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CAPÍTULO UM

O Rei Sudyumna Torna-se uma Mulher

Este capítulo descreve como Sudyumna se tornou uma mulher e como a dinastia de Vaivasvata Manu se uniu com o Soma-vaṁśa, a dinastia proveniente da Lua.

Conforme o desejo de Mahārāja Parīkṣit, Śukadeva Gosvāmī falou sobre a dinastia de Vaivasvata Manu, que outrora fora o rei Satya­vrata, o governante de Draviḍa. Enquanto descrevia essa dinastia, ele também narrou como a Suprema Personalidade de Deus, enquanto estava deitado nas águas da devastação, produziu do lótus provenien­te de Seu umbigo o senhor Brahmā. Da mente do senhor Brahmā, gerou-se Marīci, e seu filho era Kaśyapa. A partir de Kaśyapa, através de Aditi, foi gerado Vivasvān, e, a partir de Vivasvān, veio Śrāddhadeva Manu, que nasceu do ventre de Saṁjñā. A esposa de Śrāddhadeva, Śraddhā, deu à luz dez filhos, e Ikṣvāku e Nṛga estavam entre eles.

Antes do nascimento de Ikṣvāku, o pai de Mahārāja Ikṣvāku, Śrāddhadeva, ou Vaivasvata Manu, não tinha filhos, mas, pela graça do grande sábio Vasiṣṭha, ele realizou um yajña para satisfa­zer Mitra e Varuṇa. Então, embora desejasse um filho, Vaivasvata Manu, pelo desejo de sua esposa, obteve uma filha chamada Ilā. Manu, entretanto, não ficou satisfeito com o fato de ter uma filha. Consequentemente, para a satisfação de Manu, o grande sábio Va­siṣṭha orou para que Ilā se transformasse em um menino, e sua oração foi ouvida pela Suprema Personalidade de Deus. Assim, Ilā tornou-­se um formoso jovem chamado Sudyumna.

Certa vez, Sudyumna saiu a viajar com seus ministros. Ao sopé da montanha Sumeru, existe uma floresta chamada Sukumāra, e logo que entraram nessa floresta, todos eles se transformaram em mulhe­res. Quando Mahārāja Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī qual a razão dessa transformação, Śukadeva Gosvāmī descreveu como Sudyumna, transformando-se em uma mulher, aceitou como espo­so Budha, o filho da Lua, com quem teve um filho chamado Purūravā. Pela graça do senhor Śiva, Sudyumna recebeu a bênção de que viveria um mês como mulher e um mês como homem. Assim, ele recuperou o seu reino e teve três filhos, chamados Utkala, Gaya e Vimala, todos os quais eram muito religiosos. Mais tarde, ele confiou seu reino a Purūravā e aceitou a ordem de vida vānaprastha.

Texto

śrī-rājovāca
manvantarāṇi sarvāṇi
tvayoktāni śrutāni me
vīryāṇy ananta-vīryasya
hares tatra kṛtāni ca

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — o rei Parīkṣit disse; manvantarāṇi — tudo sobre os períodos dos vários Manus; sarvāṇi — todos eles; tvayā — por ti; uktāni — foi descrito; śrutāni — foi ouvido; me — por mim; vīryāṇi — atividades maravilhosas; ananta-vīryasya — da Suprema Personalidade de Deus, cuja potência é ilimitada; hareḥ — do Senhor Supremo, Hari; tatra — naqueles períodos de manvantara; kṛtāni — que foram rea­lizadas; ca — também.

Tradução

O rei Parīkṣit disse: Meu senhor, Śukadeva Gosvāmī, descreves­te elaboradamente todos os períodos dos vários Manus e, dentro desses períodos, mencionaste as maravilhosas atividades da Suprema Personalidade de Deus, cuja potência é ilimitada. Tive a grande for­tuna de ouvir tudo isso ser narrado por ti.

Texto

yo ’sau satyavrato nāma
rājarṣir draviḍeśvaraḥ
jñānaṁ yo ’tīta-kalpānte
lebhe puruṣa-sevayā
sa vai vivasvataḥ putro
manur āsīd iti śrutam
tvattas tasya sutāḥ proktā
ikṣvāku-pramukhā nṛpāḥ

Sinônimos

yaḥ asau — aquele que era conhecido; satyavrataḥ — Satyavrata; nāma — pelo nome de; rāja-ṛṣiḥ — o rei santo; draviḍa-īśvaraḥ — o governante das regiões Draviḍa; jñānam — conhecimento; yaḥ — aquele que; atīta-kalpa-ante — no final do período do último Manu, ou no final do milênio passado; lebhe — recebido; puruṣa-sevayā — prestando serviço à Suprema Personalidade de Deus; saḥ — ele; vai — na verda­de; vivasvataḥ — de Vivasvān; putraḥ — filho; manuḥ āsīt — tornou-se o Vaivasvata Manu; iti — assim; śrutam — já ouvi; tvattaḥ — de ti; tasya — seus; sutāḥ — filhos; proktāḥ — foi explicado; ikṣvāku-pramu­khāḥ — encabeçados por Ikṣvāku; nṛpāḥ — muitos reis.

Tradução

Satyavrata, o rei santo de Draviḍadeśa que, pela graça do Supre­mo, recebeu conhecimento espiritual no fim do milênio passado, mais tarde, no manvantara seguinte [período de Manu], tornou-se Vaivasvata Manu, o filho de Vivasvān. Foi de ti que recebi este co­nhecimento. Sei também que reis tais como Ikṣvāku eram filhos dele, como já explicaste.

