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Capítulo Três

Yamarāja Instrui Seus Mensageiros

Neste capítulo, descreve-se como Yamarāja explicou muito detalhadamente aos Yamadūtas o bhāgavata-dharma, ou os princípios religiosos do serviço devocional. Dessa maneira, ele satisfez os Yamadūtas, que haviam ficado desapontados. Yamarāja disse: “Embora estivesse chamando seu filho, Ajāmila proferiu o santo nome do Senhor, Nārāyaṇa e, por esse simples contato com o santo nome, alcançou imediatamente a companhia dos mensageiros do Senhor Viṣṇu, que o salvaram da vossa tentativa de prendê-lo. Isso está completamen­te certo. Mesmo um pecador inveterado que, embora cometendo alguma ofensa, canta o santo nome do Senhor, não tem que aceitar outro nascimento no mundo material.”

Cantando o santo nome do Senhor, Ajāmila se encontrou com os quatro mensageiros do Senhor Viṣṇu. Eram belíssimos e rapida­mente vieram resgatá-lo. Yamarāja passa, então, a descrevê-los. “Os Viṣṇudūtas são todos devotos puros do Senhor, da Pessoa Suprema responsável pela criação, manutenção e aniquilação desta manifes­tação cósmica. Nem mesmo o rei Indra, Varuṇa, Śiva, Brahmā, os sete ṛṣis ou eu próprio podemos entender as atividades transcenden­tais do Senhor Supremo, que é autossuficiente e está além do alcance dos sentidos materiais. Com sentidos materiais, não se pode com­preendê-lO. O Senhor, o mestre da energia ilusória, possui qualidades transcendentais que produzem boa fortuna em todos, e Seus devo­tos também possuem essas mesmas qualificações. Os devotos, preocupados apenas em resgatar deste mundo material as almas caídas, aparentemente nascem em diferentes lugares do mundo material apenas para salvar as almas condicionadas. Se alguém mostra algum interesse em vida espiritual, os devotos do Senhor protegem-no de várias maneiras.”

Yamarāja prosseguiu: “A essência do sanātana-dharma, ou reli­gião eterna, é extremamente confidencial. Ninguém, a não ser o próprio Senhor, pode transmitir à sociedade humana este sistema religioso confidencial. É pela misericórdia do Senhor que o sistema transcendental de religião pode ser compreendido por Seus devotos puros, e especificamente pelos doze mahājanas – o senhor Brahmā, Nārada Muni, o senhor Śiva, os Kumāras, Kapila, Manu, Prahlāda, Janaka, Bhīṣma, Bali, Śukadeva Gosvāmī e eu. Outros sábios eru­ditos, encabeçados por Jaimini, estão quase sempre cobertos pela energia ilusória e, portanto, até certo ponto, deixam-se atrair pela linguagem florida dos três Vedas, a saber, Ṛg, Yajur e Sāma, que são chamados trayī. Em vez de se tornarem devotos puros, as pessoas cativadas pelas palavras floridas dos três Vedas se interessam em cerimônias ritualísticas védicas. Elas não conseguem entender as glórias de se cantar o santo nome do Senhor. Entretanto, as pessoas inteligentes adotam o serviço devocional ao Senhor. Ao cantarem o santo nome do Senhor sem cometer ofensas, já não estão sujeitas aos meus regulamentos. Se por acaso cometem algum ato pecami­noso, são protegidas pelo santo nome do Senhor, pois é aí onde repousa seu real interesse. As quatro armas do Senhor, especialmente a maça e o cakra Sudarśana, sempre protegem os devotos. Aquele que, sem duplicidade, canta, ouve ou lembra o santo nome do Senhor ou que ora ao Senhor ou Lhe oferece reverências, torna-se perfeito, ao passo que um erudito pode ser levado para o inferno se estiver des­provido de serviço devocional.”

Depois que Yamarāja apresentou essas suas descrições das glórias do Senhor e dos devotos do Senhor, Śukadeva Gosvāmī seguiu explicando a potência do canto do santo nome e a futilidade de se executarem cerimônias ritualísticas védicas e atividades piedosas visando à expiação.

Texto

śrī-rājovāca
niśamya devaḥ sva-bhaṭopavarṇitaṁ
pratyāha kiṁ tān api dharmarājaḥ
evaṁ hatājño vihatān murārer
naideśikair yasya vaśe jano ’yam

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — o rei disse; niśamya — após ouvir; devaḥ — Senhor Yamarāja; sva-bhaṭa — de seus próprios servos; upavarṇitam — as afirmações; pratyāha — respondeu; kim — que; tān — a eles; api — também; dharma-rājaḥ — Yamarāja, o superintendente da morte e o juiz das atividades religiosas e irreligiosas; evam — assim; hata-ājñaḥ — cuja ordem se frustrou; vihatān — que foram derrotados; murāreḥ nai­deśikaiḥ — pelos mensageiros de Murāri, Kṛṣṇa; yasya — de quem; vaśe — sob o jugo; janaḥ ayam — todas as pessoas do mundo.

Tradução

O rei Parīkṣit disse: Ó meu senhor, ó Śukadeva Gosvāmī, no que se refere às atividades religiosas e irreligiosas, Yamarāja é o contro­lador de todas as entidades vivas, mas sua ordem não se concretizou. Quando seus servos, os Yamadūtas, informaram-no de sua derrota ante os Viṣṇudūtas, que os impediram de prender Ajāmila, o que ele respondeu?

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que, embora as afirma­ções dos Yamadūtas encontrassem completo apoio nos princípios védicos, as afirmações dos Viṣṇudūtas prevaleceram. O próprio Yamarāja confirmou isso.

Texto

yamasya devasya na daṇḍa-bhaṅgaḥ
kutaścanarṣe śruta-pūrva āsīt
etan mune vṛścati loka-saṁśayaṁ
na hi tvad-anya iti me viniścitam

Sinônimos

yamasya — de Yamarāja; devasya — o semideus encarregado do julgamento; na — não; daṇḍa-bhaṅgaḥ — o não cumprimento da ordem; kutaścana — em parte alguma; ṛṣe — o grande sábio; śruta-pūrvaḥ — ouvido antes; āsīt — foi; etat — isto; mune — ó grande sábio; vṛścati — podes erradicar; loka-saṁśayam — as dúvidas das pessoas; na — não; hi — na verdade; tvat-anyaḥ — ninguém além de ti; iti — assim; me — por mim; viniścitam — concluído.

Tradução

Ó grande sábio, nunca antes se ouviu, em parte alguma, que uma ordem de Yamarāja não se cumprisse. Portanto, creio que as pessoas duvidarão disso, e somente tu poderás esclarecê-las. Como esta é minha firme convicção, por favor, explica as razões desses eventos.

Texto

śrī-śuka uvāca
bhagavat-puruṣai rājan
yāmyāḥ pratihatodyamāḥ
patiṁ vijñāpayām āsur
yamaṁ saṁyamanī-patim

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; bhagavat-puruṣaiḥ — pelos mensageiros do Senhor, os Viṣṇudūtas; rājan — ó rei; yāmyāḥ — os mensageiros de Yamarāja; pratihata-udyamāḥ — cujos esforços foram derrotados; patim — ao mestre deles; vijñāpayām āsuḥ — informaram; yamam — Yamarāja; saṁyamanī-patim — o senhor da cidade de Saṁyamanī.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī respondeu: Meu querido rei, ao se verem frustrados e derrotados pelos mensageiros de Viṣṇu, os mensagei­ros de Yamarāja se aproximaram de seu mestre, o controlador de Saṁyamanī-purī e senhor das pessoas pecaminosas, para lhe notificar este incidente.

Texto

yamadūtā ūcuḥ
kati santīha śāstāro
jīva-lokasya vai prabho
trai-vidhyaṁ kurvataḥ karma
phalābhivyakti-hetavaḥ

Sinônimos

yamadūtāḥ ūcuḥ — os mensageiros de Yamarāja disseram; kati — quantos; santi — existem; iha — neste mundo; śāstāraḥ — controladores ou governantes; jīva-lokasya — deste mundo material; vai — na ver­dade; prabho — ó mestre; trai-vidhyam — sob os três modos da natu­reza material; kurvataḥ — executando; karma — atividade; phala — dos resultados; abhivyakti — da manifestação; hetavaḥ — causas.

Tradução

Os Yamadūtas disseram: Querido senhor nosso, quantos controladores ou governantes existem neste mundo material? Quantas causas são responsáveis por fazer com que se manifestem os vários resultados de atividades executadas sob a influência dos três modos da natureza material [sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa]?

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que os Yamadūtas, os mensageiros de Yamarāja, estavam tão desapontados que, mal podendo conter a ira, perguntaram a seu mestre se havia muitos mestres além dele. Além disso, porque haviam sido derrotados e seu mestre não podia protegê-los, os Yamadūtas estavam inclinados a dizer que não havia necessidade de servir a tal mestre. Se, ao executar as ordens de seu mestre, um servo não é vitorioso, de que lhe adianta prestar serviço a tal mestre impotente?

Texto

yadi syur bahavo loke
śāstāro daṇḍa-dhāriṇaḥ
kasya syātāṁ na vā kasya
mṛtyuś cāmṛtam eva vā

Sinônimos

yadi — caso; syuḥ — existem; bahavaḥ — muitos; loke — neste mundo; śāstāraḥ — governantes ou controladores; daṇḍa-dhāriṇaḥ — que punem os homens pecaminosos; kasya — de quem; syātām — pode haver; na — não; — ou; kasya — de quem; mṛtyuḥ — aflição ou infelicidade; ca — e; amṛtam — felicidade; eva — decerto; — ou.

Tradução

Se neste universo existem muitos governantes e magistrados que discordam da punição e recompensa a serem distribuídas, suas ações contraditórias neutralizarão umas às outras, e ninguém será punido ou recompensado. Ou então, se seus atos contraditórios deixarem de neutralizar uns aos outros, todos terão que ser punidos e recompensados ao mesmo tempo.

Comentário

SIGNIFICADO—Porque fracassaram em executar as ordens de Yamarāja, os Yamadūtas começaram a duvidar de que Yamarāja realmente ti­vesse poder de castigar os sujeitos pecaminosos. Embora, seguindo a ordem de Yamarāja, tivessem ido prender Ajāmila, viram que haviam fra­cassado devido à ordem de alguma autoridade superior. Portanto, ficaram em dúvida se havia apenas uma ou muitas autorida­des. Se houvesse muitas autoridades a dar diferentes julgamentos, possivelmente contraditórios, alguém poderia ser erroneamente pu­nido ou erroneamente recompensado, ou poderia nem ser punido nem recompensado. De acordo com nossa experiência no mundo material, quando alguém é punido em um tribunal, pode apelar para outra instância superior. Assim, o mesmo homem pode ser punido ou recompensado de acordo com diferentes julgamentos. Contudo, na lei da natureza ou no tribunal da Suprema Personalidade de Deus, não acontecem julgamentos contraditórios. Os juízes e seus julga­mentos têm que ser perfeitos e livres de contradições. Na verdade, no caso de Ajāmila, a posição de Yamarāja era muito incômoda, pois os Yamadūtas procederam corretamente ao tentar prender Ajāmila, mas os Viṣṇudūtas os haviam frustrado. Embora nesta circunstância Yamarāja fosse acusado tanto pelos Viṣṇudūtas quanto pelos Yamadūtas, ele é perfeito em administrar justiça porque é dotado de poder pela Suprema Personalidade de Deus. Portanto, ele passará a explicar qual é sua verdadeira posição e como todos estão sob o domínio do controlador supremo, a Personalidade de Deus.

