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ŚB 10.87.31

Texto

na ghaṭata udbhavaḥ prakṛti-pūruṣayor ajayor
ubhaya-yujā bhavanty asu-bhṛto jala-budbuda-vat
tvayi ta ime tato vividha-nāma-guṇaiḥ parame
sarita ivārṇave madhuni lilyur aśeṣa-rasāḥ

Sinônimos

na ghaṭate — não acontece; udbhavaḥ — a geração; prakṛti — da natureza material; pūruṣayoḥ — e da alma que é seu desfrutador; ajayoḥ — que são não nascidos; ubhaya — de ambos; yujā — pela combinação; bhavanti — vêm a existir; asu-bhṛtaḥ — corpos vivos; jala — na água; budbuda — bolhas; vat — como; tvayi — em Vós; te ime — estes (seres vivos); tataḥ — portanto; vividha — vários; nāma — com nomes; guṇaiḥ — e qualidades; parame — no Supremo; saritaḥ — rios; iva — como; arṇave — dentro do oceano; madhuni — em mel; lilyuḥ — fundem-se; aśeṣa — todos; rasāḥ — sabores.

Tradução

Nem a natureza material nem a alma que tenta desfrutá-la nascem em tempo algum. Ainda assim, os corpos vivos vêm a existir quando estes dois se combinam, assim como bolhas se formam quando a água se encontra com o ar. E assim como os rios fundem-se no oceano ou o néctar de muitas flores diferentes se mistura no mel, da mesma forma todos esses seres condicionados terminam fun­dindo-se outra vez em Vós, o Supremo, juntamente com seus vários nomes e qualidades.

Comentário

SIGNIFICADO—Sem apropriada orientação espiritual, alguém pode interpretar mal a afirmação dos Vedas de que entidades vivas emanam do Senhor como significando que elas vieram a existir neste processo e ter­minarão voltando à não-existência. Mas se as entidades vivas só tivessem existência temporária, então, quando uma delas morresse, seu karma restante simplesmente desapareceria sem ter sido esgotado, e quando uma alma nascesse, ela apareceria com um karma inexplicável, que nada fizera para obter. Além disso, a liberação de um ser vivo significaria a erradicação total de sua identidade e existência.

A verdade, todavia, é que a essência da alma é una com a de Brahman, assim como a pequena porção de espaço contida em um pote de barro é una em essência com o céu que se expande por toda a parte. E assim como o fazer e o quebrar de um pote, o “nascimento” de uma alma individual consiste em primeiro ela ser coberta por um corpo material, e sua “morte”, ou liberação, consiste na destruição de seus corpos grosseiro e sutil de uma vez por todas. Com certeza tal “nascimento” e “morte” acontecem apenas pela misericórdia do Senhor Supremo.

A combinação da natureza material e seu controlador que produz os numerosos seres condicionados na criação material é comparada aqui à combinação de água e ar que produz incontáveis bolhas de es­puma na superfície do mar. Assim como a causa eficiente, o ar, im­pele a causa constituinte, a água, a converter-se em bolhas, de igual modo, por Seu olhar, o Supremo Puruṣa inspira a prakṛti a transformar-­se no conjunto de elementos materiais, e as inumeráveis formas ma­teriais manifestam-se a partir desses elementos. A prakṛti, então, serve como o upādāna-kāraṇa, ou causa constituinte, da criação. Em última análi­se, porém, já que ela é também uma expansão do Senhor Supremo, é apenas o Senhor que é a causa constituinte bem como a causa eficien­te. É isso o que se declara na Taittirīya Upaniṣad (2.2.1), tasmād vā etasmād ātmana ākāśaḥ sambhūtaḥ: “Desta Alma Suprema, o éter evoluiu”, e so ’kāmayata bahu syāṁ prajāyeya: “Ele desejou: ‘Que Eu Me torne muitos expandindo-Me em progênie.’”