Texto

teṣāṁ vaṁśaṁ pṛthag brahman
vaṁśānucaritāni ca
kīrtayasva mahā-bhāga
nityaṁ śuśrūṣatāṁ hi naḥ

Sinônimos

teṣām — de todos aqueles reis; vaṁśam — as dinastias; pṛthak — separadamente; brahman — ó grande brāhmaṇa (Śukadeva Gosvāmī); vaṁśa-anucaritāni ca — e suas dinastias e características; kīrtayasva — por favor, descreve; mahā-bhāga — ó pessoa afortunadíssima; nityam — eternamente; śuśrūṣatām — que estamos ocupados em vosso serviço; hi — na verdade; naḥ — de nós mesmos.

Tradução

Ó afortunadíssimo Śukadeva Gosvāmī, ó grande brāhmaṇa, por favor, descreve-nos separadamente as dinastias e características de todos esses reis, pois estamos sempre ansiosos por te ouvir narrar esses tópicos.

Texto

ye bhūtā ye bhaviṣyāś ca
bhavanty adyatanāś ca ye
teṣāṁ naḥ puṇya-kīrtīnāṁ
sarveṣāṁ vada vikramān

Sinônimos

ye — todos os quais; bhūtāḥ — já apareceram; ye — todos os quais; bhaviṣyāḥ — aparecerão no futuro; ca — também; bhavanti — existem; adyatanāḥ — no presente; ca — também; ye — todos os quais; teṣām — de todos eles; naḥ — a nós; puṇya-kīrtīnām — que eram todos piedosos e célebres; sarveṣām — de todos eles; vada — por favor, explica; vi­kramān — as habilidades.

Tradução

Por favor, conta-nos a respeito das habilidades de todos os céle­bres reis nascidos na dinastia de Vaivasvata Manu, incluindo aqueles que já se foram, aqueles que aparecerão no futuro e aqueles que existem atualmente.

Texto

śrī-sūta uvāca
evaṁ parīkṣitā rājñā
sadasi brahma-vādinām
pṛṣṭaḥ provāca bhagavāñ
chukaḥ parama-dharma-vit

Sinônimos

śrī-sūtaḥ uvāca — Śrī Sūta Gosvāmī disse; evam — dessa maneira; parīkṣitā — por Mahārāja Parīkṣit; rājñā — pelo rei; sadasi — na assembleia; brahma-vādinām — de todos os grandes santos, peritos em conhecimento védico; pṛṣṭaḥ — tendo sido interrogado; provāca — respondeu; bhagavān — o poderosíssimo; śukaḥ — Śuka Gosvāmī; pa­rama-dharma-vit — o sábio mais entendido nos princípios religiosos.

Tradução

Sūta Gosvāmī disse: Quando Śukadeva Gosvāmī, o maior conhe­cedor dos princípios religiosos, na assembleia de todos os sábios entendidos no conhecimento védico, recebeu esse pedido de Mahā­rāja Parīkṣit, ele se colocou a falar.

Texto

śrī-śuka uvāca
śrūyatāṁ mānavo vaṁśaḥ
prācuryeṇa parantapa
na śakyate vistarato
vaktuṁ varṣa-śatair api

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; śrūyatām — simplesmente ouve enquanto falo sobre; mānavaḥ vaṁśaḥ — a dinastia de Manu; prācuryeṇa — tão extensamente como possível; parantapa — ó rei, ó tu que podes subjugar teus inimigos; na — não; śakyate — alguém é capaz; vistarataḥ — muito amplamente; vaktum — de falar; varṣa-śataiḥ api — mesmo que ele aja dessa maneira por centenas de anos.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Ó rei, subjugador de teus inimigos, ouve enquanto te falo muito pormenorizadamente a respeito da dinastia de Manu. Explicarei tudo o que for possível, embora ninguém consiga dizer tudo sobre ela, nem mesmo em centenas de anos.

Texto

parāvareṣāṁ bhūtānām
ātmā yaḥ puruṣaḥ paraḥ
sa evāsīd idaṁ viśvaṁ
kalpānte ’nyan na kiñcana

Sinônimos

para-avareṣām — de todas as entidades vivas, em status de vida superior ou inferior; bhūtānām — daqueles que receberam corpos materiais (as almas condicionadas); ātmā — a Superalma; yaḥ — aquele que é; puruṣaḥ — a Pessoa Suprema; paraḥ — transcendental; saḥ — Ele; eva — na verdade; āsīt — existia; idam — este; viśvam — universo; kalpa-ante — no final do milênio; anyat — alguma outra coisa; na — não; kiñcana — o que quer que seja.

Tradução

A transcendental Pessoa Suprema, a Superalma de todas as entidades vivas, situadas em diferentes status de vida, superiores ou inferiores, existia no fim do milênio, quando, a não ser Ele, nem este cosmo manifesto nem qualquer outra coisa existia.

Comentário

SIGNIFICADO—Assumindo a devida posição em que se pode descrever a dinastia de Manu, Śukadeva Gosvāmi começa dizendo que, quando todo o mundo é inundado, somente a Suprema Personalidade de Deus, e nada mais, existe. Śukadeva Gosvāmī passa agora a descrever como o Senhor realiza Suas criações, uma após a outra.

Texto

tasya nābheḥ samabhavat
padma-koṣo hiraṇmayaḥ
tasmiñ jajñe mahārāja
svayambhūś catur-ānanaḥ

Sinônimos

tasya — dEle (a Suprema Personalidade de Deus); nābheḥ — do umbigo; samabhavat — originou-se; padma-koṣaḥ — um lótus; hiraṇ­mayaḥ — conhecido como Hiraṇmaya, ou dourado; tasmin — naquele lótus dourado; jajñe — apareceu; mahārāja — ó rei; svayambhūḥ — alguém que é automanifesto, que nasce sem a intervenção de uma mãe; catuḥ-ānanaḥ — com quatro cabeças.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, a partir do umbigo da Suprema Personalidade de Deus, ori­ginou-se um lótus dourado, no qual nasceu o senhor Brahmā de quatro faces.

