a duração de um dia de Brahmā. E essa é também a duração de sua noite.” Bhagavān Śrī Kṛṣṇa pode lembrar-Se dos episódios transcorridos há milhões de anos. Do mesmo modo, um devoto puro como Nārada Muni também pode lembrar-se de incidentes ocorridos em uma vida passada que se deu há milhões e milhões de anos.

Texto

rūpa-peśala-mādhurya-
saugandhya-priya-darśanaḥ
strīṇāṁ priyatamo nityaṁ
mattaḥ sva-pura-lampaṭaḥ

Sinônimos

rūpa — beleza; peśala — formação corpórea; mādhurya — atratividade; saugandhya — muito fragrante, estando decorado com várias guirlandas de flores e polpa de sândalo; priya-darśanaḥ — muito belo de se ver; strīṇām — das mulheres; priya-tamaḥ — naturalmente atraídas; nityam — diariamente; mattaḥ — orgulhoso como um louco; sva-pura — em sua própria cidade; lampaṭaḥ — muito apegado às mulheres devido aos desejos luxuriosos.

Tradução

Eu tinha um rosto belo e uma compleição atraente e agradável. Decorado com guirlandas de flores e polpa de sândalo, eu era muito aprazível às mulheres de minha cidade. Então, eu me desorientava, sempre sentindo desejos luxuriosos.

Comentário

SIGNIFICADOAtravés da maneira como se descreve a beleza de Nārada Muni quando ele era um dos cidadãos de Gandharvaloka, parece que todos os indivíduos daquele planeta são extremamente belos e agradáveis e sempre estão decorados com flores e sândalo. Upabarhaṇa era o nome que Nārada Muni possuía então. Upabarhaṇa era especificamente hábil em se decorar para atrair a atenção das mulheres, e assim ele se tornou alguém dado aos prazeres, como se descreve no verso seguinte. Ser alguém que vive para gozar de sexo nesta vida é um grande infortúnio, pois quem sente demasiada atração pelas mulheres fatalmente terminará na companhia de śūdras, que gostam de tirar proveito da situação que lhes favorece o convívio irrestrito com mulheres. Nesta atual era de Kali, na qual as pessoas são mandāḥ sumanda-matayaḥ – muito perversas devido à sua mentalidade de śūdra –, esse convívio livre é muito proeminente. Entre as classes superiores – brāhmaṇa, kṣatriya e vaiśya –, não há nenhuma possibilidade de que os homens convivam livremente com as mulheres, mas, na comunidade śūdra, semelhante convívio acontece abertamente. Como não existe educação cultural nesta era de Kali, ninguém tem treinamento espiritual, de modo que todos devem ser considerados śūdras (aśuddhāśūdra-kalpā hi brāhmaṇāḥ kali-sambhavā). Quando todas as pessoas se tornam śūdras, decerto elas são muito medíocres (mandāḥ sumanda-matayaḥ). Assim, elas inventam seu próprio modo de vida, com o resultado de que gradualmente se tornam desventuradas (manda-bhāgyāḥ); além disso, sempre são incomodadas por várias circunstâncias.

Texto

ekadā deva-satre tu
gandharvāpsarasāṁ gaṇāḥ
upahūtā viśva-sṛgbhir
hari-gāthopagāyane

Sinônimos

ekadā — certa vez; deva-satre — em uma assembleia dos semideuses; tu — na verdade; gandharva — dos habitantes de Gandharvaloka; apsarasām — e das habitantes de Apsaroloka; gaṇāḥ — todos; upahūtāḥ — foram convidados; viśva-sṛgbhiḥ — pelos grandes semideuses conhecidos como prajāpatis; hari-gātha-upagāyane — por ocasião de um kīrtana promovido para que o Senhor Supremo fosse glorificado.

Tradução

Certa vez, em uma assembleia de semideuses, houve um festival de saṅkīrtana promovido para que o Senhor Supremo fosse glorificado, e os prajāpatis convidaram os Gandharvas e as Apsarās a participarem dele.