As almas jīvas individuais não são criadas quando “nascem” do Senhor Supremo e da prakṛti, tampouco são destruídas quando voltam a “fundir-se” no Senhor, reunindo-se a Ele nos aprazíveis passa­tempos de Seu reino eterno. E da mesma maneira que as jīvas in­finitesimais podem parecer submeter-se a nascimentos e mortes sem nenhuma mudança real, o Senhor Supremo pode produzir e recolher Suas emanações sem que Ele mesmo sujeite-Se a qualquer transfor­mação. Por isso, a Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad (4.5.14) assevera que avināśi vāre ’yam ātmā: “Este ātmā é de fato indestrutível” – uma afirmação que tanto se pode aplicar à Alma Suprema quanto à alma jīva subordinada.

Como explicou Śrīla Śrīdhara Svāmī, a dissolução da condição ma­terial do ser vivo ocorre de duas maneiras: parcial e completa. A dis­solução parcial ocorre quando a alma experimenta o sono sem sonhos, quando deixa o corpo e quando todas as almas entram novamente no corpo de Mahā-Viṣṇu por ocasião da aniquilação universal. Esses diferentes tipos de dissolução são como a mistura do néctar trazido de diferen­tes espécies de flores pelas abelhas. Os diferentes sabores de néctar representam as adormecidas reações kármicas de cada entidade viva, que ainda existem mas não podem distinguir-se facilmente umas das outras. Em contraste, a dissolução última da condição material da alma é sua liberação do saṁsāra, que é como o fluir dos rios para o oceano. Assim como as águas de diferentes rios se misturam após entrarem no oceano e tornam-se indistinguíveis umas das outras; do mesmo modo, as falsas designações materiais das jīvas são abando­nadas no momento da liberação, e todas as jīvas liberadas mais uma vez situam-se igualmente como servas do Senhor Supremo.

As Upaniṣads descrevem essas dissoluções da seguinte maneira, yathā saumya madhu madhu-kṛto nitiṣṭhanti nānātyayānāṁ vṛkṣānāṁ rasān samavahāram ekatāṁ saṅgayanti. te yathā tatra na vivekaṁ labhante amuṣyāhaṁ vṛkṣasya raso ’smy anuisyāhaṁ raso ’smīty evam eva khalu saumyemāḥ sarvāḥ prajāḥ sati sampadya na viduḥ sati sampradyāmaḥe: “Meu caro menino, esta [dissolução parcial] asse­melha-se ao que acontece quando as abelhas recolhem mel extraindo néctar das flores de várias espécies de árvores e amalgamam tudo em uma mistura única. Assim como os néctares misturados não podem distinguir: ‘Sou o sumo de tal e tal flor’, ou ‘Sou o sumo de outra flor’, da mesma maneira, caro menino, quando todas estas entidades vivas se fundem, elas não podem pensar conscientemente: ‘Agora nos fundimos.’” (Chāndogya Upaniṣad 6.9.1-2)

yathā nadyaḥ syandamānāḥ samudre
’staṁ gacchanti nāma-rūpe vihāya
tathā vidvān nāma-rūpād vimuktaḥ
parāt-paraṁ puruṣam upaiti divyam

“Assim como os rios fluem para sua dissolução no mar, abandonan­do seus nomes e formas ao chegarem a seu destino, analogamente o homem sábio que se liberta dos nomes e formas materiais alcança o Absoluto Supremo, a maravilhosa Personalidade de Deus.” (Muṇḍaka Upaniṣad 3.2.8)

Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:

yasminn udyad-vilayam api yad bhāti viśvaṁ layādau
jīvopetaṁ guru-karuṇayā kevalātmāvabodhe
atyantāntaṁ vrajati sahasā sindhu-vat sindhu-madhye
madhye cittaṁ tri-bhuvana-guruṁ bhāvaye taṁ nṛ-siṁham

“O Senhor Supremo é autorrefulgente e onisciente. Por Sua grandio­sa misericórdia, este universo, que está sujeito a repetidas criações e destruições, permanece presente dentro dEle depois de fundir-se de novo nEle, juntamente com as entidades vivas por ocasião da dissolução cósmica. Essa retração total da manifestação universal ocorre de repente, como o fluir do rio para o oceano. No âmago de meu coração, medito naquele mestre dos três mundos, o Senhor Nṛsiṁha.”