Texto

kintu śāstṛ-bahutve syād
bahūnām iha karmiṇām
śāstṛtvam upacāro hi
yathā maṇḍala-vartinām

Sinônimos

kintu — mas; śāstṛ — dos governantes ou juízes; bahutve — na pluralidade; syāt — deve haver; bahūnām — de muitos; iha — neste mundo; karmiṇām — pessoas executando ações; śāstṛtvam — departamento administrativo; upacāraḥ — administração; hi — na verdade; yathā — assim como; maṇḍala-vartinām — dos chefes dos departamentos.

Tradução

Os Yamadūtas prosseguiram: Visto que há diferentes karmīs, ou trabalhadores, pode haver diferentes juízes ou governantes para lhes administrar justiça, mas, assim como um imperador soberano controla diferentes administradores departamentais, deve haver um controlador supremo para orientar todos os juízes.

Comentário

SIGNIFICADO—Na administração governamental, talvez haja muitos chefes departamentais para aplicar justiça a diferentes pessoas, mas a lei é uma só, e todos devem ficar sob o controle desta lei central. Os Yamadūtas não podiam imaginar que dois juízes dessem dois veredictos dife­rentes no mesmo caso e, portanto, queriam saber quem é o juiz su­premo. Os Yamadūtas estavam certos de que Ajāmila era um homem muito pecaminoso, e, embora Yamarāja quisesse puni-lo, os Viṣṇu­dūtas o inocentaram. Era um dilema que os Yamadūtas queriam que Yamarāja esclarecesse.

Texto

atas tvam eko bhūtānāṁ
seśvarāṇām adhīśvaraḥ
śāstā daṇḍa-dharo nṝṇāṁ
śubhāśubha-vivecanaḥ

Sinônimos

ataḥ — assim como; tvam — tu; ekaḥ — um; bhūtānām — de todos os seres vivos; sa-īśvarāṇām — incluindo todos os semideuses; adhīś­varaḥ — o mestre supremo; śāstā — o governante supremo; daṇḍa­dharaḥ — o supremo administrador da punição; nṝṇām — da sociedade humana; śubha-aśubha-vivecanaḥ — que discrimina entre o que é auspicioso e inauspicioso.

Tradução

O juiz supremo tem que ser um, e não muitos. Acreditávamos que fosses o juiz supremo e que tua jurisdição abrangesse inclusive os semideuses. Tínhamos a impressão de que eras o mestre de todas as entidades vivas, a autoridade suprema que discrimina entre as atividades piedosas e impiedosas executadas por todos os seres humanos.

Texto

tasya te vihito daṇḍo
na loke vartate ’dhunā
caturbhir adbhutaiḥ siddhair
ājñā te vipralambhitā

Sinônimos

tasya — da influência; te — de ti; vihitaḥ — ordenada; daṇḍaḥ — punição; na — não; loke — dentro deste mundo; vartate — existe; adhunā — agora; caturbhiḥ — por quatro; adbhutaiḥ — muito maravilhosas; siddhaiḥ — pessoas perfeitas; ājñā — a ordem; te — tua; vipralambhi­tā — anulada.

Tradução

Agora, porém, vimos anulada a punição prescrita sob tua autori­dade, uma vez que tua ordem não foi acatada por quatro pessoas maravi­lhosas e perfeitas.

Comentário

SIGNIFICADO—Os Yamadūtas estavam sob a impressão de que Yamarāja era a única pessoa encarregada de administrar a justiça. Tinham plena con­vicção de que ninguém jamais poderia anular o seu julgamento, mas agora, para a surpresa sua, a ordem dele fora desobedecida por quatro maravilhosas pessoas de Siddhaloka.

Texto

nīyamānaṁ tavādeśād
asmābhir yātanā-gṛhān
vyāmocayan pātakinaṁ
chittvā pāśān prasahya te

Sinônimos

nīyamānam — sendo trazido; tava ādeśāt — por tua ordem; asmā­bhiḥ — por nós; yātanā-gṛhān — para as câmaras de tortura, os planetas infernais; vyāmocayan — libertaram; pātakinam — o pecaminoso Ajāmila; chittvā — cortando; pāśān — as cordas; prasahya — à força; te — eles.

Tradução

Seguindo tua ordem, estávamos para trazer o pecaminosíssimo Ajāmila aos planetas infernais. Foi quando aquelas belas personalidades de Siddhaloka cortaram à força as cordas com as quais o prendíamos.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta que os Yamadūtas queriam levar os Viṣṇudūtas perante Yamarāja. Se Yamarāja pudesse agora providenciar uma punição aos Viṣṇudūtas, os Yamadūtas se sentiriam satisfeitos.

Texto

tāṁs te veditum icchāmo
yadi no manyase kṣamam
nārāyaṇety abhihite
mā bhair ity āyayur drutam

Sinônimos

tān — sobre eles; te — de ti; veditum — saber; icchāmaḥ — desejamos; yadi — se; naḥ — para nós; manyase — julgas; kṣamam — adequado; nārāyaṇa — Nārāyaṇa; iti — assim; abhihite — sendo pronunciado; — não; bhaiḥ — medo; iti — assim; āyayuḥ — eles chegaram; drutam — muito rapidamente.

Tradução

Logo que o pecaminoso Ajāmila pronunciou o nome Nārāyaṇa, aqueles quatro belos homens imediatamente chegaram e tranquilizaram-no, dizendo: “Não temas. Não temas.” Desejamos que Vossa Onipotência nos diga quem são eles. Se julgas que somos capazes de entendê-los, por favor, revela-nos quem são eles.

Comentário

SIGNIFICADO—Os mensageiros de Yamarāja, sentindo-se muito consternados com a derrota que lhes impuseram os quatro Viṣṇudūtas, queriam levá-los diante de Yamarāja e, se possível, puni-los. Caso contrário, eles pretendiam cometer suicídio. Entretanto, antes de tomar qualquer uma dessas medidas, queriam que Yamarāja, o qual também é onis­ciente, compartilhasse com eles as informações que tinha acerca dos Viṣṇudūtas.

Texto

śrī-bādarāyaṇir uvāca
iti devaḥ sa āpṛṣṭaḥ
prajā-saṁyamano yamaḥ
prītaḥ sva-dūtān pratyāha
smaran pādāmbujaṁ hareḥ

Sinônimos

śrī-bādarāyaṇiḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; devaḥ — o semideus; saḥ — ele; āpṛṣṭaḥ — sendo interrogado; prajā­-saṁyamanaḥ yamaḥ — Senhor Yamarāja, que controla as entidades vivas; prītaḥ — estando satisfeito; sva-dūtān — a seus próprios servos; pratyāha — respondeu; smaran — lembrando-se de; pādaambujam – ­os pés de lótus; hareḥ — de Hari, a Personalidade de Deus.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Assim interrogado, o senhor Yamarāja, o controlador supremo das entidades vivas, ficou muito satisfeito com seus mensageiros por ouvi-los falar o santo nome de Nārāyaṇa. Ele se lembrou dos pés de lótus do Senhor e começou a responder.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Yamarāja, o controlador supremo das entidades vivas no que se refere às suas atividades piedosas e impiedosas, ficou muito satisfeito com seus servos porque eles cantaram o santo nome de Nārāyaṇa em seus domínios. Yamarāja tem que lidar com homens que são todos pecaminosos e dificilmente podem aceitar Nārāyaṇa. Em consequência disso, quando seus mensageiros pronunciaram o nome de Nārāyaṇa, ficou muito satisfeito, pois ele também é um vaiṣṇava.

Texto

yama uvāca
paro mad-anyo jagatas tasthuṣaś ca
otaṁ protaṁ paṭavad yatra viśvam
yad-aṁśato ’sya sthiti-janma-nāśā
nasy otavad yasya vaśe ca lokaḥ

Sinônimos

yamaḥ uvāca — Yamarāja respondeu; paraḥ — superior; mat — a mim; anyaḥ — outro; jagataḥ — de todas as coisas móveis; tasthuṣaḥ — das coisas inertes; ca — e; otam — na largura; protam — no comprimento; paṭavat — como um tecido entrançado; yatra — em quem; viśvam — a manifestação cósmica; yat — de quem; aṁśataḥ — das expansões parciais; asya — deste universo; sthiti — a manutenção; janma — a criação; nāśāḥ — a aniquilação; nasi — no nariz; ota-vat — tal qual a corda; yasya — de quem; vaśe — sob o controle; ca — e; lokaḥ — toda a criação.

Tradução

Yamarāja disse: Meus queridos servos, vós me aceitastes como o Supremo, mas de fato eu não o sou. Acima de mim, e acima de todos os outros semideuses, incluindo Indra e Candra, existe um su­premo mestre controlador. As manifestações parciais de Sua pessoa são Brahmā, Viṣṇu e Śiva, que estão encarregados da criação, ma­nutenção e aniquilação deste universo. Ele é como os dois fios que formam o comprimento e a largura de um tecido entrançado. O mundo inteiro é controlado por Ele, assim como um touro é con­trolado por uma corda em seu nariz.

Comentário

SIGNIFICADO—Os mensageiros de Yamarāja suspeitavam de que havia um governante superior até mesmo a Yamarāja. Para erradicar suas dúvidas, Yamarāja imediatamente respondeu: “Sim, existe um controlador supremo que está situado acima de tudo.” Yamarāja está encarregado de algumas entidades vivas móveis, a saber, os seres humanos, mas os animais, que também se movem, não estão sob o seu controle. Somente os seres humanos têm consciência do que é certo e do que é errado e, entre eles, somente aqueles que executam atividades pecaminosas ficam sob o controle de Yamarāja. Portanto, embora seja um controlador, Yamarāja é apenas um controlador departamental de algumas entidades vivas. Existem outros semideu­ses que controlam muitos outros departamentos, mas, acima de todos eles, existe um controlador supremo, Kṛṣṇa. Īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ sac-cid-ānanda-vigrahaḥ: o controlador supremo é Kṛṣṇa. Os outros, que nos afazeres do universo controlam seus próprios departamen­tos, são insignificantes em comparação com Kṛṣṇa, o controlador supremo. Na Bhagavad-gītā (7.7), Kṛṣṇa diz que mattaḥ parataraṁ nānyat kiñcid asti dhanañjaya: “Meu querido Dhanañjaya [Arjuna], ninguém é superior a Mim.” Portanto, Yamarāja imediatamente re­peliu as dúvidas de seus assistentes, os Yamadūtas, confirmando que existe um controlador supremo, que ultrapassa todos os outros.

Śrīla Madhvācārya explica que as palavras otaṁ protam se referem à causa de todas as causas. O Senhor Supremo é vertical e horizontal à manifestação cósmica. Confirma isso o seguinte verso do Skanda Purāṇa:

yathā kanthā-paṭāḥ sūtra
otāḥ protāś ca sa sthitāḥ
evaṁ viṣṇāv idaṁ viśvam
otaṁ protaṁ ca saṁsthitam

Como os dois fios, horizontal e vertical, com que se faz um tecido, o Senhor Viṣṇu está situado como a causa vertical e horizontal da manifestação cósmica.

