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Capítulo Dezenove

 O Senhor Vāmanadeva Pede Caridade a Bali Mahārāja

Este décimo nono capítulo descreve como o Senhor Vāmanadeva pediu a caridade de três passos de terra, como Bali Mahārāja concordou com Sua proposta e como Śukrācārya proibiu Bali Mahā­rāja de satisfazer o pedido do Senhor Vāmanadeva.

Quando Bali Mahārāja, pensando que Vāmanadeva fosse o filho de um brāhmaṇa, disse-Lhe para pedir o que bem quisesse, o Senhor Vāmanadeva louvou as atividades heroicas de Hiraṇyakaśipu e Hiraṇyākṣa e, após louvar a família na qual Bali Mahārāja nascera, pediu ao rei três passos de terra. Bali Mahārāja concordou em dar essa caridade, uma vez que isso era algo muito insignificante, mas Śukrācārya, que pôde entender que Vāmanadeva era Viṣṇu, o amigo dos semideuses, proibiu Bali Mahārāja de fazer a doação dessa terra. Śukrācārya acon­selhou Bali Mahārāja a retirar sua promessa. Ele explicou que, para subjugar outros, para fazer pilhéria, para enfrentar perigos, para agir em prol do bem-estar alheio e assim por diante, é permitido recusar-se a cumprir uma promessa sem incorrer em nenhum erro. Através dessa filosofia, Śukrācārya tentou dissuadir Bali Mahārāja de doar a terra ao Senhor Vāmanadeva.

Texto

śrī-śuka uvāca
iti vairocaner vākyaṁ
dharma-yuktaṁ sa sūnṛtam
niśamya bhagavān prītaḥ
pratinandyedam abravīt

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; vairoca­neḥ — do filho de Virocana; vākyam — as palavras; dharma-yuktam — em termos de princípios religiosos; saḥ — Ele; sū-nṛtam — muito agradáveis; niśamya — ouvindo; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; prītaḥ — inteiramente satisfeito; pratinandya — felicitando-o; idam — as seguintes palavras; abravīt — disse.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Ao ouvir Bali Mahārāja falar dessa maneira tão agradável, a Suprema Personalidade de Deus, Vāmana­deva, ficou muito satisfeito, pois Bali Mahārāja falara em termos de princípios religiosos. O Senhor, então, começou a louvá-lo.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
vacas tavaitaj jana-deva sūnṛtaṁ
kulocitaṁ dharma-yutaṁ yaśas-karam
yasya pramāṇaṁ bhṛgavaḥ sāmparāye
pitāmahaḥ kula-vṛddhaḥ praśāntaḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; vacaḥ — palavras; tava — tuas; etat — esta espécie de; jana-deva — ó rei das pessoas; sū-nṛtam — muito verdadeiras; kula-ucitam — bem condizentes com a tua dinastia; dharma-yutam — completamente de acordo com os princípios religiosos; yaśaḥ-karam — propícias para espalhar a tua reputação; yasya — de quem; pramāṇam — a evidência; bhṛgavaḥ — os brāhmaṇas da dinastia Bhṛgu; sāmparāye — no próxi­mo mundo; pitāmahaḥ — teu avô; kula-vṛddhaḥ — o mais velho da fa­mília; praśāntaḥ — muito pacífico (Prahlāda Mahārāja).

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Na verdade, ó rei, és su­blime porque teus atuais conselheiros são brāhmaṇas descendentes de Bhṛgu e porque o instrutor de tua vida futura é teu avô, o pacífi­co e venerável Prahlāda Mahārāja. Tuas afirmações são a própria verdade, e elas concordam completamente com a etiqueta religiosa. Elas seguem a mesma linha de comportamento de tua família, e põem em relevo a tua reputação.

Comentário

SIGNIFICADO—Prahlāda Mahārāja é um vívido exemplo de devoto puro. Alguém poderia questionar que, como Prahlāda Mahārāja, embora muito velho, estava apegado à sua família, e especificamente ao seu neto Bali Mahārāja, de que maneira ele poderia ser um exemplo ideal? Portanto, este verso usa a palavra praśāntaḥ. O devoto é sempre sóbrio. Ele nunca se deixa perturbar por circunstância alguma. Mesmo o devoto que permanece na vida de gṛhastha e não renuncia às posses materiais deve ser tido como praśānta, sóbrio, devido à sua devoção pura ao Senhor. Śrī Caitanya Mahāprabhu, por conseguinte, disse:

kibā vipra, kibā nyāsī, śūdra kene naya
yei kṛṣṇa-tattva-vettā, sei ‘guru’ haya

“Quer alguém seja brāhmaṇa, sannyāsī ou śūdra – não importa o que seja –, pode tornar-se mestre espiritual se conhece a ciência de Kṛṣṇa.” (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 8.128) Independentemente da sua condi­ção de vida, todo aquele que conhece a fundo a ciência de Kṛṣṇa é um guru. Logo, em quaisquer circunstâncias, Prahlāda Mahārāja é um guru.

Aqui, Sua Onipotência Vāmanadeva também ensina aos san­nyāsīs e brahmacārīs que ninguém deve pedir mais do que o necessá­rio. Ele queria apenas três passos de terra, embora Bali Mahārāja estivesse disposto a dar-Lhe tudo o que Ele desejasse.

Texto

na hy etasmin kule kaścin
niḥsattvaḥ kṛpaṇaḥ pumān
pratyākhyātā pratiśrutya
yo vādātā dvijātaye

Sinônimos

na — não; hi — na verdade; etasmin — nesta; kule — na dinastia ou família; kaścit — ninguém; niḥsattvaḥ — tacanho; kṛpaṇaḥ — avaro; pumān — pessoa alguma; pratyākhyātā — recusa; pratiśrutya — após prometer dar; yaḥ vā — ou; adātā — não sendo caridosa; dvijātaye — com os brāhmaṇas.

Tradução

É do meu conhecimento que até hoje ninguém nascido em tua família revelou-se tacanho ou avaro. Ninguém jamais recusou fazer caridade aos brāhmaṇas, e, após prometer dá-la, ninguém deixou de cumprir sua promessa.

Texto

na santi tīrthe yudhi cārthinārthitāḥ
parāṅmukhā ye tv amanasvino nṛpa
yuṣmat-kule yad yaśasāmalena
prahrāda udbhāti yathoḍupaḥ khe

Sinônimos

na — não; santi — existem; tīrthe — nos lugares sagrados (onde se faz caridade); yudhi — no campo de batalha; ca — também; arthinā — por um brāhmaṇa ou kṣatriya; arthitāḥ — que foram solicitados; parāṅmukhāḥ — que recusaram seus pedidos; ye — essas pessoas; tu — na verdade; amanasvinaḥ — esses reis de baixo nível e de mentalida­de mesquinha; nṛpa — ó rei (Bali Mahārāja); yuṣmat-kule — em tua dinastia; yat — na qual; yaśasā amalena — por reputação impecável; prahrādaḥ — Prahlāda Mahārāja; udbhāti — surge; yathā — como; uḍupaḥ — a Lua; khe — no céu.

Tradução

Ó rei Bali, nunca em tua dinastia nasceu um rei de mentalidade mesquinha que, ao ser solicitado, recusasse fazer caridade aos brāhmaṇas nos lugares sagrados ou lutar com os kṣatriyas em um campo de batalha. E tua dinastia fica ainda mais gloriosa devido à presen­ça de Prahlāda Mahārāja, que é como a formosa Lua no céu.

Comentário

SIGNIFICADO—As características do kṣatriya são descritas na Bhagavad-gītā. Uma de suas qualificações é o desejo de fazer caridade (dāna). Um kṣatriya não se recusa a fazer caridade quando solicitado por um brāhmaṇa, tampouco se recusa a lutar com outro kṣatriya. O rei que se recusa é tido como alguém de mentalidade vil. Na dinastia de Bali Mahārāja, não havia reis com essa mentalidade desprezível.

Texto

yato jāto hiraṇyākṣaś
carann eka imāṁ mahīm
prativīraṁ dig-vijaye
nāvindata gadāyudhaḥ

Sinônimos

yataḥ — a dinastia na qual; jātaḥ — nasceu; hiraṇyākṣaḥ — o rei chamado Hiraṇyākṣa; caran — vagando; ekaḥ — sozinho; imām — esta; mahīm — superfície do globo; prativīram — um herói oponente; dik-vijaye — para conquistar todas as direções; na avindata — não pôde obter; gadā-āyudhaḥ — portando sua maça.

Tradução

Foi em tua dinastia que Hiraṇyākṣa nasceu. Carregando apenas sua maça, ele vagou pelo globo sozinho e, sem a ajuda de ninguém, conquistou todas as direções, sendo que nenhum herói que ele defron­tou pôde rivalizá-lo.