Comentário

SIGNIFICADO—Saṅkīrtana significa cantar o santo nome do Senhor. Diferentemente do que as pessoas às vezes possam pensar, o movimento Hare Kṛṣṇa não é um movimento novo. O movimento Hare Kṛṣṇa está presente em cada milênio da vida do senhor Brahmā, e se o santo nome é cantado em todos os sistemas planetários superiores, incluindo Brahmaloka e Candraloka, também é cantado em Gandharvaloka e Apsaroloka. O movimento de sakīrtana que, neste mundo, foi iniciado há quinhentos anos por Śrī Caitanya Mahāprabhu, portanto, não é um movimento novo. Às vezes, devido ao nosso infortúnio, este movimento é interrompido, mas Śrī Caitanya Mahāprabhu e Seus servos recomeçam o movimento para beneficiar o mundo inteiro, ou, na verdade, todo o universo.

Texto

ahaṁ ca gāyaṁs tad-vidvān
strībhiḥ parivṛto gataḥ
jñātvā viśva-sṛjas tan me
helanaṁ śepur ojasā
yāhi tvaṁ śūdratām āśu
naṣṭa-śrīḥ kṛta-helanaḥ

Sinônimos

aham — eu mesmo; ca — e; gāyan — cantando as glórias de outros semideuses em vez de glorificar o Senhor; tat-vidvān — conhecendo muito bem a arte de cantar; strībhiḥ — pelas mulheres; parivṛtaḥ — estando rodeado; gataḥ — fui até lá; jñātvā — sabendo bem; viśva-sṛjaḥ — os prajāpatis, a quem foi confiada a administração dos afazeres universais; tat — a atitude do meu canto; me — minha; helanam — negligência; śepuḥ — amaldiçoaram; ojasā — com muita força; yāhi — torna-te; tvam — tu; śūdratām — um śūdra; āsu — imediatamente; naṣṭa — desprovido de; śrīḥ — beleza; kṛta-helanaḥ — porque transgrediste a etiqueta.

Tradução

Nārada Muni prosseguiu: Tendo sido convidado para aquele festival, juntei-me, então, aos outros participantes e, rodeado por mulheres, comecei a celebrar musicalmente as glórias dos semideuses. Devido a isso, os prajāpatis, os grandes semideuses encarregados dos afazeres do universo, amaldiçoaram-me com estas palavras implacáveis: “Porque cometeste uma ofensa, ordenamos que te transformes imediatamente em um śūdra desprovido de beleza.”

Comentário

SIGNIFICADONo que diz respeito ao kīrtana, os śāstras preconizam que śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ: o indivíduo deve cantar as glórias do Senhor Supremo e o santo nome do Senhor Supremo. Afirma-se isso claramente. Śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ: deve-se cantar acerca do Senhor Viṣṇu e glorificá-lO, e não fazer isso para algum semideus. Infelizmente, existem os tolos que inventam algum processo de kīrtana com base no nome de algum semideus. Isso é uma ofensa. Kīrtana significa glorificar o Senhor Supremo, e não algum semideus. Às vezes, as pessoas inventam kālī-kīrtana ou śiva-kīrtana, e mesmo grandes sannyāsīs da escola māyāvāda dizem que se pode cantar qualquer nome e, ainda assim, obter o mesmo resultado. Aqui, no entanto, observamos que, há milhões e milhões de anos, quando era um Gandharva, Nārada Muni negligenciou a ordem de glorificar o Senhor e, enlouquecendo na associação com mulheres, começou a apresentar alguma outra glorificação. Assim, ele foi amaldiçoado a se tornar um śūdra. Sua primeira ofensa foi que, ao se juntar ao grupo de saṅkīrtana, ele estava acompanhado de mulheres luxuriosas, e outra ofensa foi que ele considerou as canções ordinárias, tais como as canções cinematográficas e outras canções desse tipo, como sendo o mesmo que saṅkīrtana. Por causa dessa ofensa, ele recebeu a punição de se tornar um śūdra.

Texto

tāvad dāsyām ahaṁ jajñe
tatrāpi brahma-vādinām
śuśrūṣayānuṣaṅgeṇa
prāpto ’haṁ brahma-putratām

Sinônimos

tāvat — porque fui amaldiçoado; dāsyām — no ventre de uma criada; aham — eu; jajñe — nasci; tatrāpi — embora (sendo um śūdra); brahma-vādinām — às pessoas versadas em conhecimento védico; śuśrūṣayā — prestando serviço; anuṣaṅgeṇa — simultaneamente; prāptaḥ — obtive; aham — eu; brahma-putratām — um nascimento como filho do senhor Brahmā (nesta vida).