Texto

yo nāmabhir vāci janaṁ nijāyāṁ
badhnāti tantryām iva dāmabhir gāḥ
yasmai baliṁ ta ime nāma-karma-
nibandha-baddhāś cakitā vahanti

Sinônimos

yaḥ — aquele que; nāmabhiḥ — por diferentes nomes; vāci — na linguagem védica; janam — todas as pessoas; nijāyām — que emanou dEle próprio; badhnāti — ata; tantryām — a uma corda; iva — como; dāmabhiḥ — por rédeas; gāḥ — bois; yasmai — a quem; balim — uma pequena contribuição; te — todos eles; ime — esses; nāma-karma — dos nomes e das diferentes atividades; nibandha — pelas obrigações; baddhāḥ — atados; cakitāḥ — ficando com medo; vahanti — executam.

Tradução

Assim como o condutor de um carro de bois amarra cordas nas narinas dos seus bois a fim de controlá-los, a Suprema Personalidade de Deus ata todos os homens através de Suas palavras nos Vedas, que estabelecem os nomes e atividades das diversas ordens da socie­dade humana [brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra]. Com temor, todos os membros dessas ordens adoram o Senhor Supremo, ofere­cendo-Lhe presentes de acordo com suas respectivas atividades.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste mundo material, independentemente de quem a pessoa seja, todos são condicionados. Alguém talvez seja um ser humano, um semideus ou um animal, árvore ou planta, mas tudo é controlado pelas leis da natureza, e, por trás desse controle natural, está a Supre­ma Personalidade de Deus. Confirma isso a Bhagavad-gītā (9.10), onde Kṛṣṇa diz que mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ sūyate sa-carācaram: “A natureza material funciona sob Minha direção e produz todos os seres móveis e inertes.” Assim, Kṛṣṇa está por trás da máquina na­tural, que funciona sob o Seu controle.

À parte das outras entidades vivas, o ser vivo com corpo humano é sistematicamente controlado pelos preceitos védicos, em termos das divisões de varṇa e āśrama. O ser humano deve seguir as regras e regulações de varṇa e āśrama; caso contrário, não poderá escapar à punição infligida por Yamarāja. É importante que todo ser hu­mano se eleve à posição de brāhmaṇa, o homem mais inteligente, e, em seguida, transcenda essa posição a fim de se tornar vaiṣṇava. Essa é a perfeição da vida. De acordo com suas atividades (sve sve karmaṇy abhirataḥ saṁsiddhiṁ labhate naraḥ), o brāhmaṇa, o kṣatriya, o vaiśya e o śūdra podem elevar-se adorando o Senhor. Embora as divisões de varṇa e āśrama sejam necessárias para assegurar a exe­cução adequada dos deveres e a existência pacífica de todos, as pessoas devem ser orientadas a adorar o Senhor Supremo, que é onipenetrante (yena sarvam idaṁ tatam). O Senhor Supremo existe ver­tical e horizontalmente (otaṁ protam), e, portanto, se alguém segue os preceitos védicos e adora o Senhor Supremo de acordo com sua habilidade, sua vida será perfeita. Como se afirma no Śrīmad­-Bhāgavatam (1.2.13):

ataḥ pumbhir dvija-śreṣṭhā
varṇāśrama-vibhāgaśaḥ
svanuṣṭhitasya dharmasya
saṁsiddhir hari-toṣaṇam

“Ó melhor entre os duas vezes nascidos, conclui-se, portanto, que a perfeição máxima que alguém pode alcançar mediante o desempe­nho dos deveres [dharma] que lhe são prescritos de acordo com as divisões de castas e ordens de vida, é satisfazer o Senhor Hari.” A instituição varṇāśrama oferece o processo perfeito para habilitar todos a voltarem ao lar, voltarem ao Supremo, porque a meta de cada varṇa e āśrama é satisfazer o Senhor Supremo. Sob a direção de um mestre espiritual fidedigno, a pessoa pode satisfazer o Senhor, e quem adota esse procedimento torna a vida perfeita. O Senhor Supremo é adorável, e todos O adoram direta ou indiretamente. Aqueles que O adoram de maneira direta obtêm rapidamente os resultados da libera­ção, ao passo que, para obter a liberação, aqueles que O servem indiretamente devem esperar um pouco mais.

As palavras nāmabhir vāci são muito importantes. Na instituição varṇāśrama, existem diferentes designações – brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya, śūdra, brahmacārī, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsī. Vāk, ou os preceitos védicos, dão orientações a todas essas divisões. Todos devem oferecer reverências ao Senhor Supremo e executar os deveres como recomendados nos Vedas.

Texto

ahaṁ mahendro nirṛtiḥ pracetāḥ
somo ’gnir īśaḥ pavano viriñciḥ
āditya-viśve vasavo ’tha sādhyā
marud-gaṇā rudra-gaṇāḥ sasiddhāḥ
anye ca ye viśva-sṛjo ’mareśā
bhṛgv-ādayo ’spṛṣṭa-rajas-tamaskāḥ
yasyehitaṁ na viduḥ spṛṣṭa-māyāḥ
sattva-pradhānā api kiṁ tato ’nye

Sinônimos

aham — eu, Yamarāja; mahendraḥ — Indra, o rei dos céus; nirṛtiḥ — Nirṛti; pracetāḥ — Varuṇa, o controlador da água; somaḥ — a Lua; agniḥ — fogo; īśaḥ — o senhor Śiva; pavanaḥ — o semideus do ar; viriñciḥ — senhor Brahmā; āditya — o Sol; viśve — Viśvāsu; vasavaḥ — os oito Vasus; atha — também; sādhyāḥ — os semideuses; marut-­gaṇāḥ — senhores do vento; rudra-gaṇāḥ — as expansões do senhor Śiva; sa-siddhāḥ — com os habitantes de Siddhaloka; anye — outros; ca — e; ye — quem; viśva-sṛjaḥ — Marīci e os outros criadores dos afazeres universais; amara-īśāḥ — os semideuses como Bṛhaspati; bhṛgu­-ādayaḥ — os grandes sábios encabeçados por Bhṛgu; aspṛṣṭa — que não fomos contaminados; rajaḥ-tamaskāḥ — pelos modos inferiores da natureza material (rajo-guṇa e tamo-guṇa); yasya — de quem; īhitam — a atividade; na viduḥ — não conhecem; spṛṣṭa-māyāḥ — que estão sob o encanto da energia ilusória; sattva-pradhānāḥ — principalmente no modo da bondade; api — embora; kim — o que falar de; tataḥ — do que eles; anye — outros.

Tradução

Eu, Yamarāja; Indra, o rei dos céus; Nirṛti; Varuṇa; Candra, o deus da Lua; Agni; o senhor Śiva; Pavana; o senhor Brahmā; Sūrya, o deus do Sol; Viśvāsu; os oito Vasus; os Sādhyas; os Maruts; os Rudras; os Siddhas, e Marīci e os outros grandes ṛṣis que estão ocupados em manter os afazeres departamentais do universo, bem como os melhores dos semideuses encabeçados por Bṛhaspati, e os grandes sábios liderados por Bhṛgu certamente estamos todos livres da influência dos dois modos básicos da natureza material, a saber, paixão e ignorância. Entretanto, embora estejamos no modo da bon­dade, não conseguimos entender as atividades da Suprema Perso­nalidade de Deus. O que se dirá de outros, então, que, sob a ilusão, meramente especulam tentando conhecer Deus?

Comentário

SIGNIFICADO—Os homens e outras entidades vivas dentro desta manifestação cósmica são controlados pelos três modos da natureza. As entida­des vivas controladas pelas qualidades básicas da natureza, paixão e ignorância, não têm a possibilidade de compreender Deus. Mesmo aqueles que estão situados no modo da bondade, tais como os muitos semideuses e grandes ṛṣis descritos nestes versos, não podem entender as atividades da Suprema Personalidade de Deus. Como se afirma na Bhagavad-gītā, a pessoa situada no serviço devocional ao Senhor é transcendental a todas as qualidades materiais. Portanto, o Senhor diz pessoalmente que, a não ser os bhaktas, que são transcendentais a todas as qualidades materiais (bhaktyā mām abhijānāti), ninguém pode entendê-lO. Como Bhīṣmadeva afirma a Mahārāja Yudhiṣṭhira no Śrīmad-Bhāgavatam (1.9.16):

na hy asya karhicid rājan
pumān veda vidhitsitam
yad-vijijñāsayā yuktā
muhyanti kavayo ’pi hi

“Ó rei, ninguém pode conhecer o plano do Senhor [Śrī Kṛṣṇa]. Embora grandes filósofos indaguem exaustivamente, eles ficam confusos.” Portanto, não é através do conhecimento especulativo que alguém conseguirá entender Deus. Na verdade, através da especula­ção, a pessoa ficará confusa (muhyanti). Na Bhagavad-gītā (7.3), o próprio Senhor confirma isso:

manuṣyāṇāṁ sahasreṣu
kaścid yatati siddhaye
yatatām api siddhānāṁ
kaścin māṁ vetti tattvataḥ

Entre muitos milhares de homens, talvez um se esforce por obter a perfeição, e, mesmo entre os siddhas, aqueles que já se tornaram perfeitos, somente aquele que adota o processo de bhakti, o serviço devocional, pode entender Kṛṣṇa.

Texto

yaṁ vai na gobhir manasāsubhir vā
hṛdā girā vāsu-bhṛto vicakṣate
ātmānam antar-hṛdi santam ātmanāṁ
cakṣur yathaivākṛtayas tataḥ param

Sinônimos

yam — quem; vai — na verdade; na — não; gobhiḥ — através dos sentidos; manasā — através da mente; asubhiḥ — através da respiração vital; — ou; hṛdā — através dos pensamentos; girā — através das palavras; — ou; asu-bhṛtaḥ — as entidades vivas; vicakṣate — veem ou conhecem; ātmānam — a Superalma; antaḥ-hṛdi — no âmago do coração; santam — que existe; ātmanām — das entidades vivas; cakṣuḥ — os olhos; yathā — assim como; eva — na verdade; ākṛtayaḥ — as dife­rentes partes ou membros do corpo; tataḥ — a elas; param — superiores.