Texto

marīcir manasas tasya
jajñe tasyāpi kaśyapaḥ
dākṣāyaṇyāṁ tato ’dityāṁ
vivasvān abhavat sutaḥ

Sinônimos

marīciḥ — o grande santo conhecido como Marīci; manasaḥ tasya — da mente do senhor Brahmā; jajñe — nasceu; tasya api — de Marīci; kaśyapaḥ — Kaśyapa (nasceu); dākṣāyaṇyām — no ventre da filha de Mahārāja Dakṣa; tataḥ — depois disso; adityām — no ventre de Aditi; vivasvān — Vivasvān; abhavat — nasceu; sutaḥ — um filho.

Tradução

Da mente do senhor Brahmā, nasceu Marīci, e do sêmen de Marīci, apareceu Kaśyapa. De Kaśyapa, através do ventre de Aditi, nasceu Vivasvān.

Texto

tato manuḥ śrāddhadevaḥ
saṁjñāyām āsa bhārata
śraddhāyāṁ janayām āsa
daśa putrān sa ātmavān
ikṣvāku-nṛga-śaryāti-
diṣṭa-dhṛṣṭa-karūṣakān
nariṣyantaṁ pṛṣadhraṁ ca
nabhagaṁ ca kaviṁ vibhuḥ

Sinônimos

tataḥ — de Vivasvān; manuḥ śrāddhadevaḥ — o Manu chamado Śrāddhadeva; saṁjñāyām — no ventre de Saṁjñā (a esposa de Vivas­vān); āsa — nasceu; bhārata — ó melhor da dinastia Bhārata; śrād­dhāyām — no ventre de Śraddhā (a esposa de Śrāddhadeva); janayām āsa — gerados; daśa — dez; putrān — filhos; saḥ — esse Śrāddhadeva; ātmavān — tendo conquistado seus sentidos; ikṣvāku-nṛga-śaryāti-diṣṭa-dhṛṣṭa-karūṣakān — chamados Ikṣvāku, Nṛga, Śaryāti, Diṣṭa, Dhṛṣṭa e Karūṣaka; nariṣyantam — Nariṣyanta; pṛṣadhram ca — e Pṛṣadhra; nabhagam ca — e Nabhaga; kavim — Kavi; vibhuḥ — o grande.

Tradução

Ó rei, melhor da dinastia Bhārata, de Vivasvān, pelo ventre de Saṁjñā, nasceu Śrāddhadeva Manu. Śrāddhadeva Manu, tendo dominado seus sentidos, gerou dez filhos no ventre de sua esposa, Śraddhā. Os nomes desses filhos eram Ikṣvāku, Nṛga, Śaryāti, Diṣṭa, Dhṛṣṭa, Karūṣaka, Nariṣyanta, Pṛṣadhra, Nabhaga e Kavi.

Texto

aprajasya manoḥ pūrvaṁ
vasiṣṭho bhagavān kila
mitrā-varuṇayor iṣṭiṁ
prajārtham akarod vibhuḥ

Sinônimos

aprajasya — daquele que não tinha filho; manoḥ — de Manu; pūrvam — anteriormente; vasiṣṭhaḥ — o grande santo Vasiṣṭha; bha­gavān — poderoso; kila — na verdade; mitrā-varuṇayoḥ — aos semideuses chamados Mitra e Varuṇa; iṣṭim — um sacrifício; prajā-artham — com o propósito de obter filhos; akarot — executou; vibhuḥ — a grandiosa pessoa.

Tradução

A princípio, Manu não tinha filhos. Portanto, para que ele obtivesse um filho, o grande santo Vasiṣṭha, que era muito poderoso em conhecimento espiritual, realizou um sacrifício para satisfazer os semideuses Mitra e Varuṇa.

Texto

tatra śraddhā manoḥ patnī
hotāraṁ samayācata
duhitrartham upāgamya
praṇipatya payovratā

Sinônimos

tatra — naquele sacrifício; śraddhā — Śraddhā; manoḥ — de Manu; patnī — a esposa; hotāram — ao sacerdote que realizava o yajña; sa­mayācata — suplicou apropriadamente; duhitṛ-artham — uma filha; upāgamya — aproximando-se; praṇipatya — prestando reverências; payaḥ-vratā — que seguia o voto de beber apenas leite.

Tradução

Durante aquele sacrifício, Śraddhā, a esposa de Manu, que seguia o voto de subsistir apenas bebendo leite, aproximou-se do sacerdo­te encarregado do sacrifício, prestou-lhe reverências e suplicou-lhe uma filha.

Texto

preṣito ’dhvaryuṇā hotā
vyacarat tat samāhitaḥ
gṛhīte haviṣi vācā
vaṣaṭ-kāraṁ gṛṇan dvijaḥ

Sinônimos

preṣitaḥ — sendo ordenado a executar o sacrifício; adhvaryu­ṇā — pelo sacerdote ṛtvik; hotā — o sacerdote encarregado de fazer oblações; vyacarat — executou; tat — aquele (sacrifício); samāhitaḥ — com muita atenção; gṛhīte haviṣi — ao pegar a manteiga clarificada para a primeira oblação; vācā — cantando o mantra; vaṣaṭ-kāram — o mantra que começa com a palavra vaṣaṭ; gṛṇan — recitando; dvijaḥ — o brāhmaṇa.

Tradução

Ao receber do sacerdote principal a seguinte ordem: “Agora, faze oblações”, a pessoa encarregada das oblações pegou a manteiga clarificada para oferecê-la. Então, lembrou-se do pedido da esposa de Manu e realizou o sacrifício enquanto cantava a palavra “vaṣaṭ”.