Tradução

Embora ao nascer do ventre de uma criada eu tenha me tornado um śūdra, ocupei-me a serviço dos vaiṣṇavas que eram versados em conhecimento védico. Nesta vida, consequentemente, obtive a oportunidade de nascer como filho do senhor Brahmā.

Comentário

SIGNIFICADONa Bhagavad-gītā (9.32), a Suprema Personalidade de Deus diz:

māṁ hi pārtha vyapāśritya
ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ
striyo vaiśyās tathā śūdrās
te ’pi yānti parāṁ gatim

“Ó filho de Pṛthā, mesmo que sejam de nascimento inferior – as mulheres, os vaiśyas [comerciantes], bem como os śūdras [trabalhadores braçais] –, todos aqueles que se refugiam em Mim podem aproximar-se do destino supremo.” Não importa se alguém nasce como śūdra, mulher ou vaiśya; se ele não deixa de se associar com os devotos (sādhu-saṅgena), pode elevar-se à perfeição máxima. Nārada Muni está explicando isso tomando como referência a sua própria vida. O movimento de saṅkīrtana é importante, pois, independentemente do fato de alguém ser śūdra, vaiśya, mleccha, yavana ou algo assim, se ele se associar com um devoto puro, seguir-lhe as instruções e servi-lo, sua vida será exitosa. Isso é bhakti. Ānukūlyena kṛṣṇānuśīlanam. Bhakti consiste em alguém servir a Kṛṣṇa e a Seus devotos com uma atitude bem favorável. Anyābhilāṣitā-śūnyam. Se a pessoa tem apenas o desejo de servir a Kṛṣṇa e a Seu devoto, sua vida será bem-sucedida. Nārada Muni explica isso ao apresentar esse exemplo prático que se deu em sua própria vida.

Texto

dharmas te gṛha-medhīyo
varṇitaḥ pāpa-nāśanaḥ
gṛhastho yena padavīm
añjasā nyāsinām iyāt

Sinônimos

dharmaḥ — este processo religioso; te — a ti; gṛha-medhīyaḥ — embora apegado à vida familiar; varṇitaḥ — explicado (por mim); pāpa-nāśanaḥ — a destruição das reações pecaminosas; gṛhasthaḥ — alguém que está na vida familiar; yena — pelo qual; padavīm — a posição; añjasā — muito facilmente; nyāsinām — daqueles que estão na ordem de vida renunciada; iyāt — pode obter.

Tradução

O processo de cantar o santo nome do Senhor é tão poderoso que, através desse canto, até mesmo os chefes de família [gṛhasthas] podem obter muito facilmente o resultado último, alcançado por aqueles que estão na ordem renunciada. Mahārāja Yudhiṣṭhira, acabo de explicar-te este processo de religião.

Comentário

SIGNIFICADOIsso vem para reforçar o movimento da consciência de Kṛṣṇa. Todo aquele que participa deste movimento, não importando o que ele seja, pode ganhar o resultado máximo alcançado por um sannyāsī perfeito, a saber, brahma-jñāna (conhecimento espiritual). E o que é mais importante: ele pode avançar em serviço devocional. Mahārāja Yudhiṣṭhira pensava que, como ele era um gṛhastha, não havia esperança de ele se libertar, de modo que perguntou a Nārada Muni como poderia escapar do enredamento material. Mas Nārada Muni, citando um exemplo prático que se deu em sua própria vida, mostrou que, associando-se com os devotos e cantando o mantra Hare Kṛṣṇa, qualquer homem em qualquer condição de vida pode indubitavelmente alcançar a perfeição máxima.