Tradução

Assim como os diferentes membros do corpo não podem ver os olhos, as entidades vivas não podem ver o Senhor Supremo, que, como a Superalma, está situado no coração de todos. Seja através dos sentidos, através da mente, através do ar vital, através dos pensamentos dentro do coração ou através da vibração de palavras, as entidades vivas não podem definir a verdadeira natureza do Senhor Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora as diferentes partes do corpo não tenham o poder de ver os olhos, os olhos dirigem os movimentos das diferentes partes do corpo. As pernas se movem adiante porque os olhos veem o que está na frente delas, e a mão toca porque os olhos veem entidades tangí­veis. Do mesmo modo, todo ser vivo age de acordo com a orientação da Superalma, situada dentro do coração. Como o próprio Senhor confirma na Bhagavad-gītā (15.15), sarvasya cāhaṁ hṛdi sanniviṣṭo mattaḥ smṛtir jñānam apohanaṁ ca: “Eu estou situado no coração de todos e confiro direções para a lembrança, o conhecimento e o esquecimento.” Em outra passagem da Bhagavad-gītā, afirma-se que īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati: “Como a Superalma, o Senhor Supremo está situado dentro do coração.” A entidade viva não pode fazer nada sem a sanção da Superalma. A Superalma age a todo momento, e não é manipulando seus sentidos que a entidade viva compreenderá a forma e as atividades da Superalma. O exemplo dos olhos e dos membros corpóreos vem a calhar. Se pudessem ver, os membros, ao movimentarem-se, progrediriam sem o auxílio dos olhos, mas isso é impossível. Embora através das atividades senso­riais ninguém possa ver a Superalma em seu coração, a orientação dEla é necessária.

Texto

tasyātma-tantrasya harer adhīśituḥ
parasya māyādhipater mahātmanaḥ
prāyeṇa dūtā iha vai manoharāś
caranti tad-rūpa-guṇa-svabhāvāḥ

Sinônimos

tasya — dEle; ātma-tantrasya — que, sendo autossuficiente, não depende de outrem; hareḥ — a Suprema Personalidade de Deus; adhī­śituḥ — que é o mestre de tudo; parasya — a Transcendência; māyā­adhipateḥ — o mestre da energia ilusória; mahā-ātmanaḥ — da Alma Suprema; prāyeṇa — quase; dūtāḥ — os mensageiros; iha — neste mundo; vai — na verdade; manoharāḥ — agradáveis em seus relacionamentos e aspectos físicos; caranti — eles se movem; tat — dEle; rūpa — possuindo os traços físicos; guṇa — as qualidades transcendentais; svabhāvāḥ — e a natureza.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus é autossuficiente e tem completa independência. Ele é o mestre de todos e de tudo, sendo, in­clusive, o mestre da energia ilusória. Ele tem Sua forma, qualidades e características, e assim é que Seus mensageiros, os vaiṣṇavas, os quais são muito belos, possuem aspectos físicos, qualidades transcendentais e uma natureza transcendental muito parecidos com os que Ele tem. Com total independência, estão sempre percorrendo este mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—Yamarāja estava descrevendo a Suprema Personalidade de Deus, o controlador supremo, mas os mensageiros de Yamarāja estavam muito ansiosos por saberem quem eram os Viṣṇudūtas, que os der­rotaram por ocasião do impasse criado por Ajāmila. Yamarāja, portanto, afirmou que, em seus traços físicos, qualidades transcendentais e natureza, os Viṣṇudūtas lembram a Suprema Personalidade de Deus. Em outras palavras, os Viṣṇudūtas, ou os vaiṣṇavas, são quase tão qualificados como o Senhor Supremo. Yamarāja informou aos Yamadūtas que os Viṣṇudūtas não são menos poderosos do que o Senhor Viṣṇu. Como Viṣṇu está acima de Yamarāja, os Viṣṇudūtas estão acima dos Yamadūtas. Portanto, as pessoas protegidas pelos Viṣṇudūtas não podem ser tocadas pelos Yamadūtas.

Texto

bhūtāni viṣṇoḥ sura-pūjitāni
durdarśa-liṅgāni mahādbhutāni
rakṣanti tad-bhaktimataḥ parebhyo
mattaś ca martyān atha sarvataś ca

Sinônimos

bhūtāni — entidades vivas ou servos; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; sura-pūjitāni — que são adorados pelos semideuses; durdarśa-liṅgāni — possuindo formas não facilmente vistas; mahā-adbhutāni — grandemente maravilhosas; rakṣanti — eles protegem; tat-bhaktimataḥ – os devotos do Senhor; parebhyaḥ — dos outros que são inimigos; mattaḥ — de mim (Yamarāja) e de meus mensageiros; ca — e; martyān — dos seres humanos; atha — assim; sarvataḥ — de tudo; ca — e.

Tradução

Os mensageiros do Senhor Viṣṇu, que são adorados até mesmo pelos semideuses, possuem maravilhosos traços corpóreos, tais quais os de Viṣṇu, e apenas muito raramente alguém consegue vê-los. Os Viṣṇu­dūtas protegem os devotos do Senhor das mãos dos inimigos, das pessoas invejosas e inclusive da minha jurisdição, bem como das perturbações naturais.

Comentário

SIGNIFICADO—Yamarāja descreveu especificamente as qualidades dos Viṣṇudūtas para convencer seus servos pessoais a não sentirem inveja deles. Yamarāja advertiu os Yamadūtas acerca de que os Viṣṇudūtas são adorados com respeitosas reverências pelos semideuses e sempre estão muito alertas para proteger o devoto do Senhor das mãos dos inimigos, das perturbações naturais e de todas as condições perigosas existentes neste mundo material. Algumas vezes, os membros da Sociedade da Consciência de Krishna temem o perigo advindo de uma conflagração mundial iminente e perguntam o que lhes aconteceria se fosse de­flagrada uma guerra. Em toda espécie de perigos, eles devem confiar na proteção que lhes é dada pelos Viṣṇudūtas ou pela Suprema Per­sonalidade de Deus, como se confirma na Bhagavad-gītā (kaunteya pratijānīhi na me bhaktaḥ praṇaśyati). O perigo material não se des­tina aos devotos. Confirma isso também o Śrīmad-Bhāgavatam. Padaṁ padaṁ yad vipadāṁ na teṣām: neste mundo material, existem perigos a cada passo, mas eles não se destinam aos devotos que se renderam aos pés de lótus do Senhor. No que se refere à proteção dada pelo Senhor, os devotos puros do Senhor Viṣṇu podem ficar seguros e, enquanto estiverem neste mundo material, devem ocupar-­se em pleno serviço devocional, pregando o culto de Śrī Caitanya Mahāprabhu e do Senhor Kṛṣṇa, a saber, o movimento Hare Kṛṣṇa da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

dharmaṁ tu sākṣād bhagavat-praṇītaṁ
na vai vidur ṛṣayo nāpi devāḥ
na siddha-mukhyā asurā manuṣyāḥ
kuto nu vidyādhara-cāraṇādayaḥ

Sinônimos

dharmam — verdadeiros princípios religiosos, ou leis religiosas autênticas; tu — mas; sākṣāt — diretamente; bhagavat — pela Suprema Personalidade de Deus; praṇītam — decretados; na — não; vai — na verdade; viduḥ — eles conhecem; ṛṣayaḥ — os grandes ṛṣis, tais como Bhṛgu; na — não; api — também; devāḥ — os semideuses; na — nem; siddha-mukhyāḥ — os principais líderes de Siddhaloka; asurāḥ — os demônios; manuṣyāḥ — os habitantes de Bhūrloka, os seres humanos; kutaḥ — onde; nu — na verdade; vidyādhara — os semideuses in­feriores, conhecidos como Vidyādharas; cāraṇa — os residentes dos planetas onde, por natureza, as pessoas são grandes músicos e can­tores; ādayaḥ — e assim por diante.

Tradução

Os verdadeiros princípios religiosos são decretados pela Suprema Personalidade de Deus. Embora plenamente situados no modo da bondade, nem mesmo os grandes ṛṣis que ocupam os planetas mais elevados podem definir os verdadeiros princípios religiosos, tampou­co o podem os semideuses ou os líderes de Siddhaloka, e isso para não mencionar os asuras, os seres humanos comuns, os Vidyādharas e os Cāraṇas.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao receberem dos Viṣṇudūtas o desafio de descreverem os princípios da religião, os Yamadūtas disseram que veda-praṇihito dharmaḥ: os princípios religiosos são os princípios estabelecidos na literatura védica. Contudo, eles não sabiam que a literatura védica contém cerimônias ritualísticas que não são transcendentais, mas que se destinam a manter no mundo material a paz e a ordem entre os materialistas. Os verdadeiros princípios religiosos são nistraiguṇya, acima dos três modos da natureza material, ou transcendentais. Os Yamadūtas não conheciam esses princípios religiosos transcenden­tais e, portanto, ao serem impedidos de prender Ajāmila, ficaram surpresos. Os materialistas que depositam toda a sua fé nos rituais védicos são descritos na Bhagavad-gītā (2.42), onde Kṛṣṇa diz que veda-vāda-ratāḥ pārtha nānyad astīti vādinaḥ: os supostos seguido­res dos Vedas dizem que as cerimônias védicas são tudo o que importa. Na verdade, existe um grupo de homens na Índia que gosta muito dos rituais védicos, embora não compreendam o significado desses rituais, ignorando que seu propósito é fazer com que a pessoa gra­dualmente se eleve à plataforma transcendental, onde, então, ela conhece Kṛṣṇa (vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ). Aqueles que não conhecem esse princípio, mas que simplesmente depositam sua fé nos rituais védicos são chamados veda-vāda-ratāh.

Nesta passagem, afirma-se que o verdadeiro princípio religioso é dado pela Suprema Personalidade de Deus. Esse princípio é estabelecido na Bhagavad-gītā. Sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: devem-se abandonar todos os outros deveres e render-se aos pés de lótus de Kṛṣṇa. Esse é o verdadeiro princípio religioso que todos devem seguir. Muito embora alguém siga as escrituras vé­dicas, pode ser que não conheça esse princípio transcendental, pois ele não é conhecido por todos. Se nem mesmo os semideuses nos sis­temas planetários superiores estão a par disso, muito menos o estão os seres humanos. Quem deseja entender esse princípio religioso transcendental deve ouvi-lo diretamente da Suprema Personalidade de Deus ou de Seu representante especial, como se declara nos versos a seguir.

Texto

svayambhūr nāradaḥ śambhuḥ
kumāraḥ kapilo manuḥ
prahlādo janako bhīṣmo
balir vaiyāsakir vayam
dvādaśaite vijānīmo
dharmaṁ bhāgavataṁ bhaṭāḥ
guhyaṁ viśuddhaṁ durbodhaṁ
yaṁ jñātvāmṛtam aśnute

Sinônimos

svayambhūḥ — senhor Brahmā; nāradaḥ — o grande santo Nārada; śambhuḥ — senhor Śiva; kumāraḥ — os quatro Kumāras; kapilaḥ — Senhor Kapila; manuḥ — Svāyambhuva Manu; prahlādaḥ — Prahlāda Mahārāja; janakaḥ — Janaka Mahārāja; bhīṣmaḥ — avô Bhīṣma; baliḥ — Bali Mahārāja; vaiyāsakiḥ — Śukadeva, o filho de Vyāsadeva; vayam — nós; dvādaśa — doze; ete — esses; vijānīmaḥ — conhecemos; dharmam — verdadeiros princípios religiosos; bhāgavatam — que ensinam a pessoa a amar a Suprema Personalidade de Deus; bhaṭāḥ — ó meus queridos servos; guhyam — muito confidenciais; viśuddham — transcendentais, não contaminados pelos modos materiais da natu­reza; durbodham — não facilmente compreendidos; yam — os quais; jñātvā — quem compreende; amṛtam — vida eterna; aśnute — desfruta de.