Texto

yaṁ vinirjitya kṛcchreṇa
viṣṇuḥ kṣmoddhāra āgatam
ātmānaṁ jayinaṁ mene
tad-vīryaṁ bhūry anusmaran

Sinônimos

yam — quem; vinirjitya — após conquistar; kṛcchreṇa — com muita dificuldade; viṣṇuḥ — o Senhor Viṣṇu, sob Sua encarnação de javali; kṣmā-uddhāre — no momento em que a Terra foi salva; āgatam — apresentou-se diante dEle; ātmānam — pessoalmente, Ele próprio; jayinam — vitorioso; mene — considerou; tat-vīryam — o poder de Hiraṇyākṣa; bhūri — constantemente, ou cada vez mais; anusmaran — pensando em.

Tradução

Enquanto salvava a Terra, tirando-a do Oceano Garbhodaka, o Senhor Viṣṇu, sob Sua encarnação de javali, matou Hiraṇyākṣa, que se apresentara diante dEle. Foi uma luta renhida, e o Senhor matou Hiraṇyākṣa com muita dificuldade. Mais tarde, ao analisar o poder incomum de Hiraṇyākṣa, o Senhor sentiu-Se muito vitorioso.

Texto

niśamya tad-vadhaṁ bhrātā
hiraṇyakaśipuḥ purā
hantuṁ bhrātṛ-haṇaṁ kruddho
jagāma nilayaṁ hareḥ

Sinônimos

niśamya — após ouvir; tat-vadham — sobre a morte de Hiraṇyākṣa; bhrātā — o irmão; hiraṇyakaśipuḥ — Hiraṇyakaśipu; purā — anteriormente; hantum — apenas para matar; bhrātṛ-haṇam — o exterminador do seu irmão; kruddhaḥ — muito irado; jagāma — foi; nilayam — à residência; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Quando Hiraṇyakaśipu ouviu a notícia da morte de seu irmão, ele, com grande ira, e desejoso de matar o Senhor Viṣṇu, foi à residência de Viṣṇu, o exterminador do seu irmão.

Texto

tam āyāntaṁ samālokya
śūla-pāṇiṁ kṛtāntavat
cintayām āsa kāla-jño
viṣṇur māyāvināṁ varaḥ

Sinônimos

tam — a ele (Hiraṇyakaśipu); āyāntam — adiantando-se; samālokya — observando minuciosamente; śūla-pāṇim — com um tridente em sua mão; kṛtānta-vat — assim como a morte personificada; cin­tayām āsa — pensou; kāla-jñaḥ — que conhece o fluxo do tempo; viṣṇuḥ — o Senhor Viṣṇu; māyāvinām — de todas as classes de místi­cos; varaḥ — o líder.

Tradução

Vendo Hiraṇyakaśipu adiantando-se com um tridente em sua mão e parecendo a morte personificada, o Senhor Viṣṇu, o melhor de todos os místicos e aquele que conhece o fluxo do tempo, pensou o seguinte.

Texto

yato yato ’haṁ tatrāsau
mṛtyuḥ prāṇa-bhṛtām iva
ato ’ham asya hṛdayaṁ
pravekṣyāmi parāg-dṛśaḥ

Sinônimos

yataḥ yataḥ — aonde quer que; aham — Eu; tatra — ali, na verdade; asau — este Hiraṇyakaśipu; mṛtyuḥ — morte; prāṇa-bhṛtām — de todas as entidades vivas; iva — assim como; ataḥ — portanto; aham — Eu; asya — dele; hṛdayam — no âmago do coração; pravekṣyāmi — entra­rei; parāk-dṛśaḥ — de uma pessoa que tem apenas visão externa.

Tradução

Aonde quer que Eu vá, Hiraṇyakaśipu Me seguirá, como a morte segue todas as entidades vivas. Portanto, é melhor que Eu entre no âmago de seu coração, pois assim, devido ao seu poder de ver apenas externamente, ele não Me verá.

Texto

evaṁ sa niścitya ripoḥ śarīram
ādhāvato nirviviśe ’surendra
śvāsānilāntarhita-sūkṣma-dehas
tat-prāṇa-randhreṇa vivigna-cetāḥ

Sinônimos

evam — dessa maneira; saḥ — Ele (Senhor Viṣṇu); niścitya — decidindo; ripoḥ — do inimigo; śarīram — no corpo; ādhāvataḥ — que se precipitava contra Ele muito impetuosamente; nirviviśe — entrou; asura-indra — ó rei dos demônios (Mahārāja Bali); śvāsa-anila — através da respira­ção; antarhita — invisível; sūkṣma-dehaḥ — em seu corpo sutil; tat­-prāṇa-randhreṇa — pelo orifício da narina; vivigna-cetāḥ — estando muito ansioso.

Tradução

O Senhor Vāmanadeva continuou: Ó rei dos demônios, após tomar essa decisão, o Senhor Viṣṇu entrou no corpo de Seu inimi­go Hiraṇyakaśipu, que muito impetuosamente precipitava-se contra Ele. Em um corpo sutil inconcebível para Hiraṇyakaśipu, o Senhor Viṣṇu, que estava em grande ansiedade, entrou pelas narinas de Hiraṇyakaśipu, juntamente com sua respiração.

Comentário

SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus já está no âmago do cora­ção de todos. Īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati (Bhagavad-gītā 18.61). Logicamente, portanto, não foi nem um pouco difícil para o Senhor Viṣṇu entrar no corpo de Hiraṇyakaśipu. A palavra vivigna­-cetāḥ, “muito ansioso”, é significativa. Não se deve pensar que o Senhor Viṣṇu temia Hiraṇyakaśipu; em vez disso, devido à compaixão, o Senhor Viṣṇu estava ansioso porque queria agir para o bem-estar dele.

Texto

sa tan-niketaṁ parimṛśya śūnyam
apaśyamānaḥ kupito nanāda
kṣmāṁ dyāṁ diśaḥ khaṁ vivarān samudrān
viṣṇuṁ vicinvan na dadarśa vīraḥ

Sinônimos

saḥ — esse Hiraṇyakaśipu; tat-niketam — a residência do Senhor Viṣṇu; parimṛśya — buscando; śūnyam — vazia; apaśyamānaḥ — não vendo o Senhor Viṣṇu; kupitaḥ — ficando muito irado; nanāda — bradou muito alto; kṣmām — na superfície da Terra; dyām — no espaço exterior; diśaḥ — em todas as direções; kham — no céu; vivarān — em todas as cavernas; samudrān — em todos os oceanos; viṣṇum — o Senhor Viṣṇu; vicinvan — procurando; na — não; dadar­śa — viu; vīraḥ — embora fosse muito poderoso.

Tradução

Ao ver que a residência do Senhor Viṣṇu estava vazia, Hiraṇyakaśipu começou a buscar o Senhor Viṣṇu em toda parte. Irado porque não conseguia vê-lO, Hiraṇyakaśipu emitia altos brados e esquadri­nhou todo o universo, incluindo a superfície da Terra, os sistemas planetários superiores, todas as direções e todas as cavernas e oceanos. Mas Hiraṇyakaśipu, o maior de todos os heróis, não avistou Viṣṇu em parte alguma.

Texto

apaśyann iti hovāca
mayānviṣṭam idaṁ jagat
bhrātṛ-hā me gato nūnaṁ
yato nāvartate pumān

Sinônimos

apaśyan — não O vendo; iti — dessa maneira; ha uvāca — pronun­ciou; mayā — por mim; anviṣṭam — foi procurado; idam — todo; jagat — o universo; bhrātṛ-hā — o Senhor Viṣṇu, que matou o irmão; me — meu; gataḥ — deve ter ido; nūnam — na verdade; yataḥ — de onde; na — não; āvartate — volta; pumān — uma pessoa.

Tradução

Incapaz de vê-lO, Hiraṇyakaśipu disse: “Esquadrinhei o universo inteiro, mas não consegui encontrar Viṣṇu, que matou meu irmão. Portanto, na certa Ele foi para aquele lugar do qual ninguém retorna. [Em outras palavras, já deve estar morto.]”

Comentário

SIGNIFICADO—De um modo geral, os ateístas seguem a conclusão filosófica bauddha, segundo a qual tudo se acaba na hora da morte. Hiraṇyakaśipu, sendo ateu, pensava dessa maneira. Porque o Senhor Viṣṇu não lhe era visível, ele pensou que o Senhor estava morto. Mesmo hoje em dia, muitas pessoas adotam a filosofia de que Deus está morto. Deus, no entanto, nunca está morto. Nem mesmo a entidade viva, que é parte de Deus, morre em algum momento. Na jāyate mriyate vā kadācit: “Para a alma, jamais existe nascimento ou morte.” Essa afirmação é da Bhagavad-gītā (2.20). Nem mesmo a entidade viva comum nasce ou morre. O que dizer, então, da Suprema Personalidade de Deus, que é a principal de todas as entidades vivas? É certo que Ele nunca nasce ou morre. Ajo ’pi sann avyayātmā (Bhagavad-gītā 4.6). Tanto o Senhor quanto a entidade viva existem como personalidades não-nascidas e imperecíveis. Logo, a conclusão de Hiraṇyakaśipu, segundo a qual Viṣṇu morrera, estava errada.

Como indicam as palavras yato nāvartate pumān, decerto existe o reino espiritual, e a entidade viva que vai para lá jamais retorna a este mundo. Isso também é confirmado na Bhagavad-gītā (4.9): tyaktvā dehaṁ punar janma naiti mām eti so ’rjuna. Sob o aspec­to material, toda entidade viva morre; a morte é inevitável. Porém, após a morte, aqueles que são karmīs, jñānīs e yogīs retornam a este mundo material, ao passo que os bhaktas não. É claro que, se um bhakta não é completamente perfeito, ele renasce no mundo material, mas em uma posição muito elevada – ou em família rica, ou em família de brāhmaṇas puros (śucīnām śrīmatāṁ gehe) – simplesmente para concluir o desenvolvimento de sua consciência espiri­tual. Aqueles que completaram o curso da consciência de Kṛṣṇa e estão livres do desejo material retornam à morada da Suprema Per­sonalidade de Deus (yad gatvā na nivartante tad dhāma paramaṁ mama). Aqui, confirma-se o mesmo fato: yato nāvartate pumān. Todo aquele que retorna ao lar, retorna ao Supremo, não regressa a este mundo material.

Texto

vairānubandha etāvān
āmṛtyor iha dehinām
ajñāna-prabhavo manyur
ahaṁ-mānopabṛṁhitaḥ

Sinônimos

vaira-anubandhaḥ — inimizade; etāvān — tamanha; āmṛtyoḥ — até o momento da morte; iha — nisto; dehinām — de pessoas demasiada­mente envoltas no conceito de vida corporal; ajñāna-prabhavaḥ — devido à grande influência da ignorância; manyuḥ — ira; aham-māna — pelo egotismo; upabṛṁhitaḥ — expandida.

Tradução

A ira de Hiraṇyakaśipu contra o Senhor Viṣṇu persistiu até a sua morte. Outras pessoas no conceito de vida corpórea mantêm-se iradas unicamente devido ao falso ego e à grande influência da ignorância.

Comentário

SIGNIFICADO—Falando em termos genéricos, muito embora a alma condiciona­da fique irada, sua ira não é perpétua, mas temporária, e se deve à influência da ignorância. Hiraṇyakaśipu, entretanto, guardou inimi­zade em relação ao Senhor Viṣṇu e manteve sua ira até a hora da morte. Ele nunca abandonou sua atitude vingativa para com Viṣṇu, pois não conseguia esquecer-se de que Viṣṇu matara o seu irmão, Hiraṇyakṣa. Outras pessoas no conceito de vida corpórea ficam iradas contra seus inimigos, mas não contra o Senhor Viṣṇu. Hiraṇyakaśipu, en­tretanto, estava sempre irado. Ele estava irado não apenas por causa do falso prestígio, mas também devido à sua contínua inimizade em relação a Viṣṇu.

Texto

pitā prahrāda-putras te
tad-vidvān dvija-vatsalaḥ
svam āyur dvija-liṅgebhyo
devebhyo ’dāt sa yācitaḥ

Sinônimos

pitā — pai; prahrāda-putraḥ — o filho de Mahārāja Prahlāda; te — teu; tat-vidvān — embora ele soubesse; dvija-vatsalaḥ — mesmo assim, devido à sua afinidade pelos brāhmaṇas; svam — sua própria; āyuḥ — duração de vida; dvija-liṅgebhyaḥ — que estavam vestidos de brāhmaṇas; devebhyaḥ — aos semideuses; adāt — concedeu; saḥ — ele; yāci­taḥ — sendo assim solicitado.

Tradução

Teu pai, Virocana, filho de Prahlāda Mahārāja, era muito afetuoso com os brāhmaṇas. Embora soubesse muito bem que eram os semi­deuses que vieram até ele vestidos de brāhmaṇas, a pedido deles, re­nunciou sua vida em benefício deles.

Comentário

SIGNIFICADO—Mahārāja Virocana, o pai de Bali Mahārāja, estava tão satisfei­to com a comunidade de brāhmaṇas que, muito embora soubesse que aqueles que dele se aproximavam em busca de caridade eram os semideuses vestidos de brāhmaṇas, concordou em fazer-lhes caridade.

Texto

bhavān ācaritān dharmān
āsthito gṛhamedhibhiḥ
brāhmaṇaiḥ pūrvajaiḥ śūrair
anyaiś coddāma-kīrtibhiḥ

Sinônimos

bhavān — tu; ācaritān — executaste; dharmān — princípios religiosos; āsthitaḥ — estando situado; gṛhamedhibhiḥ — por pessoas na vida familiar; brāhmaṇaiḥ — pelos brāhmaṇas; pūrva-jaiḥ — por teus antepassados; śūraiḥ — pelos grandes heróis; anyaiḥ ca — e por outros também; uddāma-kīrtibhiḥ — muito insignes e famosos.

Tradução

Também praticaste os princípios seguidos pelas grandes personali­dades que são brāhmaṇas pais de família, por teus antepassados, e por grandes heróis que são muito famosos devido às suas gloriosas atividades.

Texto

tasmāt tvatto mahīm īṣad
vṛṇe ’haṁ varadarṣabhāt
padāni trīṇi daityendra
sammitāni padā mama

Sinônimos

tasmāt — dessa pessoa; tvattaḥ — de Vossa Majestade; mahīm — terra; īṣat — muito pouca; vṛṇe — estou pedindo; aham — Eu; varada-ṛṣabhāt — da personalidade que é pródiga em fazer caridade; padāni — passos; trīṇi — três; daitya-indra — ó rei dos Daityas; sammitāni — na extensão de; padā — por um pé; mama — Meu.

Tradução

Ó rei dos Daityas, à Vossa Majestade, que vem de família tão nobre e que é capaz de fazer caridade muito generosamente, peço apenas três passos de terra, até onde alcancem Minhas passadas.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Vāmanadeva queria três passos de terra de acordo com a medida de Suas passadas. Ele não queria mais do que o necessá­rio. Porém, embora Ele Se fizesse passar por uma criança humana comum, Ele, na verdade, desejava a extensão territorial que compreendia os sistemas planetários superior, intermediário e inferior. Isso era simplesmente para mostrar quão poderosa é a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

nānyat te kāmaye rājan
vadānyāj jagad-īśvarāt
nainaḥ prāpnoti vai vidvān
yāvad-artha-pratigrahaḥ

Sinônimos

na — não; anyat — nada mais; te — a ti; kāmaye — peço; rājan — ó rei; vadānyāt — que és tão munificente; jagat-īśvarāt — que és o rei de todo o universo; na — não; enaḥ — aflição; prāpnoti — obtém; vai — na verdade; vidvān — alguém que é erudito; yāvat-artha — tanto quanto ele precisa; pratigrahaḥ — aceitando a caridade dos outros.

Tradução

Ó rei, controlador de todo o universo, embora sejas muito munificente e capaz de dar-Me tanta terra quanto Eu deseje, não quero de ti nada desnecessário. Se um brāhmaṇa erudito aceita dos outros apenas a caridade de que ele necessita, não se enreda em atividades pecaminosas.

Comentário

SIGNIFICADO—Um brāhmaṇa ou sannyāsī são qualificados para pedir caridade aos outros, mas, se aceitam mais do que o necessário, são passí­veis de punição. Deve-se tirar da propriedade do Senhor apenas o que for estritamente necessário. Indiretamente, o Senhor Vāmanadeva sugeriu a Bali Mahārāja que ele estava ocupando mais terra do que precisava. No mundo material, todas as aflições devem-se às ex­travagâncias. Há pessoas que obtêm dinheiro extravagantemente e, em seguida, esbanjam-no. Essas atividades são pecaminosas. Tudo pertence à Suprema Personalidade de Deus, e todos os seres vivos, que são filhos do Senhor Supremo, têm direito de usar a propriedade do pai supremo, mas ninguém pode tomar para si mais do que o neces­sário. Este princípio deve ser especialmente seguido pelos brāhmaṇas e sannyāsīs que vivem à custa de outros. Portanto, Vāmanadeva era um mendicante ideal, pois solicitou apenas três passos de terra. Evidentemente, existe muita diferença entre Seus passos e os passos de um ser humano comum. A Suprema Personalidade de Deus, através de Seu poder inconcebível, pode ocupar todo o universo, incluindo os sistemas planetários superior, inferior e inter­mediário, mediante a ilimitada distância coberta por Seus passos.

Texto

śrī-balir uvāca
aho brāhmaṇa-dāyāda
vācas te vṛddha-sammatāḥ
tvaṁ bālo bāliśa-matiḥ
svārthaṁ praty abudho yathā

Sinônimos

śrī-baliḥ uvāca — Bali Mahārāja disse; aho — oh!; brāhmaṇa-dāyāda — ó filho de brāhmaṇa; vācaḥ — as palavras; te — Tuas; vṛddha-sam­matāḥ — decerto são aceitáveis por parte de pessoas idosas e eruditas; tvam — Tu; bālaḥ — um menino; bāliśa-matiḥ — sem conhecimento o suficiente; sva-artham — interesse próprio; prati — em direção a; abudhaḥ — não conhecendo o bastante; yathā — como deveria ser.

Tradução

Bali Mahārāja disse: Ó filho de brāhmaṇa, Tuas instruções estão em nível de igualdade com as instruções de pessoas idosas e eruditas. Entretan­to, sendo um menino, Tua inteligência ainda é precária. Portanto, não és muito prudente no que diz respeito ao Teu interesse pessoal.

Comentário

SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus, sendo completo em Si mesmo, realmente nada tem a desejar em prol de Seu interesse pessoal. Portanto, não foi motivado por interesse pessoal que o Senhor Vāmanadeva dirigiu-Se a Bali Mahārāja. Como se afirma na Bhagavad-gītā (5.29), bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ sarva-loka-maheśvaram. O Senhor é o proprietário de todos os planetas, nos mundos material e espiri­tual. Por que Ele precisaria de terra? Bali Mahārāja agiu corretamente ao dizer que o Senhor Vāmanadeva não era nada prudente no que dizia respeito aos Seus interesses pessoais. Não foi visando ao Seu bem-estar pessoal, mas ao bem-estar de Seus devotos, que o Senhor Vāmanadeva aproximou-Se de Bali Mahārāja. Os devotos sacrificam todos os interesses pessoais para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, e, do mesmo modo, o Senhor Supremo, embora não tenha interesses pessoais, pode tomar qualquer atitude em prol do interesse dos Seus devotos. Aquele que é completo em si mesmo não tem interesses pessoais.

Texto

māṁ vacobhiḥ samārādhya
lokānām ekam īśvaram
pada-trayaṁ vṛṇīte yo
’buddhimān dvīpa-dāśuṣam

Sinônimos

mām — a mim; vacobhiḥ — com palavras doces; samārādhya — após satisfazer bastante; lokānām — de todos os planetas deste universo; ekam — o primeiro e único; īśvaram — mestre, controlador; pada-trayam — três pés; vṛṇīte — está pedindo; yaḥ — aquele que; abud­dhimān — não muito inteligente; dvīpa-dāśuṣam — porque Te posso dar uma ilha inteira.

Tradução

Tenho condições de dar-Te uma ilha inteira porque sou o proprie­tário das três divisões do universo. Vieste até aqui para levar algo de mim e me satisfizeste com Tuas doces palavras, mas estás pedindo somente três passos de terra. Portanto, não és muito inteligente.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com a compreensão védica, todo o universo é tido como um oceano espacial. Nesse oceano, existem inúmeros planetas, e cada planeta é chamado de dvīpa, ou ilha. Quando abordado pelo Senhor Vāmanadeva, Bali Mahārāja realmente possuía todas as dvīpas, ou ilhas no espaço. Bali Mahārāja ficou muito satisfeito de ver as feições de Vāmanadeva e prontificou-se a dar-Lhe tanta terra quanto Ele acaso pedisse. Como o Senhor Vāmanadeva pediu somente três passos de terra, Bali Mahārāja não O considerou muito inteligente.

Texto

na pumān mām upavrajya
bhūyo yācitum arhati
tasmād vṛttikarīṁ bhūmiṁ
vaṭo kāmaṁ pratīccha me

Sinônimos

na — não; pumān — pessoa alguma; mām — de mim; upavrajya — após aproximar-se; bhūyaḥ — novamente; yācitum — pedir; arhati — merece; tasmāt — portanto; vṛtti-karīm — adequada para manter-Te; bhūmim — essa terra; vaṭo — ó pequeno brahmacārī; kāmam — de acordo com as necessidades da vida; pratīccha — toma; me — de mim.

Tradução

Ó menininho, alguém que se aproxima de mim para pedir algo não precisará pedir nada mais em parte alguma. Portanto, se assim o desejas, podes pedir-me tanta terra quanto seja suficiente para suprir Tuas necessidades.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
yāvanto viṣayāḥ preṣṭhās
tri-lokyām ajitendriyam
na śaknuvanti te sarve
pratipūrayituṁ nṛpa

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; yāvantaḥ — tanto quanto possível; viṣayāḥ — os objetos de gozo dos sentidos; preṣṭhāḥ — agradáveis a qualquer pessoa; tri-lokyām — dentro desses três mundos; ajita-indriyam — uma pessoa que não é autocontrolada; na śaknuvanti — são incapazes; te — todos aqueles; sarve — reunidos; pratipūrayitum — de satisfazer; nṛpa — ó rei.

Tradução

A Personalidade de Deus disse: Ó meu querido rei, nem mesmo a totalidade do que quer que exista dentro dos três mundos capaz de satisfazer os sentidos de alguém pode satisfazer aquele cujos sen­tidos são descontrolados.

Comentário

SIGNIFICADO—O mundo material é uma energia ilusória que desvia as entidades vivas do caminho da autorrealização. Todo aquele que vive dentro deste mundo material está sempre extremamente ansioso por conseguir situa­ções cada vez melhores, capazes de lhe conceder o gozo dos sentidos. Na verdade, entretanto, o propósito da vida não é o gozo dos sentidos, mas a autorrealização. Portanto, àqueles que se entregam ao gozo dos sentidos, aconselha-se que pratiquem o sistema de yoga místico, ou o sistema de aṣṭāṅga-yoga, que consiste em yama, niyama, āsana, prāṇāyāma, pratyāhāra e assim por diante. Dessa maneira, podem-se controlar os sentidos. O propósito de alguém controlar os sentidos é que ele possa extinguir sua sujeição ao ciclo de nascimentos e mortes. Como afirma Ṛṣabhadeva:

nūnaṁ pramattaḥ kurute vikarma
yad indriya-prītaya āpṛṇoti
na sādhu manye yata ātmano ’yam
asann api kleśada āsa dehaḥ

“Ao considerar que o gozo dos sentidos é a meta da vida, com certeza a pessoa fica louca por vida materialista e ocupa-se em toda espécie de atividades pecaminosas. Ela não sabe que, devido a seus erros passados, já recebeu um corpo que, embora temporário, é a causa de seu sofrimento. Na verdade, a entidade viva não precisaria re­ceber nenhum corpo material, mas, para obter gozo dos sentidos, ela ganhou um corpo material. Portanto, acho que não é digno de um homem inteligente envolver-se de novo em atividades de gozo dos sentidos devido às quais continuará perpetuamente recebendo corpos materiais, um após o outro.” (Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.4)

Logo, de acordo com Ṛṣabhadeva, os seres humanos neste mundo material são exatamente como pessoas insanas ocupadas em atividades que não lhes convêm executar, apesar do que as executam apenas para tentar satisfazer seus sentidos. Essas atividades não são vantajosas porque, através delas, a pessoa cria outro corpo, que receberá em sua próxima vida como uma punição consequente às suas atividades nefárias. E logo que obtém outro corpo material, ela se submete a repetidos sofrimentos na exis­tência material. Portanto, a cultura védica ou a cultura bramânica ensina que a pessoa deve contentar-se com as necessidades mínimas da vida.

Para ensinar essa cultura superior, recomenda-se que se adote o varṇāśrama-dharma. A meta das divisões do varṇāśrama – brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya, śūdra, brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa – é treinar a pessoa a controlar os sentidos e a aprender a contentar-se com as necessidades básicas. Aqui, o Senhor Vāmana­deva, como um brahmacārī ideal, recusa-Se a receber de Bali Mahā­rāja a oferta através da qual este propõe dar ao Senhor tudo o que Ele desejar. Ele diz que, sem contentamento, ninguém pode ser feliz, nem mesmo alguém que possua o mundo inteiro ou o universo inteiro. Na sociedade humana, portanto, a cultura bramânica, a cultura kṣatriya e a cultura vaiśya devem ser mantidas, e a população deve aprender a ficar satisfeita somente com aquilo de que precisa. Na ci­vilização moderna, não existe semelhante educação; todos tentam possuir mais e mais, e todos estão insatisfeitos e infelizes. O movimento da consciência de Kṛṣṇa, portanto, está estabelecendo várias fazen­das, especialmente nos Estados Unidos, para mostrar como se pode ser feliz e contente satisfazendo as necessidades mínimas da vida e poupando tempo para a autorrealização, que é muito facilmente aces­sível através do canto do mahā-mantra – Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare.

Texto

tribhiḥ kramair asantuṣṭo
dvīpenāpi na pūryate
nava-varṣa-sametena
sapta-dvīpa-varecchayā

Sinônimos

tribhiḥ — três; kramaiḥ — pelos passos; asantuṣṭaḥ — aquele que é insatisfeito; dvīpena — com uma ilha completa; api — embora; na pūrya­te — não pode ficar satisfeito; nava-varṣa-sametena — mesmo possuindo nove varṣas; sapta-dvīpa-vara-icchayā — por causa do desejo de tomar posse de sete ilhas.

Tradução

Se Eu não Me satisfizesse com três passos de terra, então, decerto não ficaria satisfeito nem mesmo caso possuísse uma das sete ilhas, que consiste em nove varṣas. Mesmo se Eu possuísse uma ilha, desejaria obter outras.

Texto

sapta-dvīpādhipatayo
nṛpā vaiṇya-gayādayaḥ
arthaiḥ kāmair gatā nāntaṁ
tṛṣṇāyā iti naḥ śrutam

Sinônimos

sapta-dvīpa-adhipatayaḥ — aqueles que são proprietários das sete ilhas; nṛpāḥ — esses reis; vaiṇya-gaya-ādayaḥ — Mahārāja Pṛthu, Mahārāja Gaya e outros; arthaiḥ — para saciar a ambição; kāmaiḥ — para satisfazer seus desejos; gatāḥ na — não puderam alcançar; antam — o término; tṛṣṇāyāḥ — de suas ambições; iti — assim; naḥ — por Nós; śrutam — foi ouvido.

Tradução

É do Nosso conhecimento que, apesar de tomarem posse das sete dvīpas, reis po­derosos, tais como Mahārāja Pṛthu e Mahārāja Gaya, não puderam ficar satisfeitos nem saciaram suas ambições.

Texto

yadṛcchayopapannena
santuṣṭo vartate sukham
nāsantuṣṭas tribhir lokair
ajitātmopasāditaiḥ

Sinônimos

yadṛcchayā — conforme é oferecido pela autoridade suprema de acordo com o karma da pessoa; upapannena — com aquilo que é obtido; santuṣṭaḥ — a pessoa deve ficar satisfeita; vartate — existe; sukham — felicidade; na — não; asantuṣṭaḥ — alguém que está insatisfeito; tribhiḥ lokaiḥ — nem mesmo que possua os três mundos; ajita-ātmā — aquele que não pode controlar os sentidos; upasāditaiḥ — muito embora se obtenham.

Tradução

Todos devem satisfazer-se com aquilo que lhe é reservado por seu destino, pois o descontentamento jamais pode trazer felicidade. Aquele que não é autocontrolado não será feliz, nem mesmo caso possua os três mundos.

Comentário

SIGNIFICADO—Visto que a felicidade é a meta última da vida, a pessoa deve ficar satisfeita com a posição na qual a providência a colocou. Prahlāda Mahārāja ensina da mesma maneira:

sukham aindriyakaṁ daityā
deha-yogena dehinām
sarvatra labhyate daivād
yathā duḥkham ayatnataḥ

“Meus queridos amigos nascidos de famílias demoníacas, a felicidade que o corpo propicia mediante a intervenção dos sentidos está disponí­vel nas diversas formas de vida obtidas de acordo com as atividades fruitivas passadas. Assim como o sofrimento, tal felicidade surge auto­maticamente, não sendo necessário que se busque por ela.” (Śrīmad-Bhāgavatam 7.6.3) Essa filosofia é perfeita no que diz respeito à obtenção da felicidade.

A Bhagavad-gītā (6.21) descreve a verdadeira felicidade:

sukham ātyantikaṁ yat tad
buddhi-grāhyam atīndriyam
vetti yatra na caivāyaṁ
sthitaś calati tattvataḥ

“Neste estado jubiloso, a pessoa situa-se em felicidade transcendental ilimitada, percebida através de sentidos transcendentais. Nesse caso, jamais se afasta da verdade.” Deve-se perceber a felicidade através dos supersentidos. Os supersentidos não são os sentidos constituídos de elementos materiais. Todos somos seres espirituais (ahaṁ brahmāsmi), e cada um de nós é um ser individual. Nossos sentidos estão agora cobertos por ele­mentos materiais, e, devido à ignorância, consideramos verdadeiros os sentidos materiais que nos cobrem. No entanto, os verdadeiros sentidos estão cobertos pela matéria. Dehino ’smin yathā dehe. Os sentidos espirituais estão dentro da cobertura formada de elementos materiais. Sarvopādhi-vinirmuktaṁ tat-paratvena nirmalam: podemos ser felizes quando despertamos os sentidos espirituais. Descreve-se, desta maneira, a satisfação dos sentidos espirituais: hṛṣīkeṇa hṛṣīkeśa-sevanaṁ bhaktir ucyate. Ao ocuparmos os sentidos no serviço devocional a Hṛṣīkeśa, eles estarão completamente satisfeitos. Pode-se tentar satisfazer os sentidos materiais, mas a felicidade nunca será pos­sível sem tal conhecimento superior de gozo dos sentidos. Pode-se aumentar a ambição pelo gozo dos sentidos e até mesmo alcançar o que se deseja para o gozo desses sentidos, mas, porque isso está na plataforma material, nunca se alcançará a satisfação e o contentamento.

De acordo com a cultura bramânica, a pessoa deve estar satisfeita com tudo que obtém sem esforço especial e deve cultivar a consciên­cia espiritual. Ela, então, será feliz. O propósito do movimento da consciência de Kṛṣṇa é difundir esse critério. Pessoas que não têm conhecimento espiritual científico consideram erroneamente que os membros do movimento da consciência de Kṛṣṇa são escapistas tentando evitar as atividades materiais. Entretanto, o fato é que nos ocupamos em verdadeiras atividades para a obtenção da fe­licidade mais elevada da vida. Caso alguém não seja treinado em sa­tisfazer os sentidos espirituais e continue desfrutando do gozo dos sentidos materiais, nunca obterá felicidade eterna e bem-aventurada. Portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam (5.5.1) recomenda:

tapo divyaṁ putrakā yena sattvaṁ
śuddhyed yasmād brahma-saukhyaṁ tv anantam

A pessoa deve praticar austeridade para que a sua existência se purifique e ela alcance uma vida de ilimitada bem-aventurança.

Texto

puṁso ’yaṁ saṁsṛter hetur
asantoṣo ’rtha-kāmayoḥ
yadṛcchayopapannena
santoṣo muktaye smṛtaḥ

Sinônimos

puṁsaḥ — da entidade viva; ayam — esta; saṁsṛteḥ — da continuação da existência material; hetuḥ — a causa; asantoṣaḥ — insatisfação com as conquistas que lhe estão destinadas; artha-kāmayoḥ — com o propósito de saciar desejos luxuriosos ou de obter mais e mais dinheiro; yadṛcchayā — com a dádiva do destino; upapannena — que foi alcançada; santoṣaḥ — satisfação; muktaye — para a liberação; smṛtaḥ — é considerada apta.

Tradução

A existência material produz descontentamento porque a pessoa não satisfaz seus desejos luxuriosos e sempre quer acumular cada vez mais dinheiro. É por causa disso que ela continua na vida mate­rial, que está repleta de repetidos nascimentos e mortes. Mas aquele que se satisfaz com aquilo que lhe reserva o destino está apto a liber­tar-se desta existência material.

Texto

yadṛcchā-lābha-tuṣṭasya
tejo viprasya vardhate
tat praśāmyaty asantoṣād
ambhasevāśuśukṣaṇiḥ

Sinônimos

yadṛcchā-lābha-tuṣṭasya — que é satisfeito com aquilo que é obtido pela graça de Deus; tejaḥ — a refulgência brilhante; viprasya — de um brāhmaṇa; vardhate — aumenta; tat — esta (refulgência); praśāmyati — diminui; asantoṣāt — devido à insatisfação; ambhasā — derramando água; iva — como; āśuśukṣaṇiḥ — um fogo.

Tradução

Um brāhmaṇa satisfeito com aquilo que lhe aparece naturalmente é cada vez mais iluminado com poder espiritual, mas a potência es­piritual de um brāhmaṇa insatisfeito diminui, assim como diminui a potência do fogo sobre o qual se derrama água.

Texto

tasmāt trīṇi padāny eva
vṛṇe tvad varadarṣabhāt
etāvataiva siddho ’haṁ
vittaṁ yāvat prayojanam

Sinônimos

tasmāt — por estar satisfeito com aquilo que é facilmente obtenível; trīṇi — três; padāni — passos; eva — na verdade; vṛṇe — peço; tvat — a ti; varada-ṛṣabhāt — que és um munificente benfeitor; etāvatā eva — com essa mera doação; siddhaḥ aham — sentirei satisfação plena; vittam — conquista; yāvat — tanto quanto; prayojanam — é necessária.

Tradução

Portanto, ó rei, ó melhor dentre aqueles que fazem caridade, peço-te apenas três passos de terra. Com essa dádiva, ficarei muito satisfeito, pois o segredo da felicidade é estar plenamente satisfeito em receber aquilo que é imprescindível.

Texto

śrī-śuka uvāca
ity uktaḥ sa hasann āha
vāñchātaḥ pratigṛhyatām
vāmanāya mahīṁ dātuṁ
jagrāha jala-bhājanam

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; iti uktaḥ — sendo assim interpelado; saḥ — ele (Bali Mahārāja); hasan — sorrindo; āha — disse; vāñchātaḥ — como desejaste; pratigṛhyatām — agora leva de mim; vāmanāya — ao Senhor Vāmana; mahīm — terra; dātum — para dar; jagrāha — pegou do; jala-bhājanam — cântaro.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Depois que a Suprema Personali­dade de Deus dirigiu essas palavras a Bali Mahārāja, Bali sorriu e Lhe disse: “Muito bem. Leva tudo o que desejares.” Para confir­mar a promessa de que realmente daria a Vāmanadeva a terra de­sejada, ele empunhou seu cântaro.

Texto

viṣṇave kṣmāṁ pradāsyantam
uśanā asureśvaram
jānaṁś cikīrṣitaṁ viṣṇoḥ
śiṣyaṁ prāha vidāṁ varaḥ

Sinônimos

viṣṇave — ao Senhor Viṣṇu (Vāmanadeva); kṣmām — a terra; pradāsyantam — que estava pronto a entregar; uśanāḥ — Śukrācārya; asura-īśvaram — ao rei dos demônios (Bali Mahārāja); jānan — conhecendo bem; cikīrṣitam — qual era o plano; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; śiṣyam — ao seu discípulo; prāha — disse; vidām varaḥ — o melhor daqueles que tudo sabem.

Tradução

Compreendendo as intenções do Senhor Viṣṇu, Śukrācārya, o melhor dos eruditos, imediatamente falou da seguinte maneira ao seu discípulo, que estava prestes a oferecer tudo ao Senhor Vāmana­deva.

Texto

śrī-śukra uvāca
eṣa vairocane sākṣād
bhagavān viṣṇur avyayaḥ
kaśyapād aditer jāto
devānāṁ kārya-sādhakaḥ

Sinônimos

śrī-śukraḥ uvāca — Śukrācārya disse; eṣaḥ — este (menino em forma de anão); vairocane — ó filho de Virocana; sākṣāt — diretamente; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; viṣṇuḥ — Senhor Viṣṇu; avyayaḥ — sem deterioração; kaśyapāt — do Seu pai, Kaśyapa; aditeḥ — no ventre de Sua mãe, Aditi; jātaḥ — nasceu; devānām — dos semideuses; kārya-sādhakaḥ — trabalhando no interesse.

Tradução

Śukrācārya disse: Ó filho de Virocana, este brahmacārī em forma de anão é diretamente a imperecível Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu. Aceitando Kaśyapa Muni como Seu pai e Aditi como Sua mãe, Ele acaba de aparecer a fim de atender os interesses dos se­mideuses.

Texto

pratiśrutaṁ tvayaitasmai
yad anartham ajānatā
na sādhu manye daityānāṁ
mahān upagato ’nayaḥ

Sinônimos

pratiśrutam — prometido; tvayā — por ti; etasmai — a Ele; yat anartham — que é repugnante; ajānatā — por ti que não tens conhecimen­to; na — não; sādhu — muito bom; manye — creio; daityānām — dos demônios; mahān — grande; upagataḥ — foi alcançada; anayaḥ — desventura.

Tradução

Desconheces a perigosa situação que aceitaste ao prometer-Lhe uma doação de terras. Não creio que essa promessa seja boa para ti. Ela causará grande prejuízo aos demônios.

Texto

eṣa te sthānam aiśvaryaṁ
śriyaṁ tejo yaśaḥ śrutam
dāsyaty ācchidya śakrāya
māyā-māṇavako hariḥ

Sinônimos

eṣaḥ — esta pessoa aparecendo disfarçada de brahmacārī; te — tua; sthānam — a terra em posse; aiśvaryam — as riquezas; śriyam — a beleza material; tejaḥ — o poder material; yaśaḥ — a reputação; śrutam — a educação; dāsyati — dará; ācchidya — tomando de ti; śakrāya — ao teu inimigo, o senhor Indra; māyā — aparentando ser; māṇavakaḥ — um brahmacārī filho de um ser vivo; hariḥ — Ele é realmente a Su­prema Personalidade de Deus, Hari.

Tradução

Essa pessoa aparecendo disfarçada de brahmacārī é, na verdade, a Suprema Personalidade de Deus, Hari, que assumiu esta forma e aqui veio para levar toda a tua terra, riqueza, beleza, poder, fama e educação. Após tomar tudo de ti, Ele entregará tudo a Indra, teu ini­migo.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura explica a esse respeito que a própria palavra hariḥ significa “aquele que leva embora”. Se alguém se une a Hari, a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor remove todos os seus sofrimentos e, no começo, o Senhor, aparentemente, também vem para tirar todas as suas posses, reputação, educação e beleza mate­riais. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (10.88.8), yasyāham anugṛhṇāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ. O Senhor disse a Mahārāja Yudhiṣṭhira: “Como pagamento inicial pela Minha misericórdia para com ele, Eu tiro do devoto todas as suas posses, especialmente sua opulência material, seu dinheiro.” Esse é o favor especial que o Senhor mostra ao devoto sincero. Se um devoto sincero deseja Kṛṣṇa acima de tudo, mas, ao mesmo tempo, está apegado às posses materiais, que impedem seu avanço em consciência de Kṛṣṇa, o Senhor, recorrendo a táticas, tira-lhe todas as posses. Aqui, Śukrācārya diz que esse brahmacārī anão levaria tudo. Portanto, ele indica que o Senhor levará de alguém todas as posses materiais e também a mente. Se alguém entrega sua mente aos pés de lótus de Kṛṣṇa (sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayoḥ), pode naturalmente sacrificar tudo para satisfazê-lO. Embora fosse um devoto, Bali Mahārāja estava apegado às posses materiais, de modo que o Senhor, sendo muito bon­doso com ele, prestou-lhe um favor especial, aparecendo como o Senhor Vāmana de modo a tirar-lhe todas as posses materiais, bem como sua mente.

Texto

tribhiḥ kramair imāl lokān
viśva-kāyaḥ kramiṣyati
sarvasvaṁ viṣṇave dattvā
mūḍha vartiṣyase katham

Sinônimos

tribhiḥ — três; kramaiḥ — pelos passos; imān — todos esses; lokān — três sistemas planetários; viśva-kāyaḥ — tornando-Se a forma universal; kramiṣyati — gradualmente Ele expandirá; sarvasvam — tudo; viṣṇave — ao Senhor Viṣṇu; dattvā — após dar caridade; mūḍha — ó tu, que és um patife; vartiṣyase — conseguirás teus meios de subsistência; katham — como.

Tradução

Prometeste dar-Lhe em caridade três passos de terra, mas, quando Lhes deres, Ele ocupará os três mundos. És um patife! Não sabes o grande erro que cometeste. Após dares tudo ao Senhor Viṣṇu, não terás meios de subsistência. Como viverás, então?

Comentário

SIGNIFICADO—Bali Mahārāja poderia argumentar que prometera apenas três passos de terra. Contudo, Śukrācārya, sendo um brāhmaṇa muito erudito, imediatamente compreendeu que esse era um estratagema de Hari, que aparecera ali disfarçado de brahmacārī. As palavras mūḍha vartiṣyase katham revelam que Śukrācārya era um brāhmaṇa pertencente à classe sacerdotal. Esses brāhmaṇas sacerdotais estão principalmente interessados em receber remuneração dos seus discípulos. Portanto, ao ver que Bali Mahārāja havia colocado em risco todas as suas posses, Śukrācārya compreendeu que isso causaria não apenas a ruína do rei, mas também a ruína da família de Śukrācārya, que dependia da mise­ricórdia de Mahārāja Bali. Essa é a diferença entre um vaiṣṇava e um smārta-brāhmaṇa. O smārta-brāhmaṇa está sempre interessado em lucro material, ao passo que o vaiṣṇava está interessado apenas em satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. A atitude de Śukrācārya mostra que, em todos os sentidos, ele era um smārta-brāhmaṇa, interessado apenas em ganho pessoal.

Texto

kramato gāṁ padaikena
dvitīyena divaṁ vibhoḥ
khaṁ ca kāyena mahatā
tārtīyasya kuto gatiḥ

Sinônimos

kramataḥ — aos poucos; gām — a superfície da terra; padā ekena — com um passo; dvitīyena — com o segundo passo; divam — todo o espaço exterior; vibhoḥ — da forma universal; kham ca — o céu também; kāyena — pela expansão do Seu corpo transcendental; mahatā — pela forma universal; tārtīyasya — no que diz respeito ao terceiro passo; kutaḥ — que resta; gatiḥ — para receber Seu passo.

Tradução

Vāmanadeva primeiramente ocupará os três mundos com um passo, após o que dará o Seu segundo passo e ocupará tudo o que há no espaço exterior e, em seguida, expandirá Seu corpo universal para ocupar tudo. Onde Ele poderá dar o terceiro passo?

Comentário

SIGNIFICADO—Śukrācārya queria alertar Bali Mahārāja sobre como ele seria enganado pelo Senhor Vāmana. “Prometeste três passos”, disse ele. “Porém, com apenas dois passos, todas as tuas posses serão arrebatadas. Que espaço restará, então, para o Seu terceiro passo?” Śukrācārya não sabia como o Senhor protege o Seu devoto. Em prol do servi­ço ao Senhor, o devoto deve arriscar todas as suas posses, mas ele sempre será protegido e jamais conhecerá a derrota. Valendo-se de cálcu­los materiais, Śukrācārya pensava que, em nenhuma circunstância, Bali Mahārāja seria capaz de cumprir o que prometera ao brahma­cārī, ao Senhor Vāmanadeva.

Texto

niṣṭhāṁ te narake manye
hy apradātuḥ pratiśrutam
pratiśrutasya yo ’nīśaḥ
pratipādayituṁ bhavān

Sinônimos

niṣṭhām — residência perpétua; te — tua; narake — no inferno; manye — penso; hi — na verdade; apradātuḥ — de uma pessoa que não pode cumprir; pratiśrutam — o que foi prometido; pratiśrutasya — da pro­messa que ela fez; yaḥ anīśaḥ — uma pessoa incapaz; pratipādayitum — de cumprir apropriadamente; bhavān — és essa pessoa.

Tradução

Certamente serás incapaz de cumprir tua promessa, e julgo que, devido a essa inabilidade, tua residência eterna será no inferno.

Texto

na tad dānaṁ praśaṁsanti
yena vṛttir vipadyate
dānaṁ yajñas tapaḥ karma
loke vṛttimato yataḥ

Sinônimos

na — não; tat — esta; dānam — caridade; praśaṁsanti — as pessoas santas louvam; yena — pela qual; vṛttiḥ — a subsistência de alguém; vipadyate — corre perigo; dānam — caridade; yajñaḥ — sacrifício; tapaḥ — austeridade; karma — atividades fruitivas; loke — neste mundo; vṛttimataḥ — de acordo com os meios de subsistência da pessoa; yataḥ — como é assim.

Tradução

Os estudiosos eruditos não louvam a caridade que põe em peri­go a subsistência do próprio doador. Caridade, sacrifício, austerida­de e atividades fruitivas são possíveis para quem tem condições de subsistir adequadamente. [Elas não são possíveis para aquele que não pode manter-se.]

Texto

dharmāya yaśase ’rthāya
kāmāya sva-janāya ca
pañcadhā vibhajan vittam
ihāmutra ca modate

Sinônimos

dharmāya — para a religião; yaśase — para a sua reputação; ar­thāya — para aumentar a sua opulência; kāmāya — para aumentar o gozo dos sentidos; sva-janāya ca — e para manter seus membros fa­miliares; pañcadhā — para esses cinco diferentes objetivos; vibhajan — dividindo; vittam — sua riqueza acumulada; iha — neste mundo; amutra — e no próximo mundo; ca — e; modate — a pessoa desfruta.

Tradução

Portanto, aquele que tem pleno conhecimento deve dividir em cinco partes sua riqueza acumulada – para a religião, para a repu­tação, para a opulência, para o gozo dos sentidos e para a manutenção de seus membros familiares. Semelhante pessoa é feliz neste e no próximo mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—Os śāstras prescrevem que, se alguém tem dinheiro, deve dividir em cinco diferentes partes tudo o que acumulou – uma parte para a religião, uma parte para a reputação, uma parte para a opulên­cia, uma parte para o gozo dos sentidos e uma parte para manter os membros de sua família. Entretanto, nos dias atuais, como estão desprovidas de todo o conhecimento, as pessoas gastam todo o seu dinheiro para tentar satisfazer suas famílias. Śrīla Rūpa Gosvāmī en­sinou-nos através de seu exemplo pessoal, usando para Kṛṣṇa cin­quenta por cento de sua riqueza acumulada, vinte e cinco por cento para si próprio, e vinte e cinco por cento para os membros de sua família. O principal propósito de todos deve ser avançar em cons­ciência de Kṛṣṇa. Isso incluirá dharma, artha e kāma. Entretanto, porque os membros familiares esperam algum ganho, a pessoa também deve satisfazê-los dando-lhes uma porção da riqueza que acumulou. Esse é um preceito dos śāstras.

Texto

atrāpi bahvṛcair gītaṁ
śṛṇu me ’sura-sattama
satyam om iti yat proktaṁ
yan nety āhānṛtaṁ hi tat

Sinônimos

atra api — também a este respeito (em decidir o que é verdade e o que não é verdade); bahu-ṛcaiḥ — pelos śruti-mantras conhecidos como Bahvṛca-śruti, que são a evidência contida nos Vedas; gītam — aquilo que foi proferido; śṛṇu — ouve; me — de mim; asura-sattama — ó melhor dos asuras; satyam — a verdade é; om iti — precedida pela palavra om; yat — aquilo que; proktam — foi falado; yat — aquilo que é; na — não precedido pelo om; iti — assim; āha — afirma-se; anṛtam — inverídico; hi — de fato; tat — isto.

Tradução

Alguém poderia argumentar: Uma vez que já prometeste, como poderias recusar? Porém, ó melhor dos demônios, ouve-me enquanto falo sobre as evidências do Bahvṛca-śruti, que diz que é verdadeira apenas a promessa precedida pela palavra oṁ; caso contrário, ela é falsa.

Texto

satyaṁ puṣpa-phalaṁ vidyād
ātma-vṛkṣasya gīyate
vṛkṣe ’jīvati tan na syād
anṛtaṁ mūlam ātmanaḥ

Sinônimos

satyam — a grande verdade; puṣpa-phalam — a flor e o fruto; vidyāt — deve-se entender; ātma-vṛkṣasya — da árvore do corpo; gīya­te — como descrevem os Vedas; vṛkṣe ajīvati — se a árvore não está viva; tat — isto (puṣpa-phalam); na — não; syāt — é possível; anṛtam — inverídica; mūlam — a raiz; ātmanaḥ — do corpo.

Tradução

Os Vedas afirmam que o verdadeiro produto da árvore do corpo são os bons frutos e as flores provenientes dele. Todavia, se a árvore corpórea não existe, não há possibilidade de aparecerem verdadeiros frutos e flores. Mesmo que o corpo se baseie na inverdade, sem a ajuda da árvore corpórea, não pode haver frutos nem flores reais.

Comentário

SIGNIFICADO—Este śloka explica que, em relação ao corpo material, nem mesmo a grande verdade pode existir sem um toque de inverdade. Os māyāvādīs dizem que brahma satyaṁ jagan mithyā: “A alma espiri­tual é verdade, e a energia externa é inverdade.” Entretanto, os filó­sofos vaiṣṇavas não concordam com a filosofia māyāvāda. Mesmo que, para fins de argumentação, aceite-se o mundo material como não verídico, a entidade viva enredada na energia ilusória não pode esca­par dele sem a ajuda do corpo. Sem o auxílio do corpo, ninguém pode seguir um sistema de religião, nem pode especular sobre a per­feição filosófica. Portanto, a flor e o fruto (puṣpa-phalam) têm que ser obtidos como resultado do corpo. Sem a ajuda do corpo, não se pode colher esse fruto. A filosofia vaiṣṇava, portanto, recomen­da yukta-vairāgya. Não é vantajoso que toda a atenção seja concentrada na manutenção do corpo, mas não é bom negligenciar a manutenção do corpo. Enquanto o corpo existe, é possível estu­dar exaustivamente as instruções védicas e, assim, no fim da vida, pode-se atingir a perfeição. Isso está exposto na Bhagavad-gītā (8.6): yaṁ yaṁ vāpi smaran bhāvaṁ tyajaty ante kalevaram. Na hora da morte, tudo é perscrutado. Portanto, embora o corpo seja tem­porário e transitório, pode-se tirar dele o máximo proveito para que a vida seja perfeita.

Texto

tad yathā vṛkṣa unmūlaḥ
śuṣyaty udvartate ’cirāt
evaṁ naṣṭānṛtaḥ sadya
ātmā śuṣyen na saṁśayaḥ

Sinônimos

tat — portanto; yathā — como; vṛkṣaḥ — uma árvore; unmūlaḥ — sendo desarraigada; śuṣyati — seca; udvartate — cai; acirāt — muito bre­vemente; evam — dessa maneira; naṣṭa — perdido; anṛtaḥ — o corpo temporário; sadyaḥ — imediatamente; ātmā — o corpo; śuṣyet — seca; na — não; saṁśayaḥ — dúvida alguma.

Tradução

Quando é desenraizada, uma árvore imediatamente cai e começa a secar. Do mesmo modo, se alguém não cuida do corpo, o qual é tido como inverdade – em outras palavras, se a inverdade é desar­raigada –, não restam dúvidas de que o corpo secará.

Comentário

SIGNIFICADO—Com relação a isso, Śrīla Rūpa Gosvāmī diz:

prāpañcikatayā buddhyā
hari-sambandhi-vastunaḥ
mumukṣubhiḥ parityāgo
vairāgyaṁ phalgu kathyate

“Aquele que rejeita as coisas desconhecendo a relação existente entre elas e Kṛṣṇa adota uma renúncia imperfeita.” (Bhakti-rasāmṛta-­sindhu 1.2.66) Quando o corpo é ocupado a serviço do Senhor, ninguém deve considerar o corpo como algo material. Às vezes, deturpa-se o significado do corpo espiritual do mestre espiritual. Mas Śrīla Rūpa Gosvāmī ensina: prāpañcikatayā buddhyā hari-samban­dhi-vastunaḥ. O corpo plenamente ocupado em servir a Kṛṣṇa não deve ser relegado como material. Quem o negligencia assume uma falsa renúncia. Se não é devidamente mantido, o corpo cai e seca tal qual uma árvore desenraizada, da qual não é mais possível obter flores e frutos. Os Vedas, portanto, prescrevem:

om iti satyaṁ nety anṛtaṁ tad etat-puṣpaṁ phalaṁ vāco yat satyaṁ saheśvaro yaśasvī kalyāṇa-kīrtir bhavitā; puṣpaṁ hi phalaṁ vācaḥ satyaṁ vadaty athaitan-mūlaṁ vāco yad anṛtaṁ yad yathā vṛkṣa āvirmūlaḥ śuṣyati, sa udvartata evam evānṛtaṁ vadann āvirmūlam ātmanāṁ karoti, sa śuṣyati sa udvartate, tasmād anṛtaṁ na vaded dayeta tv etena.

O significado é que as atividades realizadas com o auxílio do corpo para satisfazer a Verdade Absoluta (oṁ tat sat) nunca são tempo­rárias, embora executadas pelo corpo temporário. De fato, essas atividades são permanentes. Portanto, o corpo deve receber o devi­do cuidado. Porque o corpo é temporário e efêmero, ninguém deve expô-lo, deixando-o ser devorado por um tigre ou morto pelo inimi­go. Devem-se tomar todas as precauções para proteger o corpo.

Texto

parāg riktam apūrṇaṁ vā
akṣaraṁ yat tad om iti
yat kiñcid om iti brūyāt
tena ricyeta vai pumān
bhikṣave sarvam oṁ kurvan
nālaṁ kāmena cātmane

Sinônimos

parāk — aquilo que separa; riktam — aquilo que afasta de alguém o apego; apūrṇam — aquilo que é insuficiente; — ou; akṣaram — essa sílaba; yat — isto; tat — que; om — o oṁkāra; iti — é dito assim; yat — que; kiñcit — tudo o que; om — essa palavra om; iti — assim; brūyāt — se proferes; tena — com essa enunciação; ricyeta — a pessoa se torna livre; vai — na verdade; pumān — uma pessoa; bhikṣave — a um pedinte; sarvam — tudo; oṁ kurvan — dando caridade, pronunciando a palavra om; na — não; alam — bastante; kāmena — para o gozo dos senti­dos; ca — também; ātmane — para a autorrealização.

Tradução

Proferir a palavra “om” significa afastar-se dos bens financeiros. Em outras palavras, pronunciando essa palavra, a pessoa se livra do apego ao dinheiro porque seu dinheiro lhe é tirado. Ficar sem dinheiro não é muito confortável, pois, nessas condições, ninguém pode satis­fazer seus desejos. Ou seja, usando a palavra “om”, a pessoa se torna muito pobre. Especialmente quando se dá caridade a pobres e a pedintes, não se consegue concretizar a autorrealização ou o gozo dos sentidos.

Comentário

SIGNIFICADO—Mahārāja Bali desejava dar tudo a Vāmanadeva, que Se apresentara a ele como um pedinte, mas Śukrācārya, sendo o mestre espiritual da família de Mahārāja Bali na linha de sucessão seminal, não pôde valorizar a promessa de Mahārāja Bali. Śukrācārya citou evidências védicas segundo as quais não se deve dar tudo a um homem pobre. Em vez disso, quando um homem pobre vem pedir caridade, deve-se ludibriá-lo com as seguintes palavras: “Entreguei-te tudo o que eu tinha e fiquei sem nada.” Não é recomendado que se dê tudo a ele. Na verdade, a palavra om refere-se a oṁ tat sat, a Verdade Absoluta. O oṁkāra destina-se a libertar-nos do apego ao dinheiro porque o dinheiro deve ser gasto em prol do Supremo. A tendência da civilização mo­derna é dar dinheiro em caridade aos pobres. Semelhante caridade não tem nenhum valor espiritual porque realmente vemos que, em­bora existam tantos hospitais e outras fundações e instituições para os pobres, de acordo com os três modos da natureza material, sempre estará fadada a continuar existindo uma classe de homens pobres. Muito embora existam tantas instituições de caridade, a pobreza não foi eliminada da sociedade humana. Portanto, recomenda-se aqui: bhikṣave sarvam oṁ kurvan nālaṁ kāmena cātmane. Ninguém deve dar tudo aos pedintes pobres.

A melhor solução é aquela apresentada pelo movimento da consciência de Kṛṣṇa. Este movimento sempre é bondoso com os pobres, não apenas porque os alimenta, mas também porque os ilumina, en­sinando-os a tornarem-se conscientes de Kṛṣṇa. É por isso que es­tamos abrindo centenas e milhares de centros para aqueles que são pobres, tanto em dinheiro como em conhecimento, a fim de iluminá-los em consciência de Kṛṣṇa e reformar-lhes o caráter, ensinando-os a evitarem o sexo ilícito, a intoxicação, o consumo de carne e a jogatina, que são as atividades mais pecaminosas e que fazem as pessoas sofrerem vida após vida. O melhor processo para se empregar o dinheiro é abrir essa classe de centros onde todos possam vir morar e reconstruir o seu caráter. Eles podem levar uma vida muito confortá­vel, sem precisarem esquecer suas necessidades corpóreas; a única diferença é que devem submeter-se a um controle espiritual, podendo, então, viverem felizes e utilizar o tempo para avançarem na consciência de Kṛṣṇa. Se alguém possui dinheiro, não deve desperdiçá-lo. Deve usá-lo para impulsionar o movimento da consciência de Kṛṣṇa, de modo que toda a sociedade humana possa tornar-se feliz, próspera e ter esperanças de então voltar ao lar, voltar ao Supremo. Para esse caso, há o mantra védico que diz o seguinte:

parāg vā etad riktam akṣaraṁ yad etad om iti tad yat kiñcid om iti āhātraivāsmai tad ricyate; sa yat sarvam oṁ kuryād ricyād ātmānaṁ sa kāmebhyo nālaṁ syāt.

Texto

athaitat pūrṇam abhyātmaṁ
yac ca nety anṛtaṁ vacaḥ
sarvaṁ nety anṛtaṁ brūyāt
sa duṣkīrtiḥ śvasan mṛtaḥ

Sinônimos

atha — portanto; etat — isto; pūrṇam — completamente; abhyāt­mam — provocando compaixão alheia, sempre se apresentando como indigente; yat — isto; ca — também; na — não; iti — assim; anṛtam — falsas; vacaḥ — palavras; sarvam — inteiramente; na — não; iti — assim; anṛtam — mentira; brūyāt — quem deve dizer; saḥ — tal pessoa; duṣkīrtiḥ — infame; śvasan — enquanto respira ou enquanto está viva; mṛtaḥ — está morta ou deve ser morta.

Tradução

Portanto, a medida mais segura é dizer não. Embora isso seja uma mentira, protege a pessoa por completo, atrai para si a compaixão dos demais e tem plena facilidade de coletar para si mesma o dinheiro de outros. Entretanto, se alguém sempre alega não ter nada, torna-se um condenado, pois é um corpo morto mesmo enquanto vive, ou deve ser morto ainda enquanto respira.

Comentário

SIGNIFICADO—Os pedintes sempre se apresentam como pessoas que nada possuem, e isso pode ser muito bom para eles porque, dessa maneira, nunca perdem o seu dinheiro e fica-lhes fácil coletar, pois sempre atraem a atenção e a compaixão dos outros. Mas isso também é condenável. Se alguém deliberadamente continua praticando essa mendicância profissional, deve ser tido como morto ainda que respire ou, de acordo com outra interpretação, semelhante enganador deve ser morto enquanto ainda respira. Em relação a isso, existe o seguinte preceito védico: athaitat pūrṇam abhyātmaṁ yan neti sa yat sarvaṁ neti brūyāt pāpikāsya kīrtir jāyate. sainaṁ tatraiva hanyāt. Se alguém insiste em se fazer passar por indigente e obtém dinheiro mendigando, deve ser morto. (sainaṁ tatraiva hanyāt).

Texto

strīṣu narma-vivāhe ca
vṛtty-arthe prāṇa-saṅkaṭe
go-brāhmaṇārthe hiṁsāyāṁ
nānṛtaṁ syāj jugupsitam

Sinônimos

strīṣu — para encorajar uma mulher e mantê-la sob controle; narma-­vivāhe — ao fazer pilhérias ou por ocasião da cerimônia de casamen­to; ca — também; vṛtti-arthe — para ganhar a subsistência, como, por exemplo, através de negócios; prāṇa- saṅkaṭe — ou na hora do peri­go; go-brāhmaṇa-arthe — com o propósito de proteger as vacas e a cultura bramânica; hiṁsāyām — para qualquer pessoa que esteja mar­cada para morrer devido à inimizade; na — não; anṛtam — mentira; syāt — torna-se; jugupsitam — abominável.

Tradução

Ao dizer galanteios a uma mulher para mantê-la sob controle, ao fazer brincadeiras, por ocasião da cerimônia de um casamento, para ganhar a subsistência, quando a vida está em perigo, para proteger as vacas e a cultura bramânica ou para salvar alguém das mãos do inimigo, nunca é condenável falar uma mentira.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do oitavo canto, décimo nono capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “O Senhor Vāmanadeva Pede Caridade a Bali Mahārāja”.