Texto

yūyaṁ nṛ-loke bata bhūri-bhāgā
lokaṁ punānā munayo ’bhiyanti
yeṣāṁ gṛhān āvasatīti sākṣād
gūḍhaṁ paraṁ brahma manuṣya-liṅgam

Sinônimos

yūyam — todos vós, os Pāṇḍavas; nṛ-loke — neste mundo material; bata — na verdade; bhūri-bhāgāḥ — extremamente afortunados; lokam — todos os planetas do universo; punānāḥ — que podem purificar; munayaḥ — grandiosas pessoas santas; abhiyanti — vêm visitar (exatamente como pessoas comuns); yeṣām — de quem; gṛhān — a casa dos Pāṇḍavas; āvasati — reside em; iti — assim; sākṣāt — diretamente; gūḍham — muito íntimo; param — transcendental; brahma — o Parabrahman, Kṛṣṇa; manuṣya-liṅgam — como se fosse um ser humano comum.

Tradução

Meu querido Mahārāja Yudhiṣṭhira, vós, os Pāṇḍavas, sois tão afortunados neste mundo material que muitos e muitos grandes santos, que podem purificar todos os planetas do universo, vão à vossa casa exatamente como visitantes comuns. Ademais, Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, vive na intimidade de vossa casa, como se fosse vosso irmão.

Comentário

SIGNIFICADOEis uma afirmação que enaltece o vaiṣṇava. Na sociedade humana, o brāhmaṇa é a pessoa mais respeitada. Brāhmaṇa é aquele que pode compreender o Brahman, o Brahman impessoal, mas muito raramente alguém é capaz de entender a Suprema Personalidade de Deus, quem Arjuna descreve na Bhagavad-gītā como paraṁ brahma. O brāhmaṇa talvez seja muitíssimo afortunado por ter alcançado brahma-jñāna, mas os Pāṇḍavas eram tão elevados que o Parabrahman, a Suprema Personalidade de Deus, vivia em sua casa como um ser humano comum. A palavra bhūri-bhāgāḥ denota que a posição dos Pāṇḍavas era superior até mesmo à dos brahmacārīs e brāhmaṇas. Nos versos seguintes, Nārada Muni repetidas vezes glorifica a posição dos Pāṇḍavas.

Texto

sa vā ayaṁ brahma mahad-vimṛgya-
kaivalya-nirvāṇa-sukhānubhūtiḥ
priyaḥ suhṛd vaḥ khalu mātuleya
ātmārhaṇīyo vidhi-kṛd guruś ca

Sinônimos

saḥ — esta Suprema Personalidade de Deus; — ou; ayam — Kṛṣṇa; brahma — o Brahman Supremo; mahat-vimṛgya — buscado por grandes pessoas santas (devotos de Kṛṣṇa); kaivalya-nirvāṇa-sukha — da liberação e bem-aventurança transcendental; anubhūtiḥ — para a obtenção; priyaḥ — muito querido; suhṛt — o benquerente; vaḥ — de todos vós Pāṇḍavas; khalu — famoso como; mātuleyaḥ — o filho do vosso tio materno; ātmā — vida e alma; arhaṇīyaḥ — a pessoa mais adorável; vidhi-kṛt — dando orientações; guruḥ — vosso mestre espiritual; ca — e.

Tradução

Quão maravilhoso é que a Suprema Personalidade de Deus, o Parabrahman, Kṛṣṇa, que é buscado por grandiosíssimos sábios que almejam a liberação e a bem-aventurança transcendental, esteja agindo como vosso melhor benquerente, vosso amigo, vosso primo, vossa vida e alma, vosso orientador adorável e vosso mestre espiritual.

Comentário

SIGNIFICADOKṛṣṇa pode tornar-Se o orientador e mestre espiritual de todo aquele que é sério quanto a receber a misericórdia de Kṛṣṇa. O Senhor envia o mestre espiritual para treinar o devoto, e quando este se torna avançado, o Senhor age como o mestre espiritual dentro do seu coração.

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te

“Àqueles que estão constantemente devotados a Me servir com amor, Eu dou a compreensão pela qual eles podem vir a Mim.” (Bhagavad-gītā 10.10) Kṛṣṇa somente Se torna o mestre espiritual de alguém que esteja plenamente treinado pelo mestre espiritual que O representa. Portanto, como já comentamos, o mestre espiritual que é o representante do Senhor não deve ser considerado um ser humano comum. O mestre espiritual representante jamais transmite a seu discípulo algum conhecimento falso; ele lhe dá apenas o conhecimento perfeito. Logo, ele é o representante de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa ajuda como guru, ou mestre espiritual, interno e externo. Externamente, Ele ajuda o devoto através do Seu representante, ao passo que, internamente, Ele próprio fala com o devoto puro e lhe apresenta as instruções com as quais este pode retornar ao lar, retornar ao Supremo.