Tradução

O senhor Brahmā, Bhagavān Nārada, o senhor Śiva, os quatro Kumāras, o Senhor Kapila [o filho de Devahūti], Svāyambhuva Manu, Prahlāda Mahārāja, Janaka Mahārāja, o avô Bhīṣma, Bali Mahārāja, Śukadeva Gosvāmī e eu próprio conhecemos o verdadeiro princípio religioso. Meus queridos servos, este princípio religioso transcendental, conhecido como bhāgavata-dharma, ou rendição ao Senhor Supremo e amor a Ele, não é contaminado pelos modos materiais da natureza. Ele é muito confidencial e difícil de ser en­tendido pelos seres humanos comuns, mas se, por acaso, alguém tem a boa fortuna de compreendê-lo, liberta-se de imediato e, assim, re­torna ao lar, retorna ao Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā, o Senhor Kṛṣṇa refere-Se ao bhāgavata-dharma como o princípio religioso mais confidencial (sarva-guhyatamam, guhyād guhyataram). Kṛṣṇa diz a Arjuna: “Porque és Meu amigo muito querido, estou te explicando a religião mais confidencial.” Sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: “Abandona todos os outros deveres e rende-te a Mim.” Talvez alguém pergunte: “Se esse princípio é compreendido muito raramente, qual a sua utilida­de?” Em resposta, Yamarāja afirma nesta passagem que esse princípio religio­so é compreensível quando alguém segue o sistema paramparā do senhor Brahmā, do senhor Śiva, dos quatro Kumāras e das outras autoridades paradigmais. Existem quatro linhas de sucessão discipu­lar: uma proveniente do senhor Brahmā; outra, do senhor Śiva; uma terceira, de Lakṣmī, a deusa da fortuna, e a quarta, dos Kumāras. A sucessão discipular do senhor Brahmā se chama Brahma-sampradāya, a do senhor Śiva (Śambhu) tem o nome de Rudra-sampradāya, a da deusa da fortuna Lakṣmījī se chama Śrī-sampradāya, e a dos Kumāras se nomeia Kumāra­-sampradāya. A fim de entender o sistema religioso mais confiden­cial, a pessoa deve refugiar-se em um desses quatro sampradāyas. O Padma Purāṇa afirma que sampradāya-vihīnā ye mantrās te niṣphalā matāḥ: se alguém não segue uma das quatro sucessões disci­pulares reconhecidas, seu mantra ou sua iniciação não têm utilidade. Nos dias atuais, existem muitos apasampradāyas, ou sampradāyas que não são genuínos, que não têm ligação com autoridades como o senhor Brahmā, o senhor Śiva, os Kumāras ou Lakṣmī. As pessoas são desencaminhadas por esses sampradāyas. Os śāstras dizem que ser iniciado em um desses tipos de sampradāyas é um inútil desperdí­cio de tempo, pois eles jamais darão a alguém a possibilidade de compreender os verdadeiros princípios religiosos.

Texto

etāvān eva loke ’smin
puṁsāṁ dharmaḥ paraḥ smṛtaḥ
bhakti-yogo bhagavati
tan-nāma-grahaṇādibhiḥ

Sinônimos

etāvān — esse tanto; eva — na verdade; loke asmin — neste mundo material; puṁsām — das entidades vivas; dharmaḥ — os princípios religiosos; paraḥ — transcendentais; smṛtaḥ — reconhecidos; bhakti-yogaḥbhaktiyoga, ou serviço devocional; bhagavati — à Suprema Personalidade de Deus (e não aos semideuses); tat — Seu; nāma — do santo nome; grahaṇa-ādibhiḥ — começando com o canto.

Tradução

O serviço devocional, começando com o canto do santo nome do Senhor, é, na sociedade humana, o princípio religioso definitivo da entidade viva.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirmou no verso anterior, dharma bhāgavatam, os verdadeiros princípios religiosos, são bhāgavata-dharma, os princípios descritos no próprio Śrīmad-Bhāgavatam ou na Bhagavad-gītā, o estudo preliminar do Bhāgavatam. Quais são esses princípios? O Bhāgavatam diz que dharmaḥ projjhita-kaitavo ’tra: no Śrīmad-­Bhāgavatam, não há sistemas religiosos enganadores. Tudo no Bhāgavatam está diretamente relacionado com a Suprema Personalidade de Deus. Continuando, o Bhāgavatam diz que sa vai puṁsāṁ paro dharmo yato bhaktir adhokṣaje: a religião suprema é aquela que en­sina seus seguidores a amarem a Suprema Personalidade de Deus, o qual está além do alcance do conhecimento experimental. Tal siste­ma religioso começa com tan-nāma-grahaṇa, o canto do santo nome do Senhor (śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇaṁ pāda-sevanam). Após cantar os santos nomes do Senhor e dançar em êxtase, pode-se gradualmente ver a forma do Senhor, os passatempos do Senhor e as qualidades transcendentais do Senhor. Dessa maneira, a pessoa entende plenamente a natureza da Suprema Personalidade de Deus. Alguém pode chegar a essa compreensão acerca do Senhor, como Ele faz Seu advento no mundo material, como nasce e que atividades executa, mas só pode saber isso quem presta serviço devocional. Como se afirma na Bhagavad-gītā, bhaktyā mām abhijānāti: simplesmente através do serviço devocional, a pessoa pode entender tudo sobre o Senhor Supremo. Se, por esse método, ela tem a fortuna de en­tender o Senhor Supremo, o resultado é tyaktvā dehaṁ punar janma naiti: após abandonar seu corpo material, ela não volta a nascer neste mundo material. Ao contrário, ela retorna ao lar, retorna ao Supremo. Essa é a perfeição definitiva. Portanto, Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (8.15):

mām upetya punar janma
duḥkhālayam aśāśvatam
nāpnuvanti mahātmānaḥ
saṁsiddhiṁ paramāṁ gatāḥ

“Após Me alcançarem, as grandes almas, que são yogīs em devoção, jamais retornam a este mundo temporário que é cheio de sofrimentos, porque eles obtiveram a perfeição máxima.”

Texto

nāmoccāraṇa-māhātmyaṁ
hareḥ paśyata putrakāḥ
ajāmilo ’pi yenaiva
mṛtyu-pāśād amucyata

Sinônimos

nāma — do santo nome; uccāraṇa — da pronúncia; māhātmyam — a posição elevada; hareḥ — do Senhor Supremo; paśyata — vede só; putrakāḥ — os meus queridos servos, que sois meus filhos; ajāmilaḥ api — mesmo Ajāmila (que era considerado grandemente pecamino­so); yena — mediante cuja atitude de cantar; eva — decerto; mṛtyu-pāśāt — dos grilhões da morte; amucyata — foi liberto.

Tradução

Meus queridos servos, que estimo como meus próprios filhos, vede só quão glorioso é o canto do santo nome do Senhor. Sem saber que estava cantando o santo nome do Senhor, o pecaminosíssimo Ajāmila cantou esse nome com o único propósito de chamar seu filho. Entretanto, ao cantar o santo nome do Senhor, lembrou-se de Nārāyaṇa e, dessa maneira, foi imediatamente salvo dos grilhões da morte.

Comentário

SIGNIFICADO—Não há necessidade de fazer pesquisas para descobrir a impor­tância do canto do mantra Hare Kṛṣṇa. A história de Ajāmila prova suficientemente o poder do santo nome do Senhor e a elevada posi­ção daquele que não para de cantar o santo nome. Portanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu aconselha:

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

Nesta era de Kali, ninguém pode executar todas as cerimônias ritualísticas para se libertar; isso é extremamente difícil. Portanto, todos os śāstras e todos os ācāryas recomendam que, nesta era, deve­-se cantar o santo nome.

Texto

etāvatālam agha-nirharaṇāya puṁsāṁ
saṅkīrtanaṁ bhagavato guṇa-karma-nāmnām
vikruśya putram aghavān yad ajāmilo ’pi
nārāyaṇeti mriyamāṇa iyāya muktim

Sinônimos

etāvatā — com este tanto; alam — suficiente; agha-nirharaṇāya — para afastar as reações das atividades pecaminosas; puṁsām — dos seres humanos; saṅkīrtanam — o canto congregacional; bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus; guṇa — das qualidades materiais; karma-nāmnām — e dos Seus nomes de acordo com Suas atividades e passatempos; vikruśya — clamando por, sem nenhuma ofensa; putram — seu filho; aghavān — o pecaminoso; yat — uma vez que; ajāmilaḥ api — mesmo Ajāmila; nārāyaṇa — o nome do Senhor, Nārāyaṇa; iti — assim; mriyamāṇaḥ — morrendo; iyāya — alcançou; muktim — liberação.

Tradução

Portanto, deve-se entender que, cantando o santo nome do Senhor e cantando Suas qualidades e atividades, a pessoa se livra facilmen­te de todas as reações pecaminosas. Esse é o único processo recomendado a alguém que deseja livrar-se das reações pecaminosas. Mesmo quem canta o santo nome do Senhor com pronúncia inapropriada ficará aliviado do cativeiro material se cantar sem cometer ofensas. Ajāmila, por exemplo, era extremamente pecaminoso, mas, enquanto morria, ele meramente cantou o santo nome, e, embora chamasse seu filho, alcançou completa liberação porque se lembrou do nome de Nārāyaṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—Na assembleia do pai de Raghunātha Dāsa Gosvāmī, Haridāsa Ṭhākura confirmou que, simplesmente cantando o santo nome do Senhor, a pessoa se liberta, mesmo que ainda haja alguma ofensa neste seu cantar. Os smārta-brāhmaṇas e os māyāvādīs não acreditam que, através desse processo, alguém possa alcançar a liberação, mas a verdade contida na afirmação de Haridāsa Ṭhākura encontra apoio em muitas citações do Śrīmad-Bhāgavatam.

Em seu comentário sobre este verso, por exemplo, Śrīdhara Svāmī apresenta a seguinte citação:

sāyaṁ prātar gṛṇan bhaktyā
duḥkha-grāmād vimucyate

“Se, à noite e de manhã, alguém sempre canta o santo nome do Senhor com muita devoção, ele pode livrar-se de todos os sofrimentos materiais.” Outra citação confirma que alguém pode alcançar a liberação se ouvir o santo nome do Senhor constantemente, todos os dias e com grande respeito (anudinam idam ādareṇa śṛṇvan). Outra citação diz:

śravaṇaṁ kīrtanaṁ dhyānaṁ
harer adbhuta-karmaṇaḥ
janma-karma-guṇānāṁ ca
tad-arthe ’khila-ceṣṭitam

“Todos devem sempre cantar e ouvir as extraordinariamente maravilhosas atividades do Senhor, meditar nessas atividades e esforçar-se por satisfazer o Senhor.” (Śrīmad-Bhāgavatam 11.3.27)

Dos Purāṇas, Śrīdhara Svāmī também cita que pāpa-kṣayaś ca bhavati smaratāṁ tam ahar-niśam: “Alguém pode livrar-se de todas as reações pecaminosas simplesmente se lembrando dos pés de lótus do Senhor dia e noite [ahar-niśam].” Continuando, ele cita o Bhāgavatam (6.3.31):

tasmāt saṅkīrtanaṁ viṣṇor
jagan-maṅgalam aṁhasām
mahatām api kauravya
viddhy aikāntika-niṣkṛtam

Todas essas citações provam que a pessoa que se ocupa constantemente em cantar e ouvir sobre as santas atividades, nome, fama e forma do Senhor, é liberada. Como se afirmou maravilhosamente neste verso, etāvatālam agha-nirharaṇāya puṁsām: simplesmente pronunciando o nome do Senhor, as pessoas se livram de todas as reações pecaminosas.