Texto

hotus tad-vyabhicāreṇa
kanyelā nāma sābhavat
tāṁ vilokya manuḥ prāha
nātituṣṭamanā gurum

Sinônimos

hotuḥ — do sacerdote; tat — do yajña; vyabhicāreṇa — através da transgressão; kanyā — uma filha; ilā — Ilā; nāma — chamada; — aquela filha; abhavat — nasceu; tām — a ela; vilokya — vendo; manuḥ — Manu; prāha — disse; na — não; atituṣṭamanāḥ — muito satis­feito; gurum — ao seu guru.

Tradução

Manu iniciara aquele sacrifício com o propósito de obter um filho, mas, como o sacerdote aceitou o pedido da esposa de Manu, nasceu uma filha chamada Ilā. Ao ver a filha, Manu não ficou muito satisfeito. Então, dirigiu ao seu guru, Vasiṣṭha, as seguintes palavras.

Comentário

SIGNIFICADO—Como não tinha progênie, Manu ficou satisfeito com o nascimento da criança, apesar de ser uma menina, e lhe deu o nome de Ilā. Mais tarde, entretanto, ele não se alegrava muito ao ver que, em vez de um filho, tinha uma filha. Porque não tinha progênie, ele decerto estava muito alegre com o nascimento de Ilā, mas seu prazer foi temporário.

Texto

bhagavan kim idaṁ jātaṁ
karma vo brahma-vādinām
viparyayam aho kaṣṭaṁ
maivaṁ syād brahma-vikriyā

Sinônimos

bhagavan — ó meu senhor; kim idam — o que é isto; jātam — nascidas; karma — atividades fruitivas; vaḥ — de todos vós; brahma-vādinām — de vós, que sois hábeis em cantar os mantras védicos; viparyayam — desvio; aho — ai de mim; kaṣṭam — doloroso; mā evam syāt — não de­veria ser assim; brahma-vikriyā — este resultado oposto, produzido pelos mantras védicos.

Tradução

Meu senhor, sois todos hábeis em cantar os mantras védicos. Então, como o resultado foi o oposto do desejado? Isso é motivo de lamen­tação. Não deveria haver semelhante inversão dos resultados dos mantras védicos.

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta era, a realização de yajña é proibida porque ninguém pode cantar adequadamente os mantras védicos. Se os mantras védicos são cantados adequadamente, o desejo devido ao qual o sacrifício é realizado concretiza-se de fato. Portanto, o canto de Hare Kṛṣṇa chama-se mahā-mantra, o grande e sublime mantra, situado acima de todos os outros mantras védicos, pois basta cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa para que ocorram tantos efeitos benéficos. Como explica Śrī Caitanya Mahāprabhu (Śikṣāṣṭaka 1):

ceto-darpaṇa-mārjanaṁ bhava-mahā-dāvāgni-nirvāpaṇaṁ
śreyaḥ-kairava-candrikā-vitaraṇaṁ vidyā-vadhū-jīvanam
ānandāmbudhi-vardhanaṁ prati-padaṁ pūrṇāmṛtāsvādanaṁ
sarvātma-snapanaṁ paraṁ vijayate śrī-kṛṣṇa-saṅkīrtanam

“Glória ao śrī-kṛṣṇa-saṅkīrtana, que tira do coração toda a poeira acumulada durante anos e extingue o fogo da vida condicionada, acabando com os repetidos nascimentos e mortes. Este movimento de saṅkīrtana é a bênção principal para toda a humanidade porque lança sobre ela os raios da lua da bênção. É a vida de todo o conhe­cimento transcendental. Aumenta o oceano de bem-aventurança transcendental e capacita-nos a saborear completamente o néctar pelo qual sempre ansiamos.”

Logo, a melhor realização de yajña que podemos receber é o saṅ­kīrtana-yajña. Yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ (Śrīmad-Bhāgavatam 11.5.32). Aqueles que são inteligentes tiram proveito do maior yajña desta era, cantando congregacionalmente o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Quando o mantra Hare Kṛṣṇa é cantado por muitos homens reunidos, o canto se chama saṅkīrtana, e, como resultado desse yajña, nuvens se formarão no céu (yajñād bhavati parjanyaḥ). Nestes dias de seca, as pessoas podem aliviar-se da escassez de chuvas e alimentos pelo simples método do yajña Hare Kṛṣṇa. Na verdade, isso pode aliviar toda a sociedade humana. Atualmente, há secas em toda a Europa e América, e as pessoas estão sofrendo, mas, se elas levarem a sério este movimento da consciência de Kṛṣṇa, se cessarem suas atividades pecaminosas e cantarem o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, todos os seus problemas serão facilmente resolvidos. Em outros processos de yajña, há dificuldades porque não há sábios que possam cantar os mantras perfeitamente bem, nem é possível obter os ingredientes necessários para a realização do yajña. Porque a sociedade humana é paupérrima e os homens são desprovidos de conhecimento védico e do poder de cantar os mantras védi­cos, o maha-mantra Hare Krṣṇa é o único refúgio. As pessoas devem ser assaz inteligentes e cantá-lo. Yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ. Aqueles cujos cérebros são obtusos não podem en­tender este canto, tampouco podem adotá-lo.

Texto

yūyaṁ brahma-vido yuktās
tapasā dagdha-kilbiṣāḥ
kutaḥ saṅkalpa-vaiṣamyam
anṛtaṁ vibudheṣv iva

Sinônimos

yūyam — de todos vós; brahma-vidaḥ — em completo conhecimento acerca da Verdade Absoluta; yuktāḥ — autocontrolados e bem equilibrados; tapasā — por força de austeridade e penitências; dagdha­-kilbiṣāḥ — toda classe de contaminação materiais tendo sido queimadas; kutaḥ — então como; saṅkalpa-vaiṣamyam — discrepância no que diz respeito à determinação; anṛtam — falsa promessa, falsa afirmação; vibudheṣu — na sociedade dos semideuses; iva — ou.

Tradução

Sois totalmente autocontrolados, de mente bem equilibrada e conhecedores da Verdade Absoluta. E, devido às austeridades e penitências, limpastes-vos completamente de toda a contaminação material. Vossas palavras, como as dos semideuses, nunca falham. Então, como é possível que vossa determinação tenha-se perdido?

Comentário

SIGNIFICADO—Aprendemos em muitos textos védicos que as bênçãos ou mal­dições dadas pelos semideuses nunca se revelam falsas. Realizando austerida­des e penitências, controlando os sentidos e a mente e alcançando pleno conhecimento acerca da Verdade Absoluta, qualquer um pode limpar-se completamente de toda a contaminação material. Então, suas palavras e bênçãos, como as dos semideuses, nunca fracassarão.

Texto

niśamya tad vacas tasya
bhagavān prapitāmahaḥ
hotur vyatikramaṁ jñātvā
babhāṣe ravi-nandanam

Sinônimos

niśamya — após ouvir; tat vacaḥ — aquelas palavras; tasya — dele (Manu); bhagavān — o poderosíssimo; prapitāmahaḥ — o bisavô Vasiṣṭha; hotuḥ vyatikramam — o erro cometido pelo sacerdote hotā; jñātvā — entendendo; babhāṣe — falou; ravi-nandanam — a Vaivasvata Manu, filho do deus do Sol.

Tradução

O poderosíssimo bisavô Vasiṣṭha, após ouvir essas palavras de Manu, entendeu o erro cometido pelo sacerdote. Assim, ele dirigiu ao filho do deus do Sol as seguintes palavras.

Texto

etat saṅkalpa-vaiṣamyaṁ
hotus te vyabhicārataḥ
tathāpi sādhayiṣye te
suprajāstvaṁ sva-tejasā

Sinônimos

etat — esta; saṅkalpa-vaiṣamyam — discrepância no objetivo; hotuḥ — do sacerdote; te — teu; vyabhicārataḥ — devido ao fato de desviar-se do propósito prescrito; tathā api — mesmo assim; sādhayiṣye — executarei; te — ti; su-prajāstvam — um ótimo filho; sva-tejasā­ — pelo meu próprio poder.

Tradução

Esta discrepância no objetivo se deve ao fato de o teu sacerdote ter-se desviado do propósito original. Entretanto, mediante meu poder pessoal, eu te darei um bom filho.

Texto

evaṁ vyavasito rājan
bhagavān sa mahā-yaśāḥ
astauṣīd ādi-puruṣam
ilāyāḥ puṁstva-kāmyayā

Sinônimos

evam — assim; vyavasitaḥ — decidindo; rājan — ó rei Parīkṣit; bha­gavān — o poderosíssimo; saḥ — Vasiṣṭha; mahā-yaśāḥ — muito famo­so; astauṣīt — ofereceu orações; ādi-puruṣam — à Pessoa Suprema, Senhor Viṣṇu; ilāyāḥ — de Ilā; puṁstva-kāmyayā — para a transfor­mação em homem.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei Parīkṣit, após tomar esta decisão, o poderosíssimo e famoso Vasiṣṭha ofereceu orações à Pessoa Suprema, Viṣṇu, para transformar Ilā em homem.

Texto

tasmai kāma-varaṁ tuṣṭo
bhagavān harir īśvaraḥ
dadāv ilābhavat tena
sudyumnaḥ puruṣarṣabhaḥ

Sinônimos

tasmai — a ele (Vasiṣṭha); kāma-varam — a bênção desejada; tuṣṭaḥ — estando satisfeito; bhagavān — a Personalidade Suprema; hariḥ īśva­raḥ — o controlador supremo, o Senhor; dadau — deu; ilā — a garota, Ilā; abhavat — tornou-se; tena — devido a esta bênção; sudyumnaḥ — chamado Sudyumna; puruṣa-ṛṣabhaḥ — um belo varão.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus, o controlador supremo, estando satisfeito com Vasiṣṭha, deu-lhe a bênção que ele desejava. Assim, Ilā se transformou em um varão muito formoso chamado Sudyumna.

Texto

sa ekadā mahārāja
vicaran mṛgayāṁ vane
vṛtaḥ katipayāmātyair
aśvam āruhya saindhavam
pragṛhya ruciraṁ cāpaṁ
śarāṁś ca paramādbhutān
daṁśito ’numṛgaṁ vīro
jagāma diśam uttarām

Sinônimos

saḥ — Sudyumna; ekadā — certa vez; mahārāja — ó rei Parīkṣit; vica­ran — viajando; mṛgayām — para caçar; vane — na floresta; vṛtaḥ — acompanhado; katipaya — alguns; amātyaiḥ — pelos ministros ou associados; aśvam — em um cavalo; āruhya — montado; saindhavam — nasci­do em Sindhupradeśa; pragṛhya — empunhando; ruciram — belo; cāpam — arco; śarān ca — e flechas; parama-adbhutān — muito maravilhosa, incomum; daṁśitaḥ — usando uma armadura; anumṛgam — no encalço dos animais; vīraḥ — o herói; jagāma — foi em direção ao; diśam uttarām — norte.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, esse herói, Sudyumna, acompanhado de alguns minis­tros e associados e montado em um cavalo trazido de Sindhupradeśa, foi caçar na floresta certa vez. Ele usava uma armadura, estava ornado com arcos e flechas e era muito belo. Enquanto perseguia os animais e os matava, ele alcançou a parte setentrional da floresta.

Texto

sukumāra-vanaṁ meror
adhastāt praviveśa ha
yatrāste bhagavāñ charvo
ramamāṇaḥ sahomayā

Sinônimos

sukumāra-varam — a floresta conhecida como Sukumāra; meroḥ adhastāt — ao sopé do monte Meru; praviveśa ha — ele entrou em; yatra — onde; āste — estava; bhagavān — o poderosíssimo (semideus); śarvaḥ — senhor Śiva; ramamāṇaḥ — ocupado em desfrutar; saha umayā — com Umā, sua esposa.

Tradução

Lá no norte, na base do monte Meru, existe uma floresta conhecida como Sukumāra, onde o senhor Śiva sempre desfruta com Umā. Sudyumna entrou naquela floresta.

Texto

tasmin praviṣṭa evāsau
sudyumnaḥ para-vīra-hā
apaśyat striyam ātmānam
aśvaṁ ca vaḍavāṁ nṛpa

Sinônimos

tasmin — naquela floresta; praviṣṭaḥ — tendo entrado; eva — na verdade; asau — ele; sudyumnaḥ — o príncipe Sudyumna; para-vīra-hā — que podia muito bem subjugar seus inimigos; apaśyat — observou; striyam — mulher; ātmānam — a ele próprio; aśvam ca — e a seu cava­lo; vaḍavām — uma égua; nṛpa — ó rei Parīkṣit.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, tão logo Sudyumna, que era muito hábil em subju­gar os inimigos, entrou na floresta, ele se viu transformado em uma mulher, e seu cavalo transformado em uma égua.

Texto

tathā tad-anugāḥ sarve
ātma-liṅga-viparyayam
dṛṣṭvā vimanaso ’bhūvan
vīkṣamāṇāḥ parasparam

Sinônimos

tathā — igualmente; tat-anugāḥ — os companheiros de Sudyumna; sarve — todos eles; ātma-liṅga-viparyayam — mudança para o sexo oposto; dṛṣṭvā — vendo; vimanasaḥ — melancólicos; abhūvan — fica­ram; vīkṣamāṇāḥ — examinando; parasparam — uns aos outros.

Tradução

Quando também viram suas identidades transformadas e seus sexos mudados, todos os seus seguidores ficaram muito melancólicos e simplesmente olhavam uns para os outros.

Texto

śrī-rājovāca
katham evaṁ guṇo deśaḥ
kena vā bhagavan kṛtaḥ
praśnam enaṁ samācakṣva
paraṁ kautūhalaṁ hi naḥ

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — Mahārāja Parīkṣit disse; katham — como; evam — esta; guṇaḥ — qualidade; deśaḥ — a região; kena — por quê; — ou; bhagavan — ó poderosíssimo; kṛtaḥ — foi feito assim; praśnam — questão; enam — esta; samācakṣva — simplesmente pondera; param — enorme; kautūhalam — ansiedade; hi — na verdade; naḥ — nossa.

Tradução

Mahārāja Parīkṣit disse: Ó poderosíssimo brāhmaṇa, por que este lugar recebeu tamanho poder, e quem o tornou tão poderoso? Por favor, responde a esta questão, pois estou muito ansioso por ouvir acerca disso.

Texto

śrī-śuka uvāca
ekadā giriśaṁ draṣṭum
ṛṣayas tatra suvratāḥ
diśo vitimirābhāsāḥ
kurvantaḥ samupāgaman

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; ekadā — certa vez; gi­riśam — o senhor Śiva; draṣṭum — para ver; ṛṣayaḥ — pessoas muito santas; tatra — àquela floresta; su-vratāḥ — muitíssimo elevadas em poder espiritual; diśaḥ — todas as direções; vitimira-ābhāsāḥ — tendo ficado livres de toda espécie de escuridão; kurvantaḥ — assim fazen­do; samupāgaman — chegaram.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī respondeu: Grandes pessoas santas, que seguiam estritamente as regras e regulações espirituais e cuja própria refulgência dissipava toda a escuridão presente em todas as direções, dirigiram-se àquela floresta para ver o senhor Śiva certa vez.

Texto

tān vilokyāmbikā devī
vivāsā vrīḍitā bhṛśam
bhartur aṅkāt samutthāya
nīvīm āśv atha paryadhāt

Sinônimos

tān — todas as pessoas santas; vilokya — vendo-as; ambikā — a mãe Durgā; devī — a deusa; vivāsā — porque estava nua; vrīḍitā — envergonhada; bhṛśam — muito; bhartuḥ — do seu esposo; aṅkāt — do colo; samutthāya — levantando-se; nīvīm — seios; āśu atha — bem depressa; paryadhāt — cobriu com roupa.

Tradução

Ao ver as grandes pessoas santas, a deusa Ambikā ficou muito en­vergonhada porque estava despida naquele momento. Levantando-se imediatamente do colo de seu esposo, ela tentou cobrir seus seios.

Texto

ṛṣayo ’pi tayor vīkṣya
prasaṅgaṁ ramamāṇayoḥ
nivṛttāḥ prayayus tasmān
nara-nārāyaṇāśramam

Sinônimos

ṛṣayaḥ — todas as grandes pessoas santas; api — também; tayoḥ — de ambos; vīkṣya — vendo; prasaṅgam — ocupação em atividades sexuais; ramamāṇayoḥ — que estava desfrutando daquela maneira; nivṛttāḥ — desistiram de prosseguir; prayayuḥ —parti­ram imediatamente; tasmāt — daquele lugar; nara-nārāyaṇa-āśramam — rumo ao āśra­ma de Nara-Nārāyaṇa.

Tradução

Vendo o senhor Śiva e Pārvatī ocupados em atividades sexuais, todas as grandes pessoas santas imediatamente desistiram de ir adiante e partiram para o āśrama de Nara-Nārāyaṇa.

Texto

tad idaṁ bhagavān āha
priyāyāḥ priya-kāmyayā
sthānaṁ yaḥ praviśed etat
sa vai yoṣid bhaved iti

Sinônimos

tat — por causa; idam — disto; bhagavān — o senhor Śiva; āha — disse; priyāyāḥ — de sua querida esposa; priya-kāmyayā — para o prazer; sthānam — lugar; yaḥ — todo aquele que; praviśet — entrar; etat — aqui; saḥ — essa pessoa; vai — na verdade; yoṣit — fêmea; bhavet — se tornará; iti — assim.

Tradução

Em seguida, apenas para satisfazer sua esposa, o senhor Śiva disse: “Qualquer macho que entre neste lugar imediatamente se transfor­mará em fêmea!”

Texto

tata ūrdhvaṁ vanaṁ tad vai
puruṣā varjayanti hi
sā cānucara-saṁyuktā
vicacāra vanād vanam

Sinônimos

tataḥ ūrdhvam — daquela época em diante; vanam — floresta; tat — aquela; vai — em particular; puruṣāḥ — homens; varjayanti — não entraram; hi — na verdade; — Sudyumna sob forma de mulher; ca — também; anucara-saṁyuktā — acompanhado de seus companheiros; vicacāra — caminhou; vanāt vanam — em vários lugares dentro da floresta.

Tradução

Desde então, nenhum homem havia entrado naquela floresta. Mas agora, o rei Sudyumna, tendo-se transformado em mulher, começou a andar com seus associados de floresta em floresta.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (2.22), declara-se:

vāsāṁsi jīrṇāni yathā vihāya
navāni gṛhṇāti naro ’parāṇi
tathā sarīrāṇi vihāya jīrṇāny
anyāni saṁyāti navāni dehī

“Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos e inúteis.”

O corpo é exatamente como uma roupa, o que é comprovado aqui. Sudyumna e seus associados eram todos homens, o que significa que suas almas estavam cobertas com roupas masculinas, mas agora eles se tornaram mulheres, o que significa que suas vestes mudaram. A alma, entretanto, permanece a mesma. Afirma-se que, através do tratamento médico moderno, um homem pode transformar-se em mulher, e uma mulher pode transformar-se em homem. O corpo, no entanto, não tem conexão com a alma. O corpo pode mudar, seja nesta vida, seja na próxima. Portanto, a pessoa que conhece a alma e como esta transmigra de um corpo a outro não dedica muita atenção ao corpo, que não passa de uma vestimenta externa. Paṇḍitāḥ sama-darśinaḥ. Semelhante pessoa vê a alma, que é parte integrante do Senhor Supremo. Portanto, ela é sama-darśī, um erudito.

Texto

atha tām āśramābhyāśe
carantīṁ pramadottamām
strībhiḥ parivṛtāṁ vīkṣya
cakame bhagavān budhaḥ

Sinônimos

atha — dessa maneira; tām — a ela; āśrama-abhyāśe — nas imedia­ções do seu āśrama; carantīm — perambulando; pramadā-uttamām — a mais bela das mulheres que excitam o sexo; strībhiḥ — por outras mulheres; parivṛtām — rodeada; vīkṣya — vendo-a; cakame — desejou fazer sexo; bhagavān — o poderosíssimo; budhaḥ — Budha, o filho da Lua e a deidade predominante do planeta conhecido como Budha, ou Mercúrio.

Tradução

Sudyumna se transformara na mais bela de todas as mulheres capazes de provocar desejos sexuais e estava rodeada por outras mu­lheres. Ao ver essa bela mulher perambulando perto de seu āśrama, Budha, o filho da Lua, imediatamente desejou desfrutá-la.

Texto

sāpi taṁ cakame subhrūḥ
somarāja-sutaṁ patim
sa tasyāṁ janayām āsa
purūravasam ātmajam

Sinônimos

— Sudyumna, transformado em mulher; api — também; tam — com ele (Budha); cakame — desejou fazer sexo; su-bhrūḥ — muito bela; somarāja-sutam — ao filho do rei da Lua; patim — como seu esposo; saḥ — ele (Budha); tasyām — no ventre dela; janayām āsa — gerou; purūravasam — chamado Purūravā; ātma-jam — um filho.

Tradução

A bela mulher também quis aceitar Budha, o filho do rei da Lua, como seu esposo. Assim, Budha gerou em seu ventre um filho cha­mado Purūravā.

Texto

evaṁ strītvam anuprāptaḥ
sudyumno mānavo nṛpaḥ
sasmāra sa kulācāryaṁ
vasiṣṭham iti śuśruma

Sinônimos

evam — dessa maneira; strītvam — feminilidade; anuprāptaḥ — tendo alcançado daquele modo; sudyumnaḥ — o homem chamado Sudyum­na; mānavaḥ — o filho de Manu; nṛpaḥ — o rei; sasmāra — lembrou-se; saḥ — ele; kula-ācāryam — do mestre espiritual da família; vasiṣṭham — o poderosíssimo Vasiṣṭha; iti śuśruma — ouvi isto (de fontes seguras).

Tradução

Ouvi de fontes garantidas que o rei Sudyumna, o filho de Manu, tendo assim obtido a feminilidade, lembrou-se do mestre espiritual de sua família, Vasiṣṭha.

Texto

sa tasya tāṁ daśāṁ dṛṣṭvā
kṛpayā bhṛśa-pīḍitaḥ
sudyumnasyāśayan puṁstvam
upādhāvata śaṅkaram

Sinônimos

saḥ — ele, Vasiṣṭha; tasya — de Sudyumna; tām — aquela; daśām — situação; dṛṣṭvā — vendo; kṛpayā — por misericórdia; bhṛśa-pīḍitaḥ — estando muito pesaroso; sudyumnasya — de Sudyumna; āśayan — dese­jando; puṁstvam — a masculinidade; upādhāvata — começou a adorar; śaṅkaram — senhor Śiva.

Tradução

Ao ver a condição deplorável de Sudyumna, Vasiṣṭha ficou muito pesaroso. Desejando que Sudyumna recuperasse sua masculinidade, Vasiṣṭha novamente começou a adorar o Senhor Śaṅkara [Śiva].

Texto

tuṣṭas tasmai sa bhagavān
ṛṣaye priyam āvahan
svāṁ ca vācam ṛtāṁ kurvann
idam āha viśāmpate
māsaṁ pumān sa bhavitā
māsaṁ strī tava gotrajaḥ
itthaṁ vyavasthayā kāmaṁ
sudyumno ’vatu medinīm

Sinônimos

tuṣṭaḥ — estando contente; tasmai — com Vasiṣṭha; saḥ — ele (senhor Śiva); bhagavān — o poderosíssimo; ṛṣaye — ao grande sábio; priyam āvahan — só para satisfazê-lo; svām ca — sua própria; vacam — palavra; ṛtām — veraz; kurvan — e mantendo; idam — isto; āha — disse; viśāmpate — ó rei Parīkṣit; māsam — um mês; pumān — homem; saḥ — Su­dyumna; bhavitā — se tornará; māsam — outro mês; strī — mulher; tava — teu; gotra-jaḥ — discípulo nascido em tua sucessão discipular; ittham — dessa maneira; vyavasthayā — pelo ajuste; kāmam — de acordo com o desejo; sudyumnaḥ — o rei Sudyumna; avatu — pode governar; medinīm — o mundo.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, o senhor Śiva estava contente com Vasiṣṭha. Por­tanto, para satisfazê-lo, mantendo a palavra que dera a Pārvatī, o senhor Śiva disse à pessoa santa: “Durante um mês, teu discípulo Sudyumna pode permanecer homem; no mês seguinte, voltará a ser mulher. Dessa maneira, ele poderá governar o mundo a seu bel-prazer.”

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra gotrajaḥ é significativa dentro deste contexto. De um modo geral, os brāhmaṇas agem como mestres espirituais de duas dinastias. Uma é a sua sucessão discipular, e a outra é a dinastia produzida pelo seu sêmen. Ambas as categorias de descendentes pertencem ao mesmo gotra, ou dinastia. No sistema védico, algumas vezes, verifica-se que tanto os brāhmaṇas quanto os kṣatriyas, e até mesmo os vaiśyas, compõem a sucessão discipular dos mesmos ṛṣis. Como o gotra e a dinastia são iguais, não há diferença entre os discípulos e a família nascida através do sêmen. O mesmo sistema ainda pre­valece na sociedade indiana, especialmente no que diz respeito ao matrimônio, o qual requer que se calcule o gotra. Aqui, a palavra gotrajaḥ aplica-se àqueles que nascem na mesma dinastia, quer sejam discípulos, quer membros da família.

Texto

ācāryānugrahāt kāmaṁ
labdhvā puṁstvaṁ vyavasthayā
pālayām āsa jagatīṁ
nābhyanandan sma taṁ prajāḥ

Sinônimos

ācārya-anugrahāt — pela misericórdia do mestre espiritual; kāmam — desejada; labdhvā — tendo alcançado; puṁstvam — masculinidade; vyavasthayā — através deste arranjo do senhor Śiva; pālayām asa — ele governava; jagatīm — o mundo inteiro; na abhyanandan sma — não estavam satisfeitos; tam — ao rei; prajāḥ — os cidadãos.

Tradução

Recebendo do mestre espiritual esse favor, então, em consonância com às palavras do senhor Śiva, Sudyumna recuperava em meses alternados sua masculinidade desejada e, dessa maneira, governava o reino, embora os cidadãos não estivessem satisfeitos com isso.

Comentário

SIGNIFICADO—Os cidadãos podiam entender que, em meses alternados, o rei se transformava em mulher e, portanto, não podia desempenhar seu dever real. Consequentemente, eles não estavam muito satisfeitos.

Texto

tasyotkalo gayo rājan
vimalaś ca trayaḥ sutāḥ
dakṣiṇā-patha-rājāno
babhūvur dharma-vatsalāḥ

Sinônimos

tasya — de Sudyumna; utkalaḥ — chamado Utkala; gayaḥ — chamado Gaya; rājan — ó rei Parīkṣit; vimalaḥ ca — e Vimala; trayaḥ — três; sutāḥ — filhos; dakṣiṇā-patha — da parte meridional do mundo; rājānaḥ — reis; babhūvuḥ — eles se tornaram; dharma-vatsalāḥ — muito re­ligiosos.

Tradução

Ó rei, Sudyumna teve três filhos muito piedosos, chamados Utkala, Gaya e Vimala, que se tornaram os reis de Dakṣinā-patha.

Texto

tataḥ pariṇate kāle
pratiṣṭhāna-patiḥ prabhuḥ
purūravasa utsṛjya
gāṁ putrāya gato vanam

Sinônimos

tataḥ — depois; pariṇate kāle — quando chegou o devido tempo; pra­tiṣṭhāna-patiḥ — o dono do reino; prabhuḥ — muito poderoso; purūra­vase — Purūravā; utsṛjya — entregando; gām — o mundo; putrāya — a seu filho; gataḥ — partiu; vanam — para a floresta.

Tradução

Depois, tendo chegado o devido tempo, quando Sudyumna, o rei do mundo, estava suficientemente idoso, ele entregou todo o reino a seu filho Purūravā e se dirigiu à floresta.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com o sistema védico, as pessoas incluídas na institui­ção de varṇa e āśrama devem deixar a vida familiar depois de atingir cinquenta anos de idade (pañcāśordhvaṁ vanaṁ vrajet). Logo, Sudyumna seguiu as regulações prescritas para o varṇāśrama, abdi­cando o reino e indo para a floresta a fim de aperfeiçoar sua vida espiritual.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do nono canto, primeiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “O Rei Sudyumna Torna-se uma Mulher”.