Texto

na yasya sākṣād bhava-padmajādibhī
rūpaṁ dhiyā vastutayopavarṇitam
maunena bhaktyopaśamena pūjitaḥ
prasīdatām eṣa sa sātvatāṁ patiḥ

Sinônimos

na — não; yasya — de quem (Senhor Śrī Kṛṣṇa); sākṣāt — diretamente; bhava — pelo Senhor Śiva; padma-ja-ādibhiḥ — pelo senhor Brahmā e por outros; rūpam — a forma; dhiyā — através da meditação; vastutayā — de fato; upavarṇitam — poderia ser explicada; maunena — com o silêncio; bhaktyā — com o serviço devocional; upaśamena — com o término de todas as atividades materiais; pūjitaḥ — aquele que é assim adorado; prasīdatām — que Ele fique satisfeito conosco; eṣaḥ — esta; saḥ — a mesma Personalidade de Deus; sātvatām — dos devotos; patiḥ — que é o mantenedor, mestre e guia.

Tradução

Presente aqui agora está a mesma Suprema Personalidade de Deus cuja forma verdadeira não pode ser compreendida nem mesmo por personalidades tão grandiosas como o senhor Brahmā e o senhor Śiva. Devido à sua rendição indesviável, os devotos conseguem compreendê-lO. Que essa mesma Personalidade de Deus, que mantém os Seus devotos e é adorado com silêncio, com serviço devocional e com a cessação das atividades materiais, fique satisfeito conosco.

Comentário

SIGNIFICADOSe o Senhor Kṛṣṇa não é apropriadamente entendido nem mesmo por personalidades tão elevadas como o senhor Śiva e o senhor Brahmā, o que dizer, então, de Ele ser entendido pelos homens comuns? Todavia, por Sua misericórdia imotivada, Ele outorga a Seus devotos a bênção da devoção, em decorrência do que eles podem entender Kṛṣṇa como Ele é. Bhaktyā mām abhijānāti yāvān yaś cāsmi tattvataḥ. Ninguém dentro deste universo pode realmente entender Kṛṣṇa, mas quem se ocupa em serviço devocional pode entendê-lO perfeitamente bem. O Senhor também confirma isso no sétimo capítulo da Bhagavad-gītā (7.1):

mayy āsakta-manāḥ pārtha
yogaṁ yuñjan mad-āśrayaḥ
asaṁśayaṁ samagraṁ māṁ
yathā jñāsyasi tac chṛṇu

“Agora presta atenção, ó filho de Pṛthā, enquanto te explico como é que, praticando yoga com plena consciência de Mim, e com a mente apegada a Mim, poderás livrar-te das dúvidas e conhecer-Me por completo.” O próprio Senhor Kṛṣṇa ensina como a pessoa pode afastar todas as dúvidas e entendê-lO perfeitamente bem. Não apenas os Pāṇḍavas, mas todos aqueles que aceitam sinceramente as instruções de Kṛṣṇa, podem entender a Suprema Personalidade de Deus como Ele é. Após instruir Yudhiṣṭhira Mahārāja, Nārada Muni ora para que o Senhor fique satisfeito com todos e outorgue a todos as Suas bênçãos, tornando-os perfeitos em consciência de Deus, podendo assim retornarem ao lar, retornarem ao Supremo.

Texto

śrī-śuka uvāca
iti devarṣiṇā proktaṁ
niśamya bharatarṣabhaḥ
pūjayām āsa suprītaḥ
kṛṣṇaṁ ca prema-vihvalaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; deva-ṛṣiṇā — pelo grande santo (Nārada Muni); proktam — descrito; niśamya — ouvindo; bharata-ṛṣabhaḥ — o melhor dos descendentes na dinastia de Bharata Mahārāja, a saber, Mahārāja Yudhiṣṭhira; pūjayām āsa — adorou; su-prītaḥ — estando extremamente satisfeito; kṛṣṇam — o Senhor Kṛṣṇa; ca — também; prema-vihvalaḥ — no êxtase do amor a Kṛṣṇa.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Mahārāja Yudhiṣṭhira, o melhor membro da dinastia Bharata, pôde, então, aprender tudo o que Nārada Muni descreveu. Após ouvir essas instruções, ele sentiu imenso prazer dentro do seu coração e, em grande êxtase, amor e afeição, adorou o Senhor Kṛṣṇa.