A palavra alam, usada neste verso, indica que simplesmente pronunciar o santo nome do Senhor é suficiente. Aplicam-se a esta palavra diversas conotações. Como se afirma no Amara-kośa, o dicionário mais autorizado da língua sânscrita, alaṁ bhūṣaṇa paryāpti­-śakti-vāraṇa-vācakam: usa-se a palavra alam nas seguintes acepções – “ornamento”, “suficiência”, “poder” e “restrição”. Aqui, a palavra alam é usada para indicar que não há necessidade de algum outro processo, pois o canto do santo nome do Senhor é suficiente.

Mesmo que alguém cante imperfeitamente, livra-se de todas as reações pecaminosas ao cantar. Esse poder do cantar dos santos nomes foi provado pela liberação de Ajāmila. Ao cantar o santo nome de Nārāyaṇa, Ajāmila não se lembrou precisamente do Senhor Supremo, se não que se lembrou de seu próprio filho. Na hora da morte, Ajāmila certamente não estava muito puro; na verdade, ele carregava consigo a fama de ser um grande pecador. Além disso, na hora da morte, nossa condição fisiológica fica com­pletamente perturbada, e, em tal situação desfavorável, decerto teria sido muito difícil para Ajāmila ter cantado com nitidez. Entretanto, pelo simples fato de cantar o santo nome do Senhor, Ajāmila alcançou a liberação. O que dizer, então, daqueles que não são pecaminosos como Ajāmila? Deve-se concluir que, com uma forte determinação, todos devem cantar o santo nome do Senhor – Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare – porque assim, pela graça de Kṛṣṇa, com certeza se libertarão das garras de māyā.

O canto do mantra Hare Kṛṣṇa é recomendado até mesmo a pessoas que cometem ofensas, pois, com o passar do tempo, gradualmente cantarão sem cometer ofensas. Quem canta o mantra Hare Kṛṣṇa e não comete ofensas, vê aumentar seu amor por Kṛṣṇa. Como afirma Śrī Caitanya Mahāprabhu, premā pumartho mahān: nossa princi­pal preocupação deve consistir em aumentar nosso apego e amor à Suprema Personalidade de Deus.

Com relação a isso, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura cita o seguinte verso do Śrīmad-Bhāgavatam (11.19.24):

evaṁ dharmair manuṣyāṇām
uddhavātmani vedinām
mayi sañjāyate bhaktiḥ
ko ’nyo ’rtho ’syāvaśiṣyate

“Meu querido Uddhava, o supremo sistema religioso da sociedade humana é aquele através do qual a pessoa pode despertar seu ainda adormecido amor por Mim.” Comentando este verso, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura descreve a palavra bhakti dizendo premaivoktaḥ. Kaḥ anyaḥ arthaḥ asya: na presença de bhakti, por que se preocupar com a liberação?

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura também cita este verso do Padma Purāṇa:

nāmāparādha-yuktānāṁ
nāmāny eva haranty agham
aviśrānti-prayuktāni
tāny evārtha-karāṇi ca

Mesmo que, no começo, alguém cante o mantra Hare Kṛṣṇa e cometa ofensas, ele se libertará dessas ofensas cantando repetidas vezes. Pāpa-kṣayaś ca bhavati smaratāṁ tam ahar-niśam: livra-se de todas as reações pecaminosas aquele que, seguindo a recomendação de Śrī Caitanya Mahāprabhu, canta dia e noite. Foi Śrī Caitanya Mahā­prabhu quem mencionou o seguinte verso:

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

“Nesta era de desavenças e hipocrisia, o único meio de se alcançar a liberação é cantando o santo nome do Senhor. Não há outra manei­ra. Não há outra maneira. Não há outra maneira.” Se os membros do movimento da consciência de Kṛṣṇa seguirem estritamente esta recomendação de Śrī Caitanya Mahāprabhu, estarão sempre em uma posição segura.

Texto

prāyeṇa veda tad idaṁ na mahājano ’yaṁ
devyā vimohita-matir bata māyayālam
trayyāṁ jaḍī-kṛta-matir madhu-puṣpitāyāṁ
vaitānike mahati karmaṇi yujyamānaḥ

Sinônimos

prāyeṇa — quase sempre; veda — sabem; tat — disto; idam — isto; na — não; mahājanaḥ — grandes personalidades além de Svayambhū, Śambhu e os outros dez; ayam — esta; devyā — pela energia da Suprema Personalidade de Deus; vimohita-matiḥ — cuja inteligência está desorientada; bata — na verdade; māyayā — pela energia ilusória; alam — grandemente; trayyām — nos três Vedas; jaḍī-kṛta-matiḥ — cuja inteligência se tornou obtusa; madhu puṣpitāyām — na linguagem florida védica, que descreve os resultados das práticas ritualísticas; vaitānike — nas práticas mencionadas nos Vedas; mahati — muito grandes; karmaṇi — atividades fruitivas; yujyamānaḥ — estando ocupados.

Tradução

Porque estão desorientados pela energia ilusória da Suprema Personalidade de Deus, Yājñavalkya e Jaimini e outros compiladores das escrituras religiosas não podem conhecer o sistema religioso dos doze mahājanas, que é secreto e confidencial. Eles não podem entender o valor transcendental de se prestar serviço devocional ou de cantar o mantra Hare Kṛṣṇa. Porque suas mentes se deixam atrair pelas cerimônias ritualísticas mencionadas nos Vedas – especialmente no Yajur Veda, Sāma Veda e Ṛg Veda –, sua inteligência se tornou obtusa. Assim, eles estão ocupados em coletar os ingredientes para as cerimônias ritualísticas que produzem apenas benefícios temporários, tais como elevação a Svargaloka, onde, então, pode-se gozar de felicidade material. Eles não se sentem atraídos pelo movimento de saṅkīrtana; ao contrário, estão interessados em dharma, artha, kāma e mokṣa.

Comentário

SIGNIFICADO—Visto que pode alcançar facilmente o sucesso máximo quem canta o santo nome do Senhor, pode-se perguntar por que existem tantas cerimônias ritualísticas védicas e por que as pessoas se sentem atraídas por elas. Este verso responde tal pergunta. Como se declara na Bhagavad-gītā (15.15), vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ: o verdadeiro propósito de alguém estudar os Vedas é que ele consiga aproximar-se dos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa. Infelizmente, pessoas sem inteligência, desorientadas pela magnificência dos yajñas védi­cos, querem ver a execução de sacrifícios suntuosos. Querem que se cantem mantras védicos e que se apliquem grandes quantidades de dinheiro nessas cerimônias. Às vezes, para satisfazer esses homens sem inteligência, temos que observar as cerimônias ritualísticas védi­cas. Recentemente, quando estabelecemos em Vṛndāvana um grande templo de Kṛṣṇa-Balarāma, fomos obrigados a promover cerimônias védicas cuja execução ficou sob o encargo de determinados brāhmaṇas porque os habitantes de Vṛndāvana, especialmente os smārta-brāhmaṇas, não aceitariam europeus e americanos como brāhmaṇas autênticos. Assim, tivemos que encarregar aos brāhmaṇas a execução de yajñas dispendiosos. Apesar desses yajñas, os membros da nossa Sociedade, ao acompanhamento de mṛdaṅgas, executaram um saṅkīrtana muito alto, e dei mais importância ao saṅkīrtana do que às cerimônias ritualísticas védicas. Tanto as cerimônias quanto o saṅkīrtana procediam simultaneamente. As cerimônias se destinavam às pessoas interessadas nos rituais védicos para a elevação aos pla­netas celestiais (jaḍī-kṛta-matir madhu-puṣpitāyām), ao passo que o saṅkīrtana se destinava aos devotos puros, interessados em satisfa­zer a Suprema Personalidade de Deus. Por nosso gosto, teríamos simplesmente executado o saṅkīrtana, mas, se procedêssemos assim, os moradores de Vṛndāvana não levariam a sério a cerimônia de instalação. Como se explica aqui, reservam-se os rituais védicos àqueles cuja inteligência foi embotada pela linguagem florida dos Vedas, os quais descrevem atividades fruitivas destinadas a elevar as pessoas aos planetas superiores.

Especialmente nesta era de Kali, fazer apenas saṅkīrtana é suficiente. Se os membros de nossos templos nas diferentes partes do mundo continuarem o saṅkīrtana diante da Deidade, em especial diante de Śrī Caitanya Mahāprabhu, eles permanecerão perfeitos. Não há necessidade de quaisquer outras práticas. Entretanto, para que se mantenham hábitos e mente limpos, a adoração à Deidade e outros princípios reguladores são necessários. Śrīla Jīva Gosvāmī diz que, embora o saṅkīrtana seja suficiente para a perfeição da vida, arcana, ou adoração à Deidade no templo, deve continuar para que os devotos possam permanecer limpos e puros. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura, portanto, recomenda que se sigam ambos os pro­cessos simultaneamente. Seguimos à risca esse princípio de executar adoração à Deidade e fazer saṅkīrtana como dois processos que, lado a lado, percorrem linhas paralelas. Nunca devemos descontinuar essa política.

Texto

evaṁ vimṛśya sudhiyo bhagavaty anante
sarvātmanā vidadhate khalu bhāva-yogam
te me na daṇḍam arhanty atha yady amīṣāṁ
syāt pātakaṁ tad api hanty urugāya-vādaḥ

Sinônimos

evam — assim; vimṛśya — considerando; su-dhiyaḥ — aqueles cuja inteligência é aguda; bhagavati — à Suprema Personalidade de Deus; anante — o ilimitado; sarva-ātmanā — com todo o seu coração e alma; vidadhate — adotam; khalu — na verdade; bhāva-yogam — o processo de serviço devocional; te — essas pessoas; me — minha; na — não; daṇḍam — punição; arhanti — merecem; atha — portanto; yadi — se; amīṣām — delas; syāt — existe; pātakam — alguma atividade pecaminosa; tat — isto; api — também; hanti — destrói; urugāya-vādaḥ — o canto do santo nome do Senhor Supremo.

Tradução

Portanto, considerando todos esses pontos, os homens inteligentes decidem-se por eliminar todos os problemas adotando o serviço de­vocional na forma do cantar do santo nome do Senhor, que está situado nos corações de todos e que é uma mina de todas as qualidades auspi­ciosas. Punir essas pessoas não consta em minha jurisdição. De modo geral, elas jamais cometem atividades pecaminosas, mas mesmo que, por des­cuido ou por confusão ou ilusão, às vezes cometam atos pecamino­sos, são protegidas das reações pecaminosas porque sempre cantam o mantra Hare Kṛṣṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—A esse respeito, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura cita o se­guinte verso, parte das orações do senhor Brahmā (Śrīmad-Bhāgavatam 10.14.29):

athāpi te deva padāmbuja-dvaya-
prasāda-leśānugṛhīta eva hi
jānāti tattvaṁ bhagavan-mahimno
na cānya eko ’pi ciraṁ vicinvan

O significado é que, muito embora alguém seja um sábio que entenda muito bem os śāstras védicos, pode desconhecer por completo a existência, o nome, a fama, as qualidades e os outros atributos da Suprema Personalidade de Deus, ao passo que outrem que não é um grande erudito pode entender a posição da Suprema Perso­nalidade de Deus se, de alguma forma, tornar-se devoto puro do Senhor, ocupando-se em serviço devocional. Portanto, este verso falado por Yamarāja diz que evaṁ vimṛśya sudhiyo bhagavati: aqueles que se ocupam em prestar serviço amoroso ao Senhor se tornam sudhiyaḥ, inteligentes, mas isso não acontece a um erudito védico que não entende o nome, a fama e as qualidades de Kṛṣṇa. Devoto puro é aquele cuja inteligência é clara; ele é verdadeiramente introspectivo porque se ocupa a serviço do Senhor – não para se exibir, mas serve movido por amor, com sua mente, suas palavras e seu corpo. Os não-­devotos podem fazer uma exibição de religião, mas isso não é muito efetivo porque, embora com muita ostentação visitem o templo ou a igreja, estão pensando em alguma outra coisa. Tais pessoas estão negligenciando seu dever religioso e se sujeitam à punição imposta por Yamarāja. Mas o devoto que, devido aos seus hábitos anterio­res, comete atos pecaminosos, nos quais incorre involuntária ou acidentalmente, é perdoado. É esse o valor do movimento de saṅkīrtana.

Texto

te deva-siddha-parigīta-pavitra-gāthā
ye sādhavaḥ samadṛśo bhagavat-prapannāḥ
tān nopasīdata harer gadayābhiguptān
naiṣāṁ vayaṁ na ca vayaḥ prabhavāma daṇḍe

Sinônimos

te — eles; deva — pelos semideuses; siddha — e pelos habitantes de Siddhaloka; parigīta — cantadas; pavitra-gāthāḥ — cujas narrações puras; ye — quem; sādhavaḥ — devotos; samadṛśaḥ — que veem a todos com igualdade; bhagavat-prapannāḥ — estando rendidos à Suprema Personalidade de Deus; tān — deles; na — não; upasīdata — deveis chegar perto; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; gadayā — pela maça; abhiguptān — estando plenamente protegidos; na — não; eṣām — destes; vayam — nós; na ca — e também não; vayaḥ — tempo ilimitado; prabhavāma — somos competentes; daṇḍe — para punir.

Tradução

Meus queridos servos, por favor, não vos aproximeis desses devotos, pois eles se renderam plenamente aos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Eles são equânimes com todos, e suas glórias são cantadas pelos semideuses e pelos habitantes de Siddhaloka. Por favor, nem mesmo chegueis perto deles. Eles sempre são protegidos pela maça da Suprema Personalidade de Deus, e, portanto, o senhor Brahmā e eu, e até mesmo o fator tempo, não temos competência para castigá-los.

Comentário

SIGNIFICADO—Com efeito, Yamarāja advertiu seus servos: “Meus queridos servos, apesar do que fizestes para perturbar os devotos, deveis conter-vos de agora em diante. As ações dos devotos que se renderam aos pés de lótus do Senhor e que estão sempre cantando o santo nome do Senhor são louvadas pelos semideuses e pelos habitantes de Siddhaloka. Esses devotos são tão respeitados e tão sublimes que o Senhor Viṣṇu os protege pessoalmente com a maça que porta em Sua mão. Por­tanto, apesar do que fizeram desta vez, não deveis vos aproximar desses devotos de agora em diante; caso contrário, sereis mortos pela maça do Senhor Viṣṇu. Esta é a minha advertência. O Senhor Viṣṇu tem uma maça e um cakra para punir os não-devotos. Não vos arrisqueis a essa punição, tentando perturbar os devotos. Se mesmo o senhor Brahmā e eu fôssemos puni-los, o Senhor Viṣṇu nos castigaria, o que, então, aconteceria convosco se tomásseis essa atitude de puni-los? Portanto, não volteis a perturbar os devotos.”

Texto

tān ānayadhvam asato vimukhān mukunda-
pādāravinda-makaranda-rasād ajasram
niṣkiñcanaiḥ paramahaṁsa-kulair asaṅgair
juṣṭād gṛhe niraya-vartmani baddha-tṛṣṇān

Sinônimos

tān — a eles; ānayadhvam — trazei diante de mim; asataḥ — não­-devotos (aqueles que não adotaram a consciência de Kṛṣṇa); vi­mukhān — que se insurgiram contra; mukunda — de Mukunda, a Suprema Personalidade de Deus; pāda-aravinda — dos pés de lótus; makaranda — do mel; rasāt — o sabor; ajasram — continuamente; niṣ­kiñcanaiḥ — pelas pessoas inteiramente livres do apego material; paramahaṁsa-kulaiḥ — pelos paramahaṁsas, as personalidades mais elevadas; asaṅgaiḥ — que não têm apego material; juṣṭāt — que é desfrutado; gṛhe — à vida familiar; niraya-vartmani — o caminho que leva ao inferno; baddha-tṛṣṇān — cujos desejos estão atados.

Tradução

Os paramahaṁsas são pessoas elevadas que não têm gosto pelo gozo material e que sorvem o mel dos pés de lótus do Senhor. Meus queridos servos, trazei-me para serem punidas somente as pessoas que têm aversão ao gosto desse mel, que não se associam com os paramahaṁsas e que estão apegadas à vida familiar e ao gozo mundano, o que forma o caminho para o inferno.

Comentário

SIGNIFICADO—Após advertir os Yamadūtas a não se aproximarem dos devotos, Yamarāja passa a indicar quem deve ser levado diante dele. Ele aconselha especificamente que os Yamadūtas lhe tragam as pessoas materialistas que, meramente a troco de sexo, são apegadas à vida familiar. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam, yan maithunādi-gṛhamedhi-sukhaṁ hi tuccham: as pessoas têm apego pela vida familiar unicamente para se entregarem a atividades sexuais. Elas sempre sofrem vários tipos de aflições em suas ocupações materiais, e sua única felicidade é que, após trabalharem muito arduamente o dia todo, elas se deitam e fazem sexo à noite. Nidrayā hriyate naktaṁ vyavāyena ca vā vayaḥ: à noite, os pais de família materialistas ou dormem ou fazem sexo. Divā cārthehayā rajan kuṭumba-bharaṇena vā: durante o dia, dedicam-se a sair em busca do dinheiro e, se o conseguem, gastam-no para manter suas famílias. Yamarāja acon­selha especificamente seus servos a trazerem tais pessoas para serem punidas por ele, e a evitarem de trazer os devotos, que sempre lambem o mel aos pés de lótus do Senhor, que são equânimes com todos e que, devido à misericórdia que sentem por todas as entidades vivas, tentam pregar a consciência de Kṛṣṇa. Os devotos não se submetem à punição infligida por Yamarāja, mas as pessoas desinformadas acerca da consciência de Kṛṣṇa não podem ser protegidas pela sua vida material de aparente gozo familiar. O Śrīmad-Bhāgavatam (2.1.4) diz:

dehāpatya-kalatrādiṣv
ātma-sainyeṣv asatsv api
teṣāṁ pramatto nidhanaṁ
paśyann api na paśyati

Essas pessoas acreditam piamente que suas nações, comunidades ou famílias podem protegê-las, desconhecendo que, no decorrer do tempo, todos esses soldados falíveis serão destruídos. Em conclu­são, todos devem tentar associar-se com pessoas que se ocupam em serviço devocional vinte e quatro horas por dia.

Texto

jihvā na vakti bhagavad-guṇa-nāmadheyaṁ
cetaś ca na smarati tac-caraṇāravindam
kṛṣṇāya no namati yac-chira ekadāpi
tān ānayadhvam asato ’kṛta-viṣṇu-kṛtyān

Sinônimos

jihvā — a língua; na — não; vakti — canta; bhagavat — da Suprema Personalidade de Deus; guṇa — qualidades transcendentais; nāma — e o santo nome; dheyam — partilhando; cetaḥ — o coração; ca — também; na — não; smarati — se lembra de; tat — Seus; caraṇa-aravindam — pés de lótus; kṛṣṇāya — diante de Kṛṣṇa, através de Sua Deidade no templo; no — não; namati — se prostra; yat — cuja; śiraḥ — cabeça; ekadā api — mesmo uma só vez; tān — a eles; ānayadhvam — trazei pe­rante mim; asataḥ — os não-devotos; akṛta — que não executam; viṣṇu­-kṛtyān — deveres para com o Senhor Viṣṇu.

Tradução

Meus queridos servos, por favor, trazei-me apenas aquelas pessoas pecaminosas que não usam suas línguas para cantar o santo nome e as qualidades de Kṛṣṇa, cujos corações nem mesmo uma vez se lembram dos pés de lótus de Kṛṣṇa, e cujas cabeças nem mesmo uma vez se prostram diante do Senhor Kṛṣṇa. Enviai-me aqueles que não executam os deveres que lhes cabem prestar a Viṣṇu, e que são os únicos deveres da vida humana. Por favor, trazei-me todos esses tolos e patifes.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra viṣṇu-kṛtyān é muito importante porque o propósito da vida humana é satisfazer o Senhor Viṣṇu. Varṇāśrama-dharma também se destina a esse fim. Como se afirma no Viṣṇu Purāṇa (3.8.9):

varṇāśramācāravatā
puruṣeṇa paraḥ pumān
viṣṇur ārādhyate panthā
nānyat tat-toṣa-kāraṇam

Cabe à sociedade humana seguir estritamente o varṇāśrama-dharma, que divide a sociedade em quatro classes sociais (brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra) e quatro categorias espirituais (brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa). O varṇāśrama-dharma facilmente leva a pessoa para perto do Senhor Viṣṇu, que é o único e verdadeiro objetivo da sociedade humana. Na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇum: infe­lizmente, as pessoas não sabem que seu interesse pessoal é retornar ao lar, retornar ao Supremo, ou se aproximar do Senhor Viṣṇu. Durāśayā ye bahir-artha-māninaḥ: ao contrário, elas estão simplesmente confusas. A todo ser humano, compete executar seus deveres que objetivam a aproximá-lo do Senhor Viṣṇu. Portanto, Yamarāja aconselha os Yamadūtas a trazerem-lhe aquelas pessoas que se esqueceram de seus deveres para com Viṣṇu (akṛta-viṣṇu-kṛtyān). Quem não canta o santo nome de Viṣṇu (Kṛṣṇa), quem não se prostra diante da Deidade de Viṣṇu e quem não se lembra dos pés de lótus de Viṣṇu merece ser punido por Yamarāja. Em suma, todos os avaiṣṇavas, pes­soas que não estão interessadas no Senhor Viṣṇu, são puníveis por parte de Yamarāja.

Texto

tat kṣamyatāṁ sa bhagavān puruṣaḥ purāṇo
nārāyaṇaḥ sva-puruṣair yad asat kṛtaṁ naḥ
svānām aho na viduṣāṁ racitāñjalīnāṁ
kṣāntir garīyasi namaḥ puruṣāya bhūmne

Sinônimos

tat — isto; kṣamyatām — que seja perdoado; saḥ — Ele; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; puruṣaḥ — a Pessoa Suprema; pu­rāṇaḥ — o mais velho; nārāyaṇaḥ — Senhor Nārāyaṇa; sva-puruṣaiḥ — pelos meus próprios servos; yat — cujo; asat — desaforo; kṛtam — realizado; naḥ — de nós; svānām — de meus próprios homens; aho — ai de mim; na viduṣām — não conhecendo; racita-añjalīnām — juntando nossas mãos para implorarmos o Vosso perdão; kṣāntiḥ — clemência; garīyasi — na gloriosa; namaḥ — respeitosas reverências; puruṣāya — à pessoa; bhūmne — suprema e onipenetrante.

Tradução

[Então, Yamarāja, considerando a si e a seus servos como ofensores, falou o seguinte, pedindo perdão ao Senhor.] Ó meu Senhor, ao prenderem um vaiṣṇava como Ajāmila, meus servos de­certo cometeram uma grande ofensa. Ó Nārāyaṇa, ó pessoa suprema e mais velha, por favor, perdoai-nos. Devido à nossa ignorância, deixamos de reconhecer Ajāmila como um servo de Vossa Onipotência e, dessa maneira, certamente cometemos uma grande ofensa. Portanto, de mãos postas, imploramos pelo Vosso perdão. Meu Senhor, como sois supremamente misericordioso e sempre estais repleto de todas as boas qualidades, por favor, perdoai-nos. Oferecemos-Vos nossas respei­tosas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Yamarāja tomou para si mesmo a responsabilidade da ofensa cometida pelos seus servos. Se o servo de um estabelecimen­to erra, o estabelecimento assume responsabilidade por esse erro. Embora Yamarāja esteja situado acima de qualquer ofensa, seus servos, praticamente com sua permissão, foram prender Ajāmila, e isso foi uma grande ofensa. O nyāya-śāstra confirma que bhṛtyāparādhe svāmino daṇḍaḥ: se um servo comete um erro, o mestre é punível porque é responsável pela ofensa. Levando isso muito a sério, Yamarāja e seus servos oraram de mãos postas para que fossem perdoados pela Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa.

Texto

tasmāt saṅkīrtanaṁ viṣṇor
jagan-maṅgalam aṁhasām
mahatām api kauravya
viddhy aikāntika-niṣkṛtam

Sinônimos

tasmāt — portanto; saṅkīrtanam — o canto congregacional do santo nome; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; jagat-maṅgalam — a prática mais auspiciosa dentro deste mundo material; aṁhasām — para atividades pecaminosas; mahatām api — mesmo que sejam enormes; kauravya — ó descendente da família Kuru; viddhi — entende; aikāntika — defini­tiva; niṣkṛtam — a expiação.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Meu querido rei, o canto do santo nome do Senhor é capaz de extinguir até mesmo as reações dos maiores pecados. Portanto, o canto do movimento de saṅkīrtana é a atividade mais auspiciosa em todo o universo. Por favor, tenta compreender isto para que os outros também levem isso a sério.

Comentário

SIGNIFICADO—Devemos notar que, embora tivesse cantado o nome de Nārāyaṇa imperfeitamente, Ajāmila foi liberto de todas as reações pecaminosas. O canto do santo nome é tão auspicioso que pode livrar todas as pessoas das reações das atividades pecaminosas. Com isso, não devemos ficar pensando que alguém pode continuar pecando com a intenção de cantar Hare Kṛṣṇa para neutralizar as reações. Ao contrário, ele deve ser muito cuidadoso para se livrar de todos os pecados e jamais pensar em anular as atividades pecaminosas cantando o mantra Hare Kṛṣṇa, pois semelhante procedimento caracterizaria outra ofensa. Se por acaso o devoto acidentalmente comete alguma atividade pecaminosa, o Senhor o perdoará, mas ninguém deve executar atos pecaminosos intencionalmente.

Texto

śṛṇvatāṁ gṛṇatāṁ vīryāṇy
uddāmāni harer muhuḥ
yathā sujātayā bhaktyā
śuddhyen nātmā vratādibhiḥ

Sinônimos

śṛṇvatām — daqueles que ouvem; gṛṇatām — e cantam; vīryāṇi — as atividades maravilhosas; uddāmāni — capazes de anular o peca­do; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; muhuḥ — sempre; yathā — como; su-jātayā — facilmente chamadas à baila; bhaktyā — através do serviço devocional; śuddhyet — podem purificar-se; na — ­não; ātmā — o coração e a alma; vrata-ādibhiḥ — executando cerimônias ritualísticas.

Tradução

Quem constantemente ouve e canta o santo nome do Senhor e quem ouve e canta acerca de Suas atividades pode alcançar muito facilmente a plataforma de serviço devocional puro, o qual pode tirar a sujeira acumulada em seu coração. Ninguém pode alcançar esta purificação meramente seguindo votos e executando cerimônias ritualísticas védicas.

Comentário

SIGNIFICADO—Pode-se praticar muito facilmente o processo de se cantar e ouvir o santo nome do Senhor e, dessa maneira, tornar-se extático na vida espiritual. O Padma Purāṇa afirma:

nāmāparādha-yuktānāṁ
nāmāny eva haranty agham
aviśrānti-prayuktāni
tāny evārtha-karāṇi ca

Mesmo que alguém cante o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa e cometa ofensas, pode evitar as ofensas se continuar cantando sem cessar. Quem se estabelece nesta prática permanece sempre em uma posição transcendental pura, imune às reações pecaminosas. Śukadeva Gosvāmī pediu especialmente ao rei Parīkṣit que observasse esse fato com muita atenção. Não há proveito, entretanto, em executar as cerimônias ritualísticas védicas. Quem executa essas atividades pode elevar-se aos sistemas planetários superiores, mas, como se afirma na Bhagavad-gītā (9.21), kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti: uma vez esgotado o seu período de gozo nos planetas celestiais, pois os resultados de suas atividades piedosas são restritos, ele tem que voltar à Terra. Assim, não adianta esforçar-se em viajar para cima e para baixo no Universo. É melhor ele cantar o santo nome do Senhor para que possa purificar-se por completo e se tornar apto a regressar ao lar, regressar ao Supremo. Essa é a meta da vida, e é a perfeição da vida.

Texto

kṛṣṇāṅghri-padma-madhu-liṇ na punar visṛṣṭa-
māyā-guṇeṣu ramate vṛjināvaheṣu
anyas tu kāma-hata ātma-rajaḥ pramārṣṭum
īheta karma yata eva rajaḥ punaḥ syāt

Sinônimos

kṛṣṇa-aṅghri-padma — dos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa; madhu — o mel; liṭ — aquele que lambe; na — não; punaḥ — novamente; visṛṣṭa — já renunciado; māyā-guṇeṣu — nos modos da natureza material; ramate — deseja desfrutar; vṛjina-avaheṣu — que provocam infelicida­de; anyaḥ — outro; tu — contudo; kāma-hataḥ — estando encantado pela luxúria; ātma-rajaḥ — a contaminação pecaminosa do coração; pramārṣṭum — extirpar; īheta — pode executar; karma — atividades; yataḥ — após as quais; eva — na verdade; rajaḥ — a atividade pecami­nosa; punaḥ — novamente; syāt — aparece.

Tradução

Os devotos que sempre lambem o mel dos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa não se importam de modo algum com as atividades materiais, que são executadas sob os três modos da natureza material e que trazem apenas sofrimentos. Na verdade, os devotos jamais abandonam os pés de lótus de Kṛṣṇa, evitando, assim, de retornarem às atividades materiais. Outros, entretanto, que se dedicam aos rituais védicos porque negligenciaram o serviço aos pés de lótus do Senhor e estão encantados pelos desejos luxuriosos, às vezes executam atos de expiação. Todavia, estando incompletamente purificados, eles retornam vezes e mais vezes às atividades pecaminosas.

Comentário

SIGNIFICADO—O dever do devoto é cantar o mantra Hare Kṛṣṇa. Pode ser que ora se cante cometendo ofensas, ora sem cometê-las, mas quem adota seriamente este processo alcançará a perfeição, a qual não pode ser obtida através das cerimônias ritualísticas védicas de expiação. Aqueles que, aconselhando a expiação, estão apegados às cerimônias ritualísticas védicas, mas não creem no serviço devocional e não valorizam o canto do santo nome do Senhor, deixam de alcançar a perfeição máxima. Por sua vez, estando completamente desapegados do gozo material, os devotos jamais abandonam a consciên­cia de Kṛṣṇa em troca das cerimônias ritualísticas védicas. Aqueles que, devido aos desejos luxuriosos, estão apegados às cerimônias ritualísticas védicas, sujeitam-se a repetidas tribulações na existên­cia material. Mahārāja Parīkṣit compara as atividades deles com kuñjara-śauca, o banho do elefante.

Texto

itthaṁ svabhartṛ-gaditaṁ bhagavan-mahitvaṁ
saṁsmṛtya vismita-dhiyo yama-kiṅkarās te
naivācyutāśraya-janaṁ pratiśaṅkamānā
draṣṭuṁ ca bibhyati tataḥ prabhṛti sma rājan

Sinônimos

ittham — de tal poder; sva-bhartṛ-gaditam — explicado por seu mestre (Yamarāja); bhagavat-mahitvam — a glória extraordinária da Suprema Personalidade de Deus e de Seu nome, fama, forma e atri­butos; saṁsmṛtya — lembrando-se de; vismita-dhiyaḥ — cujas mentes ficaram cheias de espanto; yama-kiṅkarāḥ — todos os servos de Yamarāja; te — eles; na — não; eva — na verdade; acyuta-āśraya­-janam — uma pessoa refugiada aos pés de lótus de Acyuta, o Senhor Kṛṣṇa; pratiśaṅkamānāḥ — sempre temendo; draṣṭum — ver; ca — e; bibhyati — eles temem; tataḥ prabhṛti — desde então; sma — na verda­de; rājan — ó rei.

Tradução

Após ouvirem da boca de seu mestre sobre as glórias extraordi­nárias do Senhor e de Seu nome, fama e atributos, os Yamadūtas ficaram admirados. Desde então, assim que veem um devoto, ficam com medo dele e não ousam olhar para ele novamente.

Comentário

SIGNIFICADO—Desde esse incidente, os Yamadūtas abandonaram o perigoso comportamento de se aproximar dos devotos, pois, para os Yamadūtas, isso é perigoso.

Texto

itihāsam imaṁ guhyaṁ
bhagavān kumbha-sambhavaḥ
kathayām āsa malaya
āsīno harim arcayan

Sinônimos

itihāsam — história; imam — esta; guhyam — muito confidencial; bhagavān — o poderosíssimo; kumbha-sambhavaḥ — Agastya Muni, o filho de Kumbha; kathayām āsa — explicou; malaye — nas colinas Malaya; āsīnaḥ — residindo; harim arcayan — adorando a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Quando o grande sábio Agastya, o filho de Kumbha, residia nas colinas Malaya e adorava a Suprema Personalidade de Deus, aproximei-me dele, e ele me explicou esta história confidencial.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do sexto canto, terceiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Yamarāja Instrui Seus Mensageiros”.