Comentário

SIGNIFICADOÉ natural que, ao descobrir que alguém que pertence ao seu círculo familiar é reconhecido como muito importante, a pessoa se encha de êxtase amoroso, pensando: “Oh, essa grande personalidade é meu parente!” Quando Śrī Kṛṣṇa, que já era conhecido dos Pāṇḍavas, foi melhor descrito por Nārada Muni como a Suprema Personalidade de Deus, os Pāṇḍavas naturalmente ficaram admirados, pensando: “A Suprema Personalidade de Deus está conosco como nosso primo!” Com certeza, o êxtase deles foi extraordinário.

Texto

kṛṣṇa-pārthāv upāmantrya
pūjitaḥ prayayau muniḥ
śrutvā kṛṣṇaṁ paraṁ brahma
pārthaḥ parama-vismitaḥ

Sinônimos

kṛṣṇa — Senhor Kṛṣṇa; pārthau — e Mahārāja Yudhiṣṭhira; upāmantrya — despedindo-se de; pūjitaḥ — sendo adorado por eles; prayayau — deixou (aquele lugar); muniḥ — Nārada Muni; śrutvā — após ficar sabendo; kṛṣṇam — a respeito de Kṛṣṇa; param brahma — como a Suprema Personalidade de Deus; pārthaḥ — Mahārāja Yudhiṣṭhira; parama-vismitaḥ — ficou muito surpreso.

Tradução

Nārada Muni, sendo adorado por Kṛṣṇa e Mahārāja Yudhiṣṭhira, despediu-se deles e partiu. Yudhiṣṭhira Mahārāja, tendo tomado conhecimento de que Kṛṣṇa, seu primo, é a Suprema Personalidade de Deus, ficou maravilhado.

Comentário

SIGNIFICADOSe após ouvir a conversa entre Nārada e Yudhiṣṭhira alguém ainda tiver quaisquer dúvidas sobre o fato de que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, ele deve imediatamente descartá-las. Asaṁśayaṁ samagram. Sem dúvida alguma e sem nenhum erro, todos devem entender que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus e, então, render-se a Seus pés de lótus. As pessoas comuns não adotam esse procedimento, nem mesmo após ouvir todos os Vedas, mas, se alguém é afortunado, chega a essa conclusão, mesmo que, para isso, possa levar muitos e muitos nascimentos (bahūnāṁ janmanām ante jñānavān māṁ prapadyate).

Texto

iti dākṣāyaṇīnāṁ te
pṛthag vaṁśāḥ prakīrtitāḥ
devāsura-manuṣyādyā
lokā yatra carācarāḥ

Sinônimos

iti — assim; dākṣāyaṇīnām — das filhas de Mahārāja Dakṣa, tais como Aditi e Diti; te — a ti; pṛthak — separadamente; vaṁśāḥ — as dinastias; prakīrtitāḥ — descritas (por mim); deva — os semideuses; asura — os demônios; manuṣya — e os seres humanos; ādyāḥ — e assim por diante; lokāḥ — todos os planetas dentro do universo; yatra — nos quais; cara-acarāḥ — entidades vivas móveis e inertes.

Tradução

Em todos os planetas dentro deste universo, as muitas variedades de entidades vivas, móveis e inertes, incluindo os semideuses, os demônios e os seres humanos, foram todas geradas a partir das filhas de Mahārāja Dakṣa. Acabo, então, de fazer a descrição delas e de suas diferentes dinastias.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do sétimo canto, décimo quinto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Instruções para Seres Humanos Civilizados”.

— Concluído na noite de Vaiśākhī Śukla Ekādaśī, no dia dez de maio de 1976, no templo do Pañcatattva, Nova Navadvīpa (Honolulu), pela misericórdia de śrī-kṛṣṇa-caitanya prabhu nityānanda śrī-advaita gadādhara śrīvāsādi-gaura-bhakta-vṛnda. Então, podemos alegremente cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare.

FIM DO SÉTIMO